TRAJETÓRIA DE UM VISIONÁRIO, por Babyne Gouvêa

(Imagem: Urcamp)

Um jovem morador de uma grande cidade interiorana ambicionava desde criança ser prefeito. Cobiçava ver o seu município com bibliotecas nos diversos bairros, para auxiliar os habitantes ávidos por conhecimentos.

Essa ideia nasceu a partir de Dublin, que teve a oportunidade de conhecer por intermédio de leituras sobre a história da capital irlandesa. Essa cidade adota um sistema municipal de bibliotecas suficiente para atender às necessidades bibliográficas de sua população. Esse modelo de administração foi adotado antes do desenvolvimento econômico daquele país, na década de 80.

O jovem, quando aluno do ensino fundamental em escola pública,  ressentiu-se da ausência de um suporte de leitura. O despertar para a necessidade de bibliotecas surgiu nessa época de sua formação e a obstinação de ver a sua cidade suprida de bibliotecas continuou presente durante toda a sua trajetória de estudante.

Conseguiu entrar numa universidade pública, estudando com livros emprestados, cedidos generosamente por amigos dotados de situação financeira privilegiada. Fez a graduação em Ciências Políticas, com o propósito de reunir condições para administrar o seu município e afastá-lo dos índices alarmantes de analfabetismo em vários graus. Já graduado, candidatou-se a vereador com um slogan de campanha incentivando a leitura, mas não logrou êxito.

Foi aprovado num concurso público para o magistério, iniciando como docente do ensino fundamental. Imediatamente, colocou-se na posição do seu alunado recapitulando a sua própria experiência, diante da inexistência de apoios bibliográficos. Essa situação não desejava aos seus discípulos. O tempo passou, mas a conjuntura permaneceu a mesma.

Tomou a iniciativa de criar uma hemeroteca na escola, a partir de assinaturas de jornais, revistas e obras em série, com recursos financeiros próprios. Percebeu o interesse dos seus discentes pelo acervo que crescia rapidamente, já que eram coleções seriadas; essa demanda aumentou o seu entusiasmo, levando-o a conversar com alguns residentes do seu bairro e colegas professores.

O que de fato incentivaria os eleitores? Teria que ser algo ligado a livros e leitura. Iniciou um trabalho que lhe exigiu paciência e persistência, falando inicialmente com os alunos, seus grandes aliados e, posteriormente, com os pais. Em seguida, coordenou atividades de recreação, reunindo moradores da circunvizinhança da escola, com a intenção de atrair um bom número de pessoas para formar uma base de apoio à concretização do seu intento.

Convocou reuniões com os simpatizantes de sua candidatura e obteve críticas favoráveis à ideia da instalação de bibliotecas. Sentiu uma espécie de pontapé inicial; agora teria que identificar os formadores de opinião. Foi relativamente fácil apontar os líderes entre os apoiadores na escola, no seu bairro, nas entidades de classe e nos clubes recreativos.

Chegou o período das eleições municipais e ele se candidatou a uma vaga na Câmara de Vereadores. Dessa vez, conseguiu se eleger com razoável soma de votos. Ficou satisfeito com o perfil dos seus eleitores: intelectuais, escritores, jornalistas, educadores e até donas de casa, para a sua surpresa.

Durante o mandato trabalhou até a exaustão, com ideia fixa em seu objetivo – o de criar um sistema eficiente de bibliotecas.

A recompensa do seu empenho na Câmara foi o reconhecimento dos eleitores nas urnas, elegendo-o prefeito do município com uma representativa soma de votos. Formou o seu secretariado tomando por base a competência técnica para desenvolver o seu Plano de Governo. Os cargos das secretarias da Educação e Cultura foram devidamente preenchidos por especialistas, alinhados com a sua propositura administrativa.

As bibliotecas e salas de leitura foram instaladas nos bairros, contando com o apoio do empresariado local, e o sistema de bibliotecas ambulantes foi criado, atendendo os moradores do perímetro urbano e da periferia do município. A meta estava assim sendo atingida – tornar a leitura acessível a toda a população.

Implantou no Ensino Fundamental as disciplinas eletivas ‘Canto Orfeônico’, ‘Libras’ e ‘Braille’, procurando estender o aprendizado da leitura a grupos específicos. O resultado desse investimento foi favorável ao incremento de atividades sociais manifestadas em consultas à população.

Foram intensificados eventos artísticos e musicais e vários concursos na área da literatura foram realizados. Outras ações ocorreram por meio de projetos de cooperação técnica em parceria com vários âmbitos governamentais e diversos setores da sociedade civil.

O propósito das políticas públicas foi básico para a recondução do prefeito ao cargo. Em seu discurso de posse reiterou os benefícios nas áreas de educação e cultura como determinantes para o progresso da cidade sob a sua administração.

OS ABENÇOADOS, por Rubens Nóbrega

23-04-20 Entrega de alimentos a pessoas em situação de rua  foto- Alberto Machado  (4).JPG

Até março de 2020, a Asa preparava 850 refeições por dia. Hoje, serve mais de 4 mil (Foto: SecomPB)

“Ei, abençoado, me dê uma ajuda…”, pede o rapaz de presumíveis 20 e poucos anos que me suplica esmola de mão estendida. Mas, antes mesmo de dar algum trocado, dá mais vontade ainda de lhe dizer: “Não, não sou abençoado”.

Casa Banho Praia, na Rua Izidro Gomes, em Tambaú (Foto: Asa)

Abençoado é o pessoal da Ação Social Arquidiocesana (Asa), que todo santo dia serve mais de 4 mil refeições aos pobres e famintos que a gente vê cada vez em maior número nas calçadas, sob marquises ou semáforos das ruas de João Pessoa.

Casa Banho Centro, na Rua Duque de Caxias (Foto: Asa)

Abençoado é o funcionário ou voluntário que todo santo dia abre e mantém duas casas para oferecer – a quem vive ao relento – um lugar onde fazer necessidades, tomar água, tomar banho, lavar e trocar a roupa e até cortar cabelo.

Máquinas para lavar roupa de quem vive na rua (Foto: Asa)

Abençoado é quem, na mesma equipe, faz escuta espiritual, encaminha doente que precisa de hospital para o Hospital Padre Zé e dependente químico para a Fazenda Esperança, onde mora a chance de alguém se recuperar das drogas.

A Arquidiocese também oferece escuta social e espiritual (Foto: Asa)

Esses, sim, são abençoados. Porque fazem por onde dar solidariedade e o mínimo de dignidade aos desventurados que sofrem e sobrevivem nesta cidade e em quase todas as outras sob condições tão adversas, deploráveis, subumanas.

  • • Com informações da Asa (por Juliana, Assistente Social, e cônego Egídio, secretário executivo) 
  • A Ação Social Arquidiocesana da Igreja Católica na Paraíba conta com recursos arrecadados pela Campanha da Fraternidade e de convênio com a Secretaria de Desenvolvimento Humano do Governo do Estado (SEDH-PB) 

Jornalistas debatem taxação das grandes plataformas digitais

A taxação das grandes plataformas digitais é o tema do seminário online regional que a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) e o Sindicato dos Jornalistas Profissionais da Paraíba (Sindjor-PB) promovem terça-feira (3) para mobilizar a categoria em todo o Nordeste pela criação de um fundo de apoio e fomento ao jornalismo de qualidade, a ser financiado por contribuição que será cobrada a empresas bilionárias como Google e Facebook.

Maria José Braga, presidente da Fenaj e membro do Comitê Executivo da Federação Internacional dos Jornalistas (Fij), e Rubens Nóbrega, editor deste blog, serão os expositores do seminário, ao lado de Juliana Almeida, professora de Jornalismo. Na coordenação e mediação, Rafael Mesquita, presidente do Sindjor do Ceará.

O evento dá sequência a uma campanha mundial lançada em 2020 pela instituição de mecanismos e leis que deem suporte ao fortalecimento do jornalismo e valorização do jornalista como instrumentos essenciais das sociedades democráticas. 

O seminário será aberto às 20h. Qualquer pessoa, jornalista ou não, poderá participar abrindo no computador ou celular o link https://us02web.zoom.us/…/reg…/WN_eu-x5wsmRvW8SPVGhQXjWw.

Fórum reivindica e PMJP deve ampliar debate sobre Plano Diretor

Plano Diretor foi debatido nessa segunda-feira (26) no Centro de Formação de Educadores do Estado (Foto: Kleide Teixeira/PMJP)

O Fórum Plano Diretor Participativo, constituído por 28 entidades de João Pessoa, tem encontro marcado às 14h30 da próxima sexta-feira (30) com José William Montenegro, secretário municipal de Planejamento, para reivindicar mais tempo e mais debates sobre a revisão do Plano Diretor da cidade. 

Sob coordenação de José William, a Prefeitura da Capital iniciou na noite de ontem (26), em Mangabeira, uma série de ‘reuniões comunitárias’ – presenciais – para debater e atualizar o Plano Diretor de João Pessoa. O Fórum alega que o tempo de debate é muito curto, vez que tais atividades têm seu término previsto para 2 de agosto próximo.

A audiência de sexta foi agendada pelo próprio secretário, que se diz aberto a todas as contribuições a uma atualização que por força de lei deveria ter sido concluída desde 2018. “As críticas são bem-vindas, mas esperamos receber ideias e propostas do fórum, que conta com pessoas bastante qualificadas para tanto”, disse José William.

Um dos principais instrumentos legais de organização, regulação e preparação de uma cidade para melhorar a vivência e a convivência dos humanos que nela habitam, o Plano Diretor deve ser elaborado pela Prefeitura e aprovado pela Câmara dos Vereadores com indispensáveis subsídios da população, que conhece como ninguém os seus problemas. 

Segundo técnicos da Prefeitura ouvidos pelo blog, a participação popular não está restrita às chamadas reuniões comunitárias. Os debates devem se estender por mais um ano, envolvendo ainda oficinas, grupos de trabalho e uma conferência de encerramento onde serão consolidadas todas as propostas apresentadas durante o processo de discussão.

Lembraram ainda que na primeira semana deste mês a PMJP promoveu reuniões setoriais com membros de conselhos profissionais de engenheiros, arquitetos, corretores de imóveis e empresários da construção civil, além de representantes da Ordem dos Advogados da Paraíba (OAB-PB) e da Universidade Federal da Paraíba (UFPB). 

Com esses segmentos, foi possível discutir também aspectos e pontos carentes de revisão e atualização das leis que complementam o Plano Diretor e disciplinam o uso do solo na capital através dos seus códigos de Postura, de Edificações e de Meio Ambiente.

SUBLIME MORADA, por Babyne Gouvêa

Um tempo de “casas simples, com cadeiras na calçada” de uma gente humilde (Foto: Armazém do Texto)

A rua era sossegada e bem posicionada com relação a diversos bairros da cidade. Próxima a três grandes escolas, facilitava o acesso dos estudantes que nela habitavam. A maioria dos seus moradores se deslocava de um determinado lugar a outro, geralmente, sem utilizar veículos.

As casas em estilo próprio dos anos 40/50 – quando a estética rebuscada e ornamentada do século anterior foi deixada para trás – tinham as suas estruturas voltadas à funcionalidade e praticidade. 

Durante o dia, as donas de casa administravam a cozinha, a limpeza em geral, incluindo as roupas, além de assegurar largo sorriso aos maridos quando retornavam dos seus trabalhos desenvolvidos fora de casa. As crianças logo cedo se dirigiam às escolas e à tarde faziam as suas tarefas escolares, muitas vezes sob a supervisão da mãe.

Diariamente, circulavam na rua e imediações fornecedores de verduras, frutas, mel de engenho e muitos outros produtos. Os vendedores de vassouras e os compradores de vasilhames de garrafa costumavam agitar os moradores com os seus anúncios tonitruantes. Com os sustos provocados nos clientes eram rebatidos com advertências desaforadas, muitas vezes hilárias.

O amolador de tesouras e o responsável em consertar as panelas de cozinha noticiavam a sua presença com sons bem particulares, emitidos de forma suave para não incomodar os residentes. Mas logo cedo o jornaleiro se manifestava divulgando as manchetes em tons altos e apelativos, conclamando os madrugadores. A estridência na voz ganhava um tom alarmante quando noticiavam nomes de alguma autoridade política, em evidência à época.

Ainda pela manhã e em dias alternados, um enfermeiro circulava em sua bicicleta oferecendo serviços de aplicar injeção, aferição de temperatura e pressão arterial. Com o seu impecável terno azul celeste, com rosa vermelha na lapela e um elegante chapéu de feltro cinza, era dono de uma simpatia ímpar, não se intimidando em exibir um sorriso sem dentes.

A tarde chegava e, após uma rápida sesta, os homens retornavam ao trabalho, as crianças estudavam e brincavam e as donas de casa passavam roupa ouvindo alguma novela de rádio. À tardinha, o padeiro chegava oferecendo os seus deliciosos pães, enquanto o sorveteiro fazia a alegria da criançada. Esses dois profissionais eram pontuais e rotineiros.

Chegando a noite, as mocinhas se embelezavam para aguardar os namorados, cada qual seguindo os dias agendados, de acordo com a permissão dos pais.

As domésticas se encontravam com os seus amores nas esquinas. Eles chegavam acionando as campainhas de suas bicicletas com sela almofadada contornada de franjas, estampando emblemas de times de futebol. As colônias de banho ou perfumes que os casais usavam aromatizavam praticamente toda a rua.

E eis que chegava o momento das espreitadas de uma vizinha. Às escondidas, achando que não seria percebida, espiava os casais por uma janela indiscreta. Ficava naquela posição por muito tempo, mas aparentemente era ignorada pelos observados, pois a observadora era senhora de certa idade.

Alguns atreviam-se em demonstrações amorosas mais ousadas e sorriam discretamente, talvez imaginando a reação da olheira. No dia seguinte, numa audácia investigativa, a senhora vigilante apreciava conversar com amigas próximas procurando conhecer a origem dos rapazes, para saber se eram de sobrenome ‘bem conceituado’.

Nesse hábito de mexericar não havia maledicência, não resultando em consequências danosas para alguém. Era uma prática de entretenimento numa época de costumes típicos de uma cidade pequena. O mais importante é que a generosidade era marca do convívio de praticamente todos os moradores da pacata e inesquecível rua.

DEO GRATIAS, WALTER GALVÃO! por Francisco Barreto

Mesmo distante, ele me brindou com muita suavidade e alegria. Senti vivamente que a sua distância se desanuviou, passada a angústia que me assomou com a sua passagem. No lugar dela, sem abdicar da tristeza que todos nós sentimos com a sua ausência, vejo que continuará nos contemplando com a sua exemplar presença.

Senti-me indulgenciado com as belas lembranças que recebi de sua sempre delicadeza me presenteando os seus livros, permitindo-me que tenha sempre a companhia imaterial dos sentimentos que dominaram o seu mundo.

Aportou em minhas mãos, açodando a minha curiosidade, um envelope branco que o abri com ansiedade. Que alegria imensa! Fui reverenciado pela sua extremada generosidade ao me enviar seus dois últimos e extraordinários livros, que me foram delicadamente encaminhados por Jória e Clarice.

Os seus envios me chegaram na companhia de um belo cartão com flores, tudo com delicados dizeres que refletiram a beleza e a intensidade de sua alma. Confidenciaram-me os seus anjos o orgulho que ele tinha “em dedicar os livros aos amigos queridos”. Ser perfilado na sua vasta lista de afetos e admiradores é uma extremada indulgência que me projetou ficar em estado de graça.

Deo gratias, Walter Galvão. O seu desejo foi ultimado por suas mensageiras, que franciscana e generosamente me concederam um intermezzo ao se devotarem a você e à sua generosa alma. O sofrimento e a dor não as impediram de realizar as suas sacras e renitentes intenções.

Sei bem que Walter, na sua via crucis, remeteu a muitos de nós as suas últimas homenagens. Posso, com toda a imprecisão do mundo, sentir o quanto lhe invadiu o altruísmo na sua derradeira caminhada. Deve ter sido contemplativo e corajoso, lembrando-se dos amigos e se debruçando sobre as suas dádivas que tinham que ser oferecidas a nós, seus irmãos. Essas dádivas eram seus escritos.

Em sua dolorosa caminhada, no seu ofertório final brindou os amigos com os mais preciosos souvenirs, frutos de suas mais profundas reflexões, repartindo assim a sua maior riqueza, os seus livros e escritos. Através dos pensamentos e palavras enviadas, premeditou nos abraçar mesmo em outro plano. E, mais do que isto, estar junto e nos estimular a ficarmos sempre por perto dialogando sobre o que nos dizem os seus livros e o que as nossas almas hoje transpiram. Feliz por ele ter me procurado e achado.

Receber as afetuosas homenagens de um caríssimo amigo que ao partir nos deixa a luminosidade de seu ser é algo belo e surpreendente. É o mesmo que nos lembrar e sentir que só existimos para os outros, nunca para nós mesmos. O quanto é sublime saber quem tinha nas veias a grandeza do pensar e da escrita nunca desaparecerá, jamais será esquecido. Como nos diz João Cabral de Melo Neto, “escrever é estar no extremo de si mesmo”. E se doar. É o começo e o fim de tudo.

Enxuguemos as nossas lágrimas, porque as homenagens a ele devidas devem se inspirar no olhar de quem sempre teve um espírito elevado e que em vida soube ver, sentir e verbalizar a grandeza da condição humana. Hoje revelo os meus mais profundos sentimentos de alegria a Jória e a Clarice que me concederam a felicidade de me sentir cúmplice, além de sujeito e objeto do afeto de Walter Galvão.

Não tenhamos outro sentimento. Galva, como elas disseram, vive. Walter Galvão está em cada um de nós, refém do nosso afeto, respeito e admiração. Deo gratias.

UMA CLEPTOCRACIA VULGAR, por Juca Pirama

Imagem produzida por Cássio Vilela Prado

“NO MEU GOVERNO NÃO EXISTE CORRUPÇÃO!”

Esta frase, tantas vezes dita e repetida pelo presidente Jair Bolsonaro, corre riscos de cair em desuso, em força sem expressão, a partir das revelações crescentes na CPI da Pandemia e na imprensa nacional.

Desde que surgiram as primeiras revelações de que existe forte indício de corrupção no ambiente do Ministério da Saúde no âmbito da compra de vacinas que todos indagam: “Mas a saúde não é feita exclusivamente de vacinas; cadê as compras de testes, máscaras, medicamentos para combater a doença, alguns inúteis e sem submeter-se a licitações, como se revelou depois? Cadê os respiradores, comprados aos montes por tudo o que é nível de governo?”

Eis que desde ontem está sendo noticiada uma compra milionária de máscaras KN95, as mais específicas para o uso preventivo da contaminação. A denúncia é escabrosa: superfaturamento de 29%!

No último fim de semana veio à tona outra denúncia: de que vem sendo pago um ‘mensalinho’ no Ministério da Saúde, instituído em 2018, e que seria administrado pelo recém-demitido alto funcionário Roberto Dias.

Essa aberração, tão criticada em outros governos passados, viria beneficiando políticos pertencentes justamente à massa amorfa chamada Centrão. Que na filmografia dos anos 1950 seria chamado de ‘A Bolha Assassina’.

A corrupção é uma das mais fortes causas de atraso econômico e social. Mas corrupção, quando feita à custa de medicamentos, insumos medicamentosos, testes e, principalmente, de vacinas, mata 500 mil vezes mais!

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Mas desgraça pouca é meio de vida, diz o ditado. Paralelo a essas denúncias vem a notícia do superfaturamento do Fundo Eleitoral, que financia as campanhas dos partidos para as próximas eleições.

Na votação para a aprovação da Lei das Diretrizes Orçamentária – LDO, que limita e ordena as despesas que serão realizadas pela administração federal no próximo ano de 2022, os deputados escamotearam um “jabuti” no valor de 5,7 bilhões de reais para financiar a farra da próxima eleição, quase o TRIPLO da eleição de 2018, que foi 2 bilhões de reais.

Assim, a aprovação da LDO incluiria a aprovação automática do Fundão. Dessa forma o Fundão foi aprovado com votos majoritaramente oriundos da base governista, aí incluídos os filhos 01 e o 03. 

As duas honrosas exceções foram os partidos Novo e PSOL, que apresentaram a proposta de um destaque para que o Fundão fosse votado EM SEPARADO. Porém foram derrotados: o destaque não foi votado.

Isso ficou decidido por parlamentares de todas as matilhas-  ops! – matizes, exceto pelos deputados dos partidos da proposta.

De modo que aparentemente Bolsonaro foi colocado numa fria pelos seus próprios companheiros: ele tem o direito de vetar o que foi aprovado e sair como ‘herói’ da possível armação.

O que eu acho que vai acontecer: Bolsonaro vai mesmo vetar a proposta combinado com os deputados para derrubarem o seu veto. Já fez isso antes. Assim ele fica bem na foto com os seus eleitores, de que faz uma ‘nova política’.

Porém… Desta forma a LDO terá que ser votada novamente contendo o “jabuti”, desta feita por voto nominal. Isso deixará os deputados expostos à opinião pública. E dará nome a todos os bois que aprovarem tamanha aberração.

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Somadas às notícias acima, é inevitável a forte sensação de que estamos vivendo numa Cleptocracia, nos moldes mais vulgares da Velha Política.

A REVOLUÇÃO QUE NÃO HOUVE, por Francisco Barreto

‘A Liberdade guiando o Povo’, pintura de Eugène Delacroix, traz em destaque a figura de Marianne, ‘Personificação Nacional Francesa’ (Reprodução do quadro exposto no Museu do Louvre, Paris)

O ambientalismo e a emancipação feminina foram importantes legados de Maio  de 1968. A Marianne de 68, a líder mulher guiando o povo, segundo Delacroix, um dos símbolos da República Francesa, não se fez presente. Foi a partir da revolta popular estudantil que a sociedade francesa começou a despertar para a igualdade de gêneros e o feminismo.

Ainda que não tenham tido destaque entre os líderes do movimento, as mulheres foram essenciais. Simples estudantes ou militantes, elas estavam entre os insurgentes, participaram de assembleias e dos protestos, mas seu papel ainda era “subalterno”. Outro aspecto importante: em tempos de liberação feminina, em Maio de 68 a caminhada feminista foi essencialmente a de contradizer a dominância cultural masculina.

A visão iluminada de Simone de Beauvoir e Flore de Tristan no século 19 contribuíram ao seu tempo com a bravura protagonizando a lucidez e o desejo das mulheres francesas.

Havia muitas mulheres no front em 1968. E, a partir de 1970, muitos grupos feministas foram criados. A partir de Maio de 68 houve uma tomada de consciência feminina sobre como os homens bloqueavam o caminho das mulheres. Maio de 68 não foi um movimento feminista, mas contribuiu para o despertar do feminismo na França, que ganharia força na década seguinte.

A partir de Maio de 68 houve uma ascensão da mulher que mudou muito o protagonismo delas nos lares e nas ruas. Pouco a pouco, elas avançaram no domínio de seus corpos, na contracepção e na independência de seus desejos. Foi o início de uma enorme revolução de gênero incomensurável. Com o importante advento da condição das mulheres na sociedade, o mundo cultural, do trabalho e da família tiveram grandes transformações.

Cinco décadas depois daqueles eventos ainda é preciso entender o que ainda resta daquela ruptura cultural bem-sucedida e da frustrada revolução política nos três meses que inflamaram a sociedade.

Na França, um movimento de grandes proporções paralisou o país e cristalizou o momento da ruptura de toda uma geração de jovens com os valores patriarcais dominantes na 5ª Republica, onde De Gaulle era até então o maestro incontestável.

Provavelmente, meio século depois, é bem possível que hoje os protagonistas da insurreição demonstrem ainda um certo alívio pela não revolução, ao mesmo tempo celebram o impacto das transformações que conquistaram contestando o Poder nas ruas. Os lideres estudantis Krivine e Geismar já fizeram reflexões neste sentido.

De Maio de 68 não emergiu uma 6ª Republica Social-Comunista que só teria sido possível com uma transição estrutural de novas formas de Poder, mas importantes mudanças políticas públicas conjunturais ocorreram.

O operariado, muito longe da juventude insurrecta, em 27 de maio de 1968 realizou uma negociação tripartite (governo, sindicatos de trabalhadores, sindicatos de empresários) pacificando as suas contradições não antagônicas mediante o Acordo de Grenelle.

O acordo resultou avanço em direitos dos trabalhadores, tais como estatuto dos empregados e dos cadres, elevação do salário mínimo, regimes de cogestão, reconhecimento das seções sindicais nas empresas com a proteção dos delegados, liberdade de expressão na empresa e diminuição da jornada de trabalho. Ganhos consideráveis.

No final de Maio, o presidente De Gaulle dissolveu a Assembleia Nacional e convocou eleições para junho. Um milhão de franceses foram às ruas dando apoio a De Gaulle. O processo eleitoral que se seguiu, plebiscitário, deu esmagadora vitória ao partido da “ordem” e Michel Pompidour, fiel escudeiro gaullista, ascendeu ao Poder.

Os bons ventos de Maio de 68 e seu extraordinário legado estarão sempre em nosso imaginário. Aqueles jovens libertários não lograram fazer uma revolução, mas foram exemplares, relembrando que foi na França que historicamente floresceram os mais fecundos sentimentos em defesa das liberdades públicas.

A “nouvelle vague” estudantil durou 30 dias e fez profundas fendas na anacrônica sociedade francesa. A ‘Marselhaise’, em toda a sua beleza, invadira as ruas de Paris e mais uma vez iluminou a consciência do mundo jovem.