BIBLIOTECA CENTRAL, por Babyne Gouvêa

Biblioteca Central da UFPB (Foto: Agência de Notícias da UFPB)

Dia da Saudade, 30 de janeiro, me transporta para um lugar que me acolheu durante 40 lindos anos: Biblioteca Central da UFPB, no Campus de João Pessoa.

Conheço bem o seu histórico de criação, crescimento e mudanças prediais e administrativas. Acompanhei passo a passo desde a década de 70, embora tenha sido criada nos anos 60, sem prédio próprio.

Anos dourados vivi, literalmente, naquele lugar acolhedor, onde a sabedoria borrifava os seus ares. Aguardava ansiosamente a segunda-feira, dia de trabalhar no ninho que alimentava o meu ser em todos os aspectos. Ao término do dia, retornava enriquecida ao meu lar.

Renovada, transferia para os meus filhos o conhecimento adquirido no local onde exercia a minha profissão de bibliotecária, hoje denominada cientista da informação. Na verdade, existia um intercâmbio de fazeres: eu exercia trabalhos técnicos, como também de direção, e recebia em troca o saber, a experiência, o aprendizado.

Foi assim durante todo o tempo ativo. Dias dinâmicos, sem permissão para o enfado. As tarefas exercidas coletivamente favoreceram amizades que se eternizaram. Tudo exalava beleza, esse sempre foi o meu olhar sobre a minha opção profissional.

Bateu saudade e fui até lá observar a imponência da querida Biblioteca Central. Estava fechada há um bom tempo aguardando verbas para determinados serviços a serem executados.

Entende-se biblioteca o cartão de visitas de um centro de ensino e pesquisa. Com portas fechadas para a comunidade privando os usuários das informações lá contidas e não disponibilizadas, é realmente lamentável.

Como entender o que não é sensato? A universidade esteve privada de orçamento para a sua manutenção. E com isso o público universitário foi punido, sem acessibilidade às informações bibliográficas. Não, não é possível tentar compreender o não compreensível.

Saudade faz a gente chorar, principalmente por saber que há formas de reaver o que antes existiu. A alternativa é ter esperança em dias melhores, com autoridades competentes sensibilizadas com o quadro dramático da educação do nosso país.

MUSICOTERAPIA, por Babyne Gouvêa

João Gilberto (Foto: Divulgação)

Na vida nem tudo são flores. Temos ciência disso. Mas há alternativas para suavizar momentos difíceis. A música é uma delas.

Ouvir João Gilberto e sua genialidade como músico é ter a certeza de que muitas turbulências são momentâneas. A sua batida de violão com influências do jazz na bossa nova soa como um bálsamo para o espírito.

As notas musicais ecoam dissipando angústias. Rivotril não é páreo para elas. Perde feio. Dançar, ao som do gênio, conduz movimentos abstraídos amansando os músculos retesados.

Acompanhar músicas interpretadas por João Gilberto inspira criação de caminhos para uma vida saudável. Auxilia a afastar mazelas involuntárias, tornando-as tênues.

Podem soar como exagero as premissas acima, mas não custa tentar. Talvez surta efeito em alguns casos. A suavidade da voz do cantor é direcionada aos ouvidos como um fármaco natural. Se bem não fizer, mal não faz.

A musicoterapia evolui lentamente tomando conta do corpo e mente. É um processo que não demanda formação ou treino musical. Basta estar disposto a instalar em si o bem-estar. A mobilização e o relaxamento proporcionados pela boa música contribuem para a qualidade de vida.

Qualidade de vida envolve o bem-estar espiritual, físico, emocional e outras circunstâncias da vida. Ela manifesta uma síntese de todos os elementos que determinam uma saudável existência.

Como boa joãogilbertiana, asseguro que sentir a música desse artista pressupõe condições ao prazer cotidiano do indivíduo. O canto sussurrado e a batida do violão penetram fundo no coração dos sensíveis ao conforto existencial.

ANÚNCIO QUE ELES NÃO VIRAM, por Frutuoso Chaves

Genival Lacerda (Foto/imagem: Adriana Spaca)

O janeiro que já se finda e o anúncio de vacina bivalente contra a versão mais antiga e a mais nova do coronavírus remetem-me ao princípio de 2021. E, assim, atino para a pressa do tempo. Como corre!

O fato é que lá se vão dois anos da morte de Genival Lacerda, um camarada saído da periferia de Campina Grande para os palcos do Brasil. Há dois janeiros, matou-o, desgraçadamente, o coronavírus. Ponho-me a pensar em quantas vidas úteis às nossas vidas teriam sido poupadas caso dispuséssemos dos cuidados sonegados ao País pela indiferença, pela incúria, pelo abandono institucionais.

Enumero apenas, com o pedido do perdão por lapsos de memória, essa gente que nasceu com o talento para as muitas manifestações da arte, situem-se elas nos campos da música, da literatura ou da dramaturgia. Refiro-me aos que vieram ao mundo para o acalanto das nossas almas, para nos emocionar, ou fazer rir.

Não tiveram tempo para ouvir o anúncio da tal vacina bivalente, então feito pelo Jornal Nacional, Tarcísio Meira, Paulo Gustavo, Ubirany (do Grupo Fundo de Quintal), Agnaldo Timóteo, Nicette Bruno, Paulinho (do Roupa Nova), Eduardo Galvão, Daise Lucidi, Ciro Pessoa (dos Titãs), Aldir Blanc e Nelson Sargento. O paraibano Genival, penosamente, encabeçou essa fila.

Outras mortes por Covid nos abateram de forma ainda mais dura, em razão do companheirismo e da convivência por décadas nas Redações de João Pessoa. A bênção, Humberto Lira. A bênção, Otinaldo. Para nossa tristeza, vocês e mais dois outros colegas de Campina Grande (Fernando Santos e Karina Araújo) se incluem na relação dos quase 50 jornalistas brasileiros abatidos por essa praga.

Dois anos atrás, a notícia da morte de Genival Lacerda me repunha em 1958, tempo em que eu cursava o Primário no Recife e morria de saudade de casa. Os domingos sem escola me permitiam a cama por mais tempo. Das 9 às 12, o rádio do vizinho sintonizado na Tamandaré sempre me trazia as vozes de três paraibanos. “Eu fui feliz no meu Bodocongó”, cantava Jackson. Naquele barquinho de um remo só eu também chegava a Campina, longe, ainda, da pequena Pilar, onde viviam meus pais, irmãos e amigos. Contudo, já mais perto dos meus.

Marinês, então, me divertia. Apesar dos meus 12 anos, eu suspeitava de que havia algo além da pimenta de Seu Malaquia naquele peba. Tudo por conta do rumo da conversa travada no meio da música, com a sanfona a resfolegar.

Ela – Ô, sujeito, tu não dissesse que não ardia?
Ele – E ardeu?
Ela – Ardeu, sim.
Ele – Mas tu gostou.
Ela – Eu gostei, mas tô pegando fogo.

Tudo bem, Marinês nasceu em São Vicente Férrer, Pernambuco, mas quem lhe negaria a alma campinense? “Coco de 56” e “Dance o xaxado”, em gravação da Mocambo, cemitério de cantores, como a tratava o deboche pernambucano, preenchiam o compacto duplo, o primeiro da carreira de Genival Lacerda, ao que li. Estava ali, então, a terceira voz da Paraíba a me embalar o coração de menino naquelas manhãs de domingo, no subúrbio de Jangadinha, a cinco horas de trem do meu ninho.

O Genival que cantava nas manhãs da Tamandaré e em muitas outras emissoras nacionais, nas vizinhanças de 1960, ainda não era o Senador do Rojão nem o Rei da Munganga, aquele da “Severina Xique-Xique”, do “Rock do Jegue”, ou do “Mate o Veio” e, sim, o intérprete de coco e xaxado no palco da minha e de muitas saudades. Foi quando eu mais gostei dele.

O homem sobreviveu à Gravadora Mocambo, o dito sepulcro de nomes regionais. Fez-se conhecido e aplaudido por multidões. Aos 89 anos, foi morto por um vírus mal contido pela imprevidência governamental e pela insensatez de muitos, em meio ao distinto público. É dele, primeiramente, que volto a lembrar, passados esses dois anos. Mas, também, por extensão, dos outros sem-tempo para a vacina de agora. Uma pena.

O IANOMÂMI, por Frutuoso Chaves

Fotografia copiada da capa do livro ‘A queda do céu’

O drama dos ianomâmis me remete a David Kopenawa, o adolescente que se esforçou para “virar branco”, nada conseguindo além da tuberculose. Naquele momento, duas epidemias devastavam seu grupo de origem. Nasceu ele por volta de 1956 numa casa comunal com 200 pessoas, no extremo Norte da Amazônia quase no limite com a Venezuela. O nome bíblico lhe chegou por obra e graça de missionários europeus e norte-americanos, dos quais se afastou, em fins de 1960, quando a varíola transmitida pela filha de um dos pastores matou muitos dos seus.

Aprendeu português e trabalhou como intérprete em posto da Funai. Nos idos de 1980, casou-se com a filha de um xamã e foi por este induzido ao aprendizado e prática da arte de invocação dos espíritos da mata e a do tratamento de enfermidades com folhas, cascas e raízes. Viu a invasão do seu território por mais de 40 mil garimpeiros e, em razão disso, a devastação de grandes áreas da floresta e trechos de rios. Também, a aniquilação gradual de sua gente, ora pelas pestes ora pela violência.

A ONU concedeu-lhe o Prêmio Global, em 1988. Um ano depois, ele obteria a láurea maior da Fundação Livelihood, espécie de Nobel alternativo com o qual essa instituição sueca reconhece e aclama, em escala mundial, os promotores de esforços nas áreas dos direitos humanos, direitos civis, meio ambiente e liberdade de imprensa. Fernando Henrique Cardoso a ele conferiu a Ordem do Rio Branco.

A situação do seu e de outros povos da floresta, então, já era dramática. A homologação da Terra Indígena Ianomâmi deu-se no transcurso da Eco-92, a conferência da ONU sobre o meio ambiente e o desenvolvimento ocorrida no Rio de Janeiro. Com o Brasil sob as lentes do mundo, Fernando Collor dispôs a Força Aérea Brasileira ao episódico bombardeio e destruição de pistas de pouso clandestinas. Os governos seguintes não teriam vitórias expressivas contra as invasões e a barbárie. O que se encerrou no último dezembro deu à tragédia dos ianomâmis as cores e as dores que horrorizam, agora, o mundo inteiro.

É preciso dizer isto. Apesar de frequente nos maiores e mais importantes palcos do planeta, David Kopenawa, a principal liderança indígena brasileira, é pouco conhecido no País onde nasceu. As organizações internacionais bem o conhecem e, assim também, em idiomas diversos, os leitores de “A queda do céu”, o livro nascido de sua parceria com o antropólogo francês Bruce Albert.

Eis um trecho: “A terra-floresta só pode morrer se for destruída pelos brancos. Então, os riachos sumirão, a terra ficará friável, as árvores secarão e as pedras da montanha racharão com o calor. Os espíritos que moram nas serras e ficam brincando na floresta acabarão fugindo. Seus pais, os xamãs, não poderão mais chamá-los para nos proteger. A terra-floresta se tronará seca e vazia. Os xamãs não poderão mais deter as fumaças-epidemias e os seres maléficos que nos adoecem. Assim, todos morrerão”.

Não custa crer em que a voz e os passos desse moço têm feito mais pela mata, rios, montes e vales, e pelos povos que ali vivem há milênios, do que nossos governantes. Não fosse por isso, não fosse por gente como ele, o silêncio global agravaria a infâmia, o sofrimento e a morte dos primeiros habitantes dessa parte tão espoliada das Américas.

O Brasil, desgraçadamente, acaba de expor ao mundo a maior, a mais absurda, a mais grave das suas chagas. E, o que é pior, a negação brutal, estarrecedora e criminosa do remédio.

E eis que um índio me cura uma repulsa e um medo, o pavor perpetuado desde quando, pela primeira vez, pus os olhos no Senhor Morto carregado em andor nas procissões da minha infância.

Voltei a ver, agora, aquela imagem na fotografia do ianomâmi inacreditavelmente magro, de olhos cerrados e boca semiaberta. Foi este ser humano, uma pilha de ossos com o semblante a refletir todas as agonias, todas as marcas do tormento, que me trouxe a dimensão exata do padecimento de Jesus. Ele, o ianomâmi, me fez substituir o medo pela compaixão.

MEU COMPADRE, MEU AMIGO, por Babyne Gouvêa

A Luizmar (Lula)

É estranho, muito estranho pensar que você não está mais entre nós, amigos terrenos. Fico imaginando como foi a sua chegada ao céu. Com sorriso largo saudou o recepcionista com uma brincadeira. De imediato conquistou a sua simpatia, não tenho dúvida.

Como é gostoso rememorar os momentos com você. Os sustos que pregava em mim, me faziam sair pulando e você assistia sem remorso. Só risos. Lembra daquele na casa da Av. João Maurício, durante uma interrupção de energia? Só você mesmo, Lula.

E os circos? Íamos eu, você e Juliana, minha primogênita, aos circos de bairros. Montagens precárias me levavam às gargalhadas. Recorda do bode que subia e descia uma escada? E a bailarina com as meias rasgadas? Oh Lula, quantas histórias memoráveis!

Vamos falar de cinema. Como amantes desta arte conversávamos sobre bons filmes e você cometia spoiler. Sabia que, ao contar, despertaria em mim a vontade de correr à sala de exibição. Dias atrás, a nossa amiga Gila, lembrou o filme Deliverance e o clássico duelo de banjos, sobre o qual falávamos com entusiasmo. Ah lembrei agora, você me deu o disco com a trilha sonora. Relíquia!

As passagens hilárias com a sua avó, da qual você herdou o espírito brincalhão, se tornaram inesquecíveis. E a leveza da sua mãe, D. Vivi, e a sua paixão por carnaval, quem vai me relatar agora? A alegria de Momo não será a mesma sem o seu principal folião.

Os aniversários da nossa casa ficarão diferentes. Uma lacuna haverá, seja presencial ou remota. Os seus parabéns emitiam alegria, suavidade e afastava qualquer eventual baixo astral do aniversariante.

Leila, minha caçula e sua afilhada, é privilegiada. Não conheço um outro padrinho mais presente. Durante os seus quarenta anos de vida sempre o teve por perto. A sua proximidade não se restringiu a datas comemorativas, era aleatória. Despertava vontade entrava em contato com ela, às vezes para discutir política ou futebol. Havia respeito entre uma flamenguista e um vascaíno. Só beleza na amizade de vocês.

E os galos, como ficarão? Certamente terão banzo. Deixa eu lhe falar uma fofoquinha: teve amigos que comentavam comigo sobre o seu gostar por galo. Segundo eles, havia contradição entre criação de galos e a sua intelectualidade. Ops, já estou imaginando a sua reação.

Que filhos você deu de presente à sociedade! Vítor e João Pedro são criaturas excepcionais de caráter e brilhantismo profissional. As respectivas mães são envaidecidas pelo pai que escolheram para os filhos.

Lula querido, fico por aqui com o meu coração recheado de saudade. Quero lhe pedir um favor: mantenha o seu bom humor e o seu senso espirituoso onde você estiver. Reflexos chegarão até nós, que lhe amamos!

O DOMINÓ DA LOUCURA, por Francisco Barreto

Ilustração copiada de encenasaudemental.com

Freud foi cirúrgico quando pontificou que todo o desejo é individual, no entanto admitiu que neuroses e as loucuras podem ser endêmicas e coletivas quando abordou a Psicologia das Massas. Muitos movimentos de massa contemporâneos são movidos por fundamentalismos fanáticos que resultam em violência, nos quais o mal é realizado em nome de uma crença religiosa, ideológica, econômica, e ou da devoção histérica a certos postulados. Os fatos históricos recentes demonstram que quando as identidades individuais e sociais são abandonadas, e se adotam os caminhos recorrentes em favor de categorias e identidades sociais fortemente associadas às opções ideológicas com elevados teores de extremismos maléficos.

As praticas revolucionarias marxistas-leninistas há muitas décadas foram arquivadas dos portões industriais e partidos ditos proletários. Os marxistas e suas práxis refluíram e apenas marxólogos permaneceram com os seus empoeirados livros. As atuais manifestações politicas são quase todas neoliberais dotadas de um enrustido e tímido verniz nacionalista, embora estas sejam subordinados às pautas globalizantes do capitalismo. A vertente esquerda-comunisante de índole revolucionaria não mais existe. A direita nos países dependentes e periféricos é uma esfarrapada abstração ideológica e que pelo seu histerismo pretende reeditar infames regimes nazifascistas. Aqui, os seus rotos militantes seguem equivocadamente mendigando nas portas dos quartéis aos comandantes a volta da Ditadura, e pedem aos generais a proteção, o arrego contra uma improvável falácia comunista que virá para destruir: Deus, Pátria, a Liberdade, a Família e a Propriedade. As altas patentes se enclausuram evitando ou se envergonhando da militante histeria.

Triste e vergonhoso cenário dos milhares que abdicam das suas avaliações individuais e identidades pessoais, e aderem selvagemente a comportamentos forjando identidades coletivas em que os indivíduos irracionalmente passam a rastejar nos seus desequilíbrio anti-democráticos e vão até ao desespero na defesa de pseudos ideologias com ênfase no anticomunismo e nas desordens institucionais.

São recorrentes e visíveis situações transversais decorrentes de desvios comportamentais diante da massificação de recurso aos desespero militaristas pelos derivados acoitados por obtusos raciocínios; ímpetos compulsivos agressivos e irracionais as fantasiosas ameaças e contraposições ; a anulação do ego, a perda de identidades e raciocínios pessoais, lucidez e o autodomínio de suas identidades.

Nas concepções mais refinadas relativas as às dimensões filosóficas do que vem a ser os enunciados de ideologias estes emergiram fincados nas raízes nos pensamentos gregos e socráticos, inspirados nos conceitos, ideias, doutrinas e praticas democráticas. Os conceitos que buscavam configurar que as ideologias deveriam nortear a participação dos cidadãos a partir de visões de mundo a reger suas ações sociais e politicas rastreando o equilíbrio da vida coletiva que as vivências humanas tiveram.

Os estudos freudianos sobre a Psicologia das Massas desenvolveu contribuições fundamentais sobre o que se designa do Mal do SuperEu que se ampara na dimensão politica. As avessas e precárias mentalizações ideológicas se estribam em pensamentos e atitudes massivas conduzidas por fanatismos que primam por violências grupais conduzidas por irracionalidades destrutivas que arrasam o que tiver em seus passos pela adesão de praticas egoístas e pelos negacionismos de postulados que refutam a ética e a moral universais e atemporais que contrariam a dignidade humana e a sociabilidade da vida coletiva.

Ao abdicarem e anularem absurdamente as suas identidades individuais em proveito de uma identidade social falaciosa cedem ao ímpeto de se tornarem uma horda, uma multidão, em que todos são apenas números incógnitos de uma massa acéfala com fortes propensões a atos agressivos e a destruição dos que são diferentes. O abandono de suas identidades e concepções individuais, estes assim, decretam a falência e a morte de relevantes comportamentos sociais. São atiçados por supostas e falsas crises, e como um rebanho descontrolado e neurótico age e se conduz tresloucadamente em modos inconsequentes com recurso a violência e a selvageria.

Há provavelmente uma psicopatologia coletiva desprovida equilíbrio mental das pessoas tuteladas por influenciadores neuróticos que os induzem e inoculam pensamentos e atos delirantes. Freud em seus escritos sobre a psicologia das massas identificou como sendo graves os desequilíbrios patológicos decorrentes da mistificação de “serem amados e odiados” pelos seus falsos lideres. Estes “que não amam ninguém” salvo seus projetos de poderes. Hoje mais do nunca os adventos das novas tecnologias regendo as proximidades comportamentais, as palavras de ordem, os comandos falseados dispensam de proximidades e contatos físicos entre pessoas e grupos massivos.

As atuais tecnologias virtuais disseminam em ritmos assombrosos e em seus frios algoritmos a celeridade de comunicações tóxicas eivadas de perversidades, de irracionalidades, de preconceitos e dos ódios gratuitos. Os lideres inexistem ou são anônimos. Observa-se o que se convencionou chamar de adesão compulsiva e irrefreada visão Lacaniana, que deu origem a expressão “Mal do Isso”. O Mal não está entre nós e sempre no próximo estranho ou estrangeiro onde todos são inimigos virtuais e devem ser destruídos. Assim nos dizem as portadores de neuroses coletivas.

A Psicanálise, há tempos já se debruçou sobre uma patologia consumada pelo “transtorno delirante” denominada de Folie à Deux. São transferências de delírios psicóticos susceptíveis aos indivíduos por desvios de personalidade, quer pela sua credulidade ignara ou irracionalidade sem limites, acreditando e agindo sob o comando de delírios psicóticos delirantes. Convencionou-se chamar estas psicopatologias de “Transtorno Psicótico Paranoide Compartilhado” sendo vulgarmente chamado Folie à Deux (loucuras a dois), ou transtorno delirante endemicamente induzido e que que pode contaminar os incautos. São pessoas incapazes de distinguir a mentira da verdade. A “fakenews” é o vetor central da disseminação da ignorancia, das neuroses e das brutalidades coletivas.

A mentira entra pelos poros e é mais facil de difundir os comportamentos psicóticos. A verdade exige reflexão e demanda autonomia psicológica nas análises e podem bloquear os ritmos das loucuras delirantes.

O transtorno psicótico delirante admite a psicanalise pode ocorrer através de uma imposição decorrente de uma relação de poder intragrupal e então se verifica a “Folie imposée ou communiquée” via o compartilhamento pessoa a pessoa que impõem crenças e influencias altamente danosas, inadequadas e socialmente perversas e este é o caso de falsas ideologias derivadas das teorias de conspiração.

As pessoas vulneráveis, transmissoras e receptoras assimilam os transtornos psicóticos que lhes são induzidos e simultâneos. As correntes de transmissão podem ser incomensuráveis. Uma ou mais pessoas vulneráveis ou ambos podem ter transtornos psicóticos e compartilharem suas falaciosas crenças entre si a Folie simultanée ou induite, influenciando o comportamento uns dos outros.

Os transtornos psicóticos neste entendimento de psicose a dois, pode ser detido se houver rupturas por atitudes sensatas e não vulneraveis às transferencias de delirios de um transmisssor de um sujeito considerado primariamente psicótico. A não ruptura pode gerar progressões geométricas. Gravíssima situação ao se admitir como verdadeira esta premissa. Em sendo verdade ou não, as atuais expressões numéricas dos superlativos números de pessoas demonstram a existência de inúmeros grupamentos contaminados por comportamentos psicóticos em variadas escalas que determinam foco de histeria coletiva.

Hoje temos uma substancial parcela, silenciosa ou agressiva da sociedade brasileira doente. Os episódios violentos e antidemocráticos na Esplanada em Brasilia a semelhança do que ocorreu no Congresso americano nos sintoniza com os riscos explosivos de frações de delírios psicóticos em cena em escala internacional.

Atitudes extremistas, violentas, terroristas a esmo, loucuras incontroláveis, induzidas pela disseminação de comportamentos com desvios psicóticos de personalidades, aceitos e praticados sem freios são sintomas de patologias graves. O momento atual, aqui e alhures já se convive com atos extremistas de massacres em massa, suicídios coletivos, violências brutais provocadas por histerias coletivas, todos são derivados de transferências de delírios psicótico: a dois, a cem ou a milhares. O mais grave é que nos eventos massivos com violência não há lideres ou controles pré-estabelecidos diante das síndromes de histeria coletiva. A história faz registros impressionantes dos atos ensandecidos.

Com a palavra: os Doutores da Psicanálise e aos Gestores Públicos da Saúde Mental que ousem denunciar e propugnar uma Intervenção Psicanalítica.

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  • PS: Originalmente, o presente artigo tinha como título ‘A Intervenção Psicanalítica e o Ensandecídio no Brasil’

HOLOCAUSTRUM NOSTRO, por José Mário Espínola

Corpos de prisioneiros amontoados em Auschwitz (imagem copiada de Instituto Humanistas Unisinos)

Foi chocante! Inacreditável. Será possível que o lado pior da história tenha se repetido?! Pois é o que está acontecendo no nosso país. Contra o nosso povo. Nos últimos dias, o Brasil assistiu estarrecido a cenas que de repente trouxeram à baila a lembrança dos horrores da Segunda Guerra Mundial.

Foram divulgadas imagens de índios da etnia yanomami. Nelas, vemos homens, mulheres e crianças esquálidos, em sua maioria esqueléticos mesmo. Apresentam estados físicos e clínicos idênticos aos das vítimas dos nazistas encontradas nos campos de concentração, ao final da guerra, após a libertação dos territórios ocupados.

É triste ver a história se repetir nos seus piores aspectos. Mas ao longo dos últimos quatro anos vínhamos assistindo no nosso país a tentativa de se impor uma ideologia cruel, a política de perseguição a grupos distintos.

Se outrora, na Alemanha nazista, foi contra judeus, comunistas, homossexuais, negros, ciganos, nos últimos anos foi gritante a perseguição a nordestinos, pretos, pobres, esquerdistas, índios, homossexuais. Contra todos, enfim, identificados como possíveis adversários dessa nova ideologia desumana. E que quase conseguiram através da tentativa de um golpe frustrado, contra o regime democrático e tudo o que este representa.

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Ao ocupar os territórios até então dominados pela Alemanha (inclusive na própria Alemanha), nos estertores da Segunda Grande Guerra, as forças aliadas se depararam com algumas das piores cenas de horror do mundo moderno: os campos de concentração nazistas.

Lá dentro encontraram incontáveis corpos em valas comuns. E muita cinza nos seus respectivos crematórios. A maioria desses campos da morte era dotada de câmaras de gás, onde eram assassinadas coletivamente as vítimas do nazismo, obedecendo à política de Estado criada por Adolf Hitler e seus mestres do horror, com destaque para Heinrich Himmler e Reinhard Heydrich.

Com o primeiro Hitler deixou a responsabilidade de solucionar os gastos de alimentação e acomodação com as hostes vencidas, e também com os seus inimigos internos, que vinham se acumulando desde 1933. Himmler passou essa tarefa para Heydrich.

Cognominado o Açougueiro de Praga, Heydrich foi o Arquiteto do Holocausto do nazismo. Ele planejou e executou a morte de judeus, comunistas, negros, homossexuais, ciganos, e todos aqueles que foram considerados inconvenientes para o regime nazifascista.

Tratava-se da política de extermínio em ritmo de produção industrial, que Heydrich elaborou e executou com toda a sua competência.

Ele seria assassinado em um atentado no dia 4 de junho de 1942, aos 38 anos, na cidade de Praga, para onde havia sido nomeado por Hitler para o cargo de Vice-Protetor da Boêmia e Moldávia.

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Ao final da guerra, o espetáculo que se revelou diante dos olhos dos Aliados era realmente dantesco: elevado número de homens, mulheres e crianças esquálidos, em sua maioria esqueléticos mesmo, espalhados por esses lugares de horror que eram os campos de concentração. E muitos corpos insepultos.

Sobraram poucos vivos para contar a história. Mas foi o suficiente para testemunhá-la perante o mundo horrorizado.

A maior parte dos cidadãos alemães era nazifascista, mas desconhecia o que se passou nos campos de concentração. Ou fazia vista grossa, como se dissesse: “Não é comigo”. Eles diziam que era mentira dos vencedores. Foi necessário obrigá-los a ir até lá, aos campos da morte, para que vissem com seus próprios olhos o que acontecera. Em muitos casos esses cidadãos “respeitáveis” foram obrigados a enterrar os corpos insepultos.

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Para fugir da responsabilidade pelos crimes que cometeu contra a humanidade, vendo a inevitável derrota, Hitler suicidou-se com um tiro na cabeça. Antes, ele matou Eva Braun, por decisão desta.

Os outros grandes expoentes do nazismo tiveram fins semelhantes. Os suicídios de Joseph Goebbels e sua esposa Magda foram levados pelo fanatismo: eles decidiram que não tinha sentido existir sem o seu líder, Adolf Hitler.

Mas o toque de crueldade foi que, antes de se matarem, eles assassinaram os seus seis filhos, pois não admitiam que eles vivessem em uma Alemanha que não fosse nazista.

Heinrich Himmler suicidou-se com uma cápsula de cianeto, pouco depois de ser capturado pelo exército britânico. Ele tentava fugir da Alemanha disfarçado, mas foi reconhecido por um sargento inglês.

Hermann Goering foi capturado pelas tropas aliadas. Ele foi condenado à forca no memorável julgamento a que ele e outros nazistas foram submetidos na cidade alemã de Nuremberg, sede do tribunal penal internacional criado para julgar os crimes contra a humanidade cometidos durante a Segunda Guerra.

Goering suicidou-se antes do enforcamento. Mastigou uma ampola de veneno duas horas antes de sua execução. A teoria mais aceita é que a ampola lhe tenha sido passada pela esposa, num beijo da morte.

Outros nazistas tiveram melhor sorte, fugindo para países simpáticos, à época, a essa ideologia, como a Argentina e o Paraguai de Stroessner e até mesmo estados do sul do Brasil que ainda hoje têm grande concentração de alemães, caso de Santa Catarina.

Mas as figuras do segundo escalão do nazismo foram julgadas e condenadas, a maioria à morte por enforcamento.

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A tragédia yanomami revelada há pouco ao mundo parece ser o fio de uma longa meada de crimes cometidos contra a humanidade nos últimos quatro anos, por autoridades brasileiras. A investigação independente pela justiça, sem a interferência das autoridades federais, é que será capaz de comprovar quem são os responsáveis por esse e outros crimes que inevitavelmente virão à tona e serão denunciados.

Paralelo a isso, já se faz notar o movimento de suspeitos na tentativa de fugir à responsabilidade. Alguns já se ausentaram do país. Outros estão providenciando cidadanias estrangeiras (italianas, por exemplo), com a nítida intenção de preparar um plano de fuga para escapar da lei.

Outros mais aproveitaram o fato de ainda vivermos em um regime democrático e conseguiram se eleger para algum lugar no Congresso, tentando esticar a própria impunidade.

A desumanidade contra os ianomâmis não ficará impune. Serão responsabilizados aqueles que por ação ou omissão favoreceram o garimpo ilegal e a exploração predatória da floresta, com isso matando de fome e sede esses indígenas. Aí estão incluídos o ex-presidente, que traçou essa política da crueldade, justificando-a como uma necessidade econômica para o Brasil, e o seu vice, que ficou encarregado da proteção da Amazônia e deu no que estamos vendo.

Também há que ser investigado e julgado o ministro passador de boiadas que, tal e qual o Arquiteto do Holocausto, deu materialidade e pôs em prática o programa de genocídio do povo amazônico. A ministra responsável pela “salvação” da família branca e evangélica também tem o que explicar à nação brasileira.

Os ministros da Justiça do governo passado também têm explicações a dar: por que desmontaram a Funai, abandonando o principal órgão de atuação da causa indígena?

Será investigado, ainda, o papel das Forças Armadas, que tem a responsabilidade de proteger as nossas fronteiras, inclusive a Amazônia, e fez vista grossa para a sua ocupação por quadrilhas, sob a tolerância do então vice-presidente.
Enfim, esperamos que um dia todos sejam submetidos a um novo, amplo e justo Julgamento de Nuremberg para responderem por acusação de crimes contra a humanidade.

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Vendo as imagens de sofrimento dos ianomâmis, vem a pergunta: algum brasileiro, por mais fanático que seja; por mais aversão que tenha ao governo eleito; por mais religioso praticante que seja; por mais preocupado com família, política de costumes… Enfim, algum brasileiro será capaz de justificar o horror que aconteceu a esse povo?

Não acredito. Nada justificará tamanha infâmia.

  • Ilustrações: o horror da fome e desnutrição em cores (yanomamis) e em preto e branco (judeus na Alemanha nazista)

DORES E DORES, por Babyne Gouvêa

Retrato pintado por Pamela Castro (Imagem copiada de observatoriochega.com.br)

Sem vã filosofia, qualquer dor é incômoda. Dor física, dor emocional e tantos outros tipos de dor. Acredito ser unanimidade essa concepção.

Quando jovens ao perdermos um páreo por um paquera, dói um bocado. Numa festa, a frustração acontece quando não somos convidados para uma contradança. Ficamos a ver navios, questionando o motivo de não ter recebido o convite.

Nas escolhas alguém sai preterido. Se há vida, há disputa. No âmbito afetivo as seleções existem e muitas vezes maltratam. Esse tipo de dor pode acontecer em vários momentos da existência. Poucas vezes essas dores são questionadas, mas muitas vezes são armazenadas.

Um dia elas eclodem, seja na maturidade ou em qualquer outro instante. Esses exemplos de dores triviais são administráveis e muitas vezes tolos. Nada que um desabafo com um amigo não resolva.

Nesta semana estive em visita ao Hospital Napoleão Laureano, como tímida colaboradora da sua manutenção. Ali sim, existe dor de dimensões inimagináveis. Só sabe quem é refém da doença que o leva àquele lugar. Uma vez lá aproveitei para observar o ambiente físico e profissional.

Os vários especialistas que lá trabalham falam uma mesma linguagem: acolhedora. Serventes, funcionários burocráticos, copeiros, enfermeiros, médicos, todos sem exceção, são humanitários. Sempre com um sorriso nos lábios, eles atendem os necessitados sem maçada.

Afago é um fármaco eficaz ao enfermo. Auxilia consideravelmente a terapia. A dor se torna atenuada. Em conversa com alguns pacientes percebi serenidade em suas palavras, com sinais de segurança e alívio. Como se aquele hospital fosse seu porto seguro. Ali estavam protegidos.

O coletivo de dores é vasto. Este campo está sempre minado, basta viver. É acionado em diferentes graus a depender da circunstância. Dores dominadas e dores incoercíveis convivem conosco. Alguns indivíduos têm mais defesa, são mais resistíveis; outros são mais frágeis.

Dor física, dor emocional, dor da alma, dor da vida…difícil elencar as modalidades desse sofrimento. Há quem aprove a afirmação: “A dor é inevitável. O sofrimento é opcional”. Há controvérsias.