O BOFE DE BAYEUX, por Ana Lia Almeida

Onibus arco-íris. Foto: Divulgação/Buser

O bofe mora em Bayeux, com biquinho assim, em francês. Ah, minha filha, não é a Baiê da gente, não, está pensando o quê? E ainda completou, cheio de chiado: “É a cidadje satélitche ao contrário, porque João Pessoa não seria nada sem o aeroporto”. Orgulho de ser de Bayeux, não esquece o biquinho. Trabalha lá, numa lanchonete. Quer dizer, um café, que vende pãozinho de queijo a quinze reais e ele jura que enjoa de tanto comer.

Rita se sacudia toda, rindo dessa história que o rapaz contava alto para o amigo no banco de trás, para todo o ônibus escutar. Lembrou da sua vizinha, Taci, de Jaboatão dos Guararapes, onde também se falava chiando um pouquinho, como o bofe de Bayeux, mas só na parte dos “S”. Rita adorava a maneira de falar de Taci, mas tinha gente na vizinhança que achava ela metida a besta, por causa daquele sotaque.

Eu até fiquei meio desconfiado daquele chiado todo, achei coisa de gente falsa… Mas depois que a gente saiu, que conheci melhor a pessoa dele, eu entendi. Lá, no aeroporto, como anda gente de tudo o que é canto, ele vai prestando atenção na fala de cada um. Quem chia mais é o povo do Rio, os “cariuócash”. Pessoal de São Paulo é mais puxado nos “erres”, lá pelo “aeroporrto”. E por aí vai: o “trem” dos mineiros, o “tchê” dos gaúchos, os mil jeitos de falar em nordestinês. Ele vai copiando um tiquinho daqui, outro dali, misturando tudo. Eu acabei me acostumando com isso. Se engana quem acha que a gente é de um jeito só.

Verdade. Nem vida sofrida de pobre é de um jeito só. A vizinha de Rita, por exemplo, cansou-se do prá-lá-e-pra-cá entre Jaboatão e Recife, onde trabalhava. Todo dia Taci pegava um ônibus de sua casa até a estação do metrô, atravessava o Engenho Velho, Floriano, Cavaleiro, Coqueiral, Tejipió, Barro, Werneck, Santa Luzia, Mangueira, Ipiranga, Afogados e Joana Bezerra, até chegar na Estação Recife, descer e caminhar mais quinze minutos para bater o ponto na Conde da Boa Vista. Duas horas para ir, outras duas para voltar. Taci enjoava com o balançado do ônibus e tinha vertigem com a velocidade das coisas ficando para trás no metrô. Só se aquietava caminhando, mesmo assim, muitas vezes chegava em casa ou no trabalho a ponto de vomitar. Veio-se embora viver em João Pessoa, iludida com a promessa de uma cidade ainda pequena e sem tanto engarrafamento.

Agora, vivendo em Mandacaru ao lado de Rita, é verdade que Taci gastava menos tempo se deslocando. Mas nem por isso deixava de sair de casa cedinho e só voltar tarde da noite, perto da hora de dormir, feito Rita. Apesar de morarem na mesma cidade em que trabalhavam, a casa delas era como as cidades-satélites: não passavam de dormitórios. A bem da verdade, nenhuma das duas tinha tempo de viver.

Geraldo, mas só quer que chame de Jey. Internacional. Na hora que pediu meu telefone, eu gelei. Dou ou não dou? Terminei dando. É, acho que estou me apegando, sim. Mas não vá espalhar, viu, que o coração da bicha aqui é grande que nem pista de avião, pode vir pousando mais!

AS FILHAS DO FALECIDO CORONEL, por Babyne Gouvêa

Imagem: capa do livro ‘As Filhas do Coronel’

Famosa por ser um dos principais nomes do Modernismo e da Literatura Neozelandesa, a escritora Katherine Mansfield escreveu contos e novelas baseados na sua experiência de vida e nas questões ocultas dentro do seu próprio cotidiano.

Escreveu em 1922 o conto ‘As Filhas do Falecido Coronel’, onde narra a história de duas mulheres – Constantia e Josephine – ambas filhas do Coronel Pinner, que tinha acabado de falecer. A partir daquele momento, tinham que decidir como fariam o funeral e o destino que dariam aos pertences do pai.

Elas prepararam o enterro enviando cartas para os familiares e amigos e, também, manifestaram gratidão à enfermeira que cuidou do pai até o falecimento.

A insegurança e medo em tomar decisões sem a autorização do pai levam o leitor a perceber como a figura paterna deve ter sido extremamente autoritária e rígida, não dando liberdade às filhas.

Elas ficam temerosas em dar destino aos objetos do falecido, expondo dificuldade em lidar com as memórias do pai sem perceber que estavam livres do autoritarismo paterno.

O conto narra a partir das duas mulheres as angústias do passado e os medos e incertezas diante do futuro. O coronel, mesmo sem quase aparecer, demonstra ser uma figura opressora, um indivíduo maléfico para as suas filhas.

O leitor vai montando por meio dos diálogos e pensamentos das protagonistas o perfil do pai: uma personalidade impaciente e ranzinza. As filhas herdam uma dificuldade em lidar com a liberdade, inabilitadas para tomadas de decisão.

A escritora é muito sutil nas críticas às regras impostas pela sociedade e também à condição das mulheres da época.

Um conto muito interessante, enfim, além de instigante e bem construído.

VELHICE ULTRAJANTE, por Babyne Gouvêa

O Irmão Rabugento – O Ponto Dentro do Círculo

Imagem copiada de O Ponto Dentro do Círculo

Por favor, não deixem que eu me torne um velho ranzinza! Esse apelo parte daqueles que abominam o mau humor. Convenhamos, não há nada mais insuportável.

Os exemplos de idosos mal-humorados são vários e, muitas vezes, hilários. Sim, hilários quando não há convivência próxima, porque o contrário é algo aborrecível.

Comum no presente vermos pessoas com idade avançada discutindo política; isto é, reproduzindo asneiras sem demonstrar conhecimento sobre o assunto. Beira o ridículo. Haja paciência com tantas repetições vazias e inverídicas – um real TOC (transtorno obsessivo compulsivo).

Esse comportamento pode ser atribuído à idade? Se for, uma ida ao geriatra fará bem não só ao paciente como a quem convive com ele. Certos temas devem ser discutidos com inteligência e leveza; a raiva deve ser descartada, já bastam os dissabores que as pessoas enfrentam em sua existência.

Certos personagens se eternizaram como protótipos da rabugice: Sr. Lunga, natural de Juazeiro do Norte-CE, com uma rica participação na Literatura de Cordel. É engraçado, não há dúvida, desde que não saia do folheto. Outro exemplo ficou celebrizado pelo humorista Chico Anísio: Sr. Popó. Motivo risível porque não saía da tela.

Por favor, não deixem que eu me torne um velho violento! Esse apelo parte daqueles avessos à agressividade. Sejamos sensatos, a atrocidade é terrível.

Os casos de senis ameaçadores da democracia crescem assustadoramente. Vejam o cantor sertanejo – ícone da Jovem Guarda; se tornou um velho ameaçando extinguir a Constituição. Sim, isso mesmo, ao ensejar a expulsão dos ministros do Supremo Tribunal Federal está tentando abolir a Constituição.

Outro decrépito usou as redes sociais para ensinar como eliminar um agente da segurança pública. E olhem que se trata de um presidente de partido político. A decrepitude também tem limites, não existe amparo legal para essa faixa etária executar atos levianos.

Expectativas irracionais e personalidade inescrupulosa na velhice é ultrajante; pelo andar da carruagem serão necessárias medidas drásticas contra essa inconsequente velhice.

Por favor, que ninguém apareça com piedade alegando mal da idade!

A CASA DAS CINCO MULHERES, por Babyne Gouvêa

Imagem meramente ilustrativa (Foto: Renovação Carismática)

– A nossa querida chegou!

Era assim a recepção a minha mãe ao chegar à casa de suas cunhadas, as minhas tias Gouvêa. Cinco mulheres maravilhosas, solteiras, cada qual com as suas peculiaridades. Mas todas de forte personalidade. 

Tinham algo em comum: a mania por limpeza. Um tanto misofóbicas. Alguém longe do seu convívio estranhava esse hábito. Fazia um grande favor quem as cumprimentava sem estender a mão. Dois beijinhos laterais nem pensar.

Respeitávamos os costumes mantidos por todas elas. Como do atavismo ninguém escapa muitos da família herdaram uma certa misofobia. Fico imaginando as minhas tias queridas convivendo com a atual pandemia. Já haviam sobrevivido à gripe espanhola; não, não desejaria essa terrível condição de vida para pessoas tão bondosas!

As nossas visitas à sua casa se davam com uma ida inicial ao lavatório. Pronto, com as mãos lavadas podíamos começar a conversar com boas risadas e um cafezinho em bule de ágata no final da tarde. Costumavam cear nesse horário, já que dormiam cedo. Em suas camas rezavam o terço diariamente fazendo as suas preces pelos parentes, e abaixo delas em cima do taco guardavam o seu dinheiro – era o lugar ideal para algo tão sujo.

Os assuntos conversados diziam respeito aos familiares; adoravam receber notícias levadas por nós – fazíamos o elo delas com o mundo. Não saíam de casa, apenas uma delas visitava a irmã casada. Embora vivessem confinadas sob o mesmo teto, tinham uma concepção bela e leve da vida.

Uma delas gostava de ler Dante Alighieri, poeta italiano da literatura medieval. Com boa dicção e eloquência ela descrevia o poema épico “A Divina Comédia” desse autor. Ficava imaginando uma viagem ao inferno, purgatório e paraíso com discussões detalhadas sobre a temática do livro. Também lia Luís de Camões, poeta português, e se encantava ao falar sobre a epopeia “Os Lusíadas” versando sobre a viagem de Vasco da Gama às Índias. Além de ler, gostava também de escrever poesias. Ao declamá-las, levava os sobrinhos ao delírio enfatizando cada estrofe dos seus poemas.

Eram mulheres puras e crédulas, vulneráveis a pessoas aproveitadoras de sua ingenuidade. Havia quem narrasse uma situação fictícia para atrair comiseração, elas acreditavam e se tornavam vítimas certas. Eram extorquidas e não se davam conta, ficavam felizes em praticar uma boa ação; católicas fervorosas tinham uma vivência sem mentiras – essa palavra não existia no seu vocabulário.

Elas não se adequariam aos dias atuais, certamente. A limpeza delas não residia apenas no físico, mas sobretudo no caráter. Os exemplos de retidão deixados por elas são seguidos pelos familiares.

Como exalavam beleza e suavidade as minhas tias! Afáveis e corretas, eis os adjetivos que melhor qualificam as Gouvêa. E lembrando delas me transporto emotivamente para a Casa das Cinco Mulheres.

Justiça tem que tirar rádios e tvs das mãos de políticos

(Foto: PrePara Enem)

Graças a uma ação do Ministério Público Federal (MPF) na Paraíba, a Justiça anulou as concessões públicas que davam ao deputado Damião Feliciano o poder de explorar em benefício próprio as rádios 100.5 FM de Santa Rita e Panorâmica FM de Campina Grande.

José Godoy, Procurador da República, e Bráulio Santos, Defensor Público, explicam direitinho – em artigo publicado no Observatório Paraibano de Jornalismo (OPJor) – porque concessões como essas do Doutor Damião devem ser barradas e revogadas.

“A outorga de concessões de rádio e TV a políticos e seus familiares – prática antiga e ainda frequente no país – interfere diretamente no processo democrático. Isso porque políticos e famílias de políticos passam a utilizar as emissoras para promover suas ações e seus nomes (…) em detrimento de outros candidatos com quem disputava mandatos”, ressaltam os autores.

Leia a íntegra do artigo de José Godoy e Bráulio no blog do Observatório: https://observatoriopbdejornalismo.blogspot.com/

IMPRENSA DA PARAÍBA GANHA OBSERVATÓRIO

A imprensa paraibana conta agora com um serviço de acompanhamento e análise das informações divulgadas por qualquer meio de comunicação no Estado.

Trata-se do Observatório Paraibano de Jornalismo (OPJor), que fará crítica de mídia, checagem dos fatos e pesquisa sobre qualidade e acessibilidade das informações jornalísticas.

Iniciativa de jornalistas profissionais e professores da área, o Observatório está institucionalmente criado junto ao Programa de Pós-Graduação em Jornalismo da Universidade Federal da Paraíba (UFPB).

Os primeiros conteúdos do Observatório já estão disponíveis em seu blog (https://observatoriopbdejornalismo.blogspot.com/) e através do perfil no Instagram (https://www.instagram.com/p/CSxCPfMgKzd/…).

Cassino da Lagoa precisa de salvação e investimento

Cassino da Lagoa, o mais tradicional restaurante do centro de João Pessoa (Foto: Rubens Nóbrega)

Quatro anos depois de quase fechar por falta de estacionamento para clientes, o Cassino da Lagoa estaria agora na dependência de aparecer alguém disposto a investir em manter aberto e funcionando o mais tradicional restaurante do centro de João Pessoa.

Estive lá ontem (17) para almoçar com a Professora Madriana, minha companheira. “Vão lá dar uma força, pois é uma tristeza ver ambiente tão agradável, onde servem comida tão boa, tão sem gente na hora do almoço”, pediu uma amiga. Atendemos.

Salão do restaurante (Foto: Tripadvisor)

Realmente… Pra quem frequentou o Cassino nos bons tempos, dá um aperto no coração ver o seu salão vazio. Como vi nessa terça, quando apenas três mesas a mais se formaram após a nossa chegada, ao meio-dia. Ficamos até mais ou menos uma e meia da tarde.

Saímos satisfeitos e fartos com o sempre delicioso Frango na Chapa, mas preocupados com o destino do Cassino. Pelo que entendi de rápida conversa com o garçom que nos atendeu, a arrendatária do prédio estaria firmemente decidida a ‘passar o ponto’.

Quem assumir o Cassino muito provavelmente terá que recuperar instalações, mobiliário e equipamentos, adequar cardápio e preços, conseguir da Prefeitura ampliação do estacionamento, abrir para o jantar e oferecer outros atrativos além de comes e bebes.

Que tal, então, música ao vivo (voz e violão suaves, por exemplo), lançamentos de livro, vernissages e comemorações diversas, incluindo aniversários e casamentos que podem ocupar a varanda externa (uso também a ser negociado com a Prefeitura)?

Essas e outras são variantes de uma operação de resgate do brilho do Cassino como ponto de encontro, convergências e divergências de diversos segmentos políticos ou empresariais, categorias profissionais e expoentes da boemia intelectualizada da cidade.

A Prefeitura bem que poderia entrar nessa história, firmar parcerias e deflagrar um processo mais amplo, efetivo e consistente que reintegre todo o nosso Centro Histórico – Cassino incluído – à movimentação cultural que fugiu de lá e – pelo visto – se perdeu na praia.