CHEIRO DE LEITURA, por Babyne Gouvêa

Cada um com as suas manias. Tenho as minhas, e destaco uma pela qual sinto saudade: sentir o cheiro do jornal em papel. As mãos ficavam pretas mas o odor que exalava ao passar as páginas…humm, que prazer sentia.

Acompanhava meu pai à banca de jornais e fixava o olfato em cima deles. Primeiro era o cheiro, depois as manchetes na primeira folha.
Como conhecia os jornalistas que escreviam em alguns jornais e o dia que publicavam suas colunas, escolhia os que seriam comprados sem hesitar; com a concordância de quem ía pagar.

Já em casa começava o ritual da leitura. Meu pai decidia ser o primeiro a ler. Na lista de espera eu, como a caçula, era sempre a última. E o aroma acentuado do papel e/ou tinta da impressão ía se evaporando, à medida que passava por diversas mãos.

Quando chegava a minha vez, as folhas estavam fora de ordem e já não cheiravam tanto. Organizava o periódico e tentava dobrá-lo no estilo disposto na banca. Mas os amassos e o suor dos dedos dos leitores que me antecediam impediam a devida organização.

Dizia para mim mesma que um dia teria condições financeiras para comprar e ser a primeira a ler o dono do cheiro que tanto apreciava. Uma vez autossuficiente, passei a comprar os jornais do sudeste e os locais. Comparava os odores, e os do meu Estado eram melhores. Era explicável porque não passavam pelo desgaste do transporte que comprometia o aroma tão específico e agradável às minhas narinas.

O mesmo prazer sentido junto ao jornal se dá ao entrar numa livraria. Passeio entre as estantes e aspiro perfume no meu entorno. O cheiro do livro me fascina enquanto pego nele com cuidado, como preciosidade. Leio as suas partes introdutórias e avalio se me interessa. Em seguida devolvo o volume à prateleira ou adquiro para o meu deleite. O fato de permanecer neste ambiente me renova, e o exercício de ler e cheirar as páginas de um livro me fornece um crédito de leveza.

Seja numa livraria ou num local de venda de jornal – se é que ainda existe; confesso que desconheço -, uma coisa me irrita: ouvir alguém reclamando do preço. Isso denota falta de sensibilidade e conhecimento sobre o que propiciou o rico produto estar pronto e à disposição do leitor.

Leitura é essencial, de preferência que seja acompanhada de característico e aprazível aroma.

JUSTIÇA FEITA, por Rubens Nóbrega

A Justiça fez justiça mais uma vez a quem sempre teve razão nessa trágica história de Camará. Refiro-me particularmente a Francisco Jácome Sarmento, secretário estadual de Recursos Hídricos entre 1999 e 2002, período em que o governo da Paraíba construiu aquela barragem em Alagoa Nova.

Reconhecido e respeitado em todo o Brasil por seus conhecimentos e realizações na sua área de atuação, Sarmento desde antes e sempre alertou para os riscos que corria e corre qualquer obra do gênero cujo primeiro enchimento não seja devidamente monitorado.

Providência básica na construção de grandes açudes, o acompanhamento diligente das primeiras águas de Camará teria evitado elevadas perdas humanas e materiais em Alagoa Grande e municípios vizinhos.

Sinais de vazamento, furo, rachadura ou outro problema na estrutura da barragem seriam notados se vigilância houvesse. Não  havia. Daí, o reservatório não foi esvaziado nem consertos agilizados. Salvariam vidas e a obra que desmoronou sob a força de uma tromba d’água e uma avalanche de omissão e desídia.

Quase duas décadas depois, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconfirma que as consequências nefastas e funestas do que houve no Brejo das alagoas paraibanas foi culpa de quem não cuidou e não de quem construiu. Ou seja, de quem sucedeu Sarmento nas obrigações de zelar pelo patrimônio recebido.

Imagino que a decisão do STJ sobre Camará, divulgada esta semana, traga sensação de alma lavada ao Professor Doutor em Engenharia Civil e, muito mais, ao cidadão Francisco Jácome Sarmento. Mas seguramente não compensa um milésimo as ofensas à sua competência profissional e integridade pessoal que lhe foram assacadas por conta da barragem que ruiu. Como se construíssem barragens para arruinar a obra e a própria imagem do construtor.

E o que tem a ver com isso este que vos escreve? Pouca coisa… Na época, 2004, estava colunista do saudoso Correio da Paraíba. Tentei colocar um pingo de jornalismo em meio ao temporal de presunção de culpa e pré-julgamentos que ameaçavam afogar a razão de quem sempre a teve. Como bem o disse a Justiça, da primeira à terceira e última instância.

O GÊNERO LITERATURA? por Alberto Lacet

Cena de Frankenstein, filme de 1910, baseado na obra de Mary Shelley

– O que me diz quanto a ser a literatura um gênero da ficção, e não o contrário?

– Não sei. Quero que me esclareça antes sobre o que você chama de ficção. Da literatura sabemos todos que a ideia geral e mais difundida sobre ela abrange todo e qualquer registro de linguagem escrita da qual escorra um relato de motriz mais geral no entretenimento, embora longe de ser o único, já que a literatura situou-se num vasto espectro de abordagens que pode ir das manipulações de massa aos ensinamentos históricos, do universo infantil fantasioso aos registros documentais de viagens, batalhas, conquistas etc. Sem falar na grande quantidade de romances que, no dois séculos anteriores ao nosso, arrebanharam leitores atraídos pela exposição da variada gama dos sentimentos humanos expostos de forma novelesca.

– Bom. Talvez o melhor seja fazermos a pergunta nos moldes do ovo e da galinha: quem nasceu primeiro, a ficção ou a literatura?, afirmando desde já que dessa forma a resposta será inequívoca: a ficção, claro! Literatura, enquanto forma escrita, demorou bastante para estar ao alcance das pessoas, como vc deve saber, irmãozinho.

– Bem, trilhando esse raciocínio, não resta dúvida. Antes mesmo que a escrita descesse dos palácios para as ruas, já era voz corrente as ficções criadoras do universo, com seus deuses, mistos de magos e artistas. Ademais, podemos afirmar com bastante convicção que a Ficção humana é inerente ao medo, e que, portanto começa de forma oral. Pode-se mesmo dizer que de forma onomatopeica, quando a linguagem sagrada ao que tudo indica, e pela própria formação das línguas mais primitivas, repercute em seus primórdios os cânticos e rugidos naturais da mãe natura em suas variadas vozes de trovão, procela, aluvião, terremoto ou explosão vulcânica.

Tentemos agora imaginar o que não terá sido a abertura da palavra escrita para uso do povo, naquela antiquíssima Suméria, quando os sábios da corte tiveram de descer de seu palácio para ensinar de porta em porta o significado daqueles garranchos riscados num tijolo – a chamada escrita cuneiforme –, talvez sem saber que estavam assim e ali, matando o futuro de sua até então privilegiada profissão de escriba. Que tivessem tido ou não essa premonição, o certo é que se viram obrigados a se despojar de seus segredos diante da pressa dinástica em aumentar a produção de alimentos para seus exércitos em vias de expansão, quando então se fez necessário, pela primeira vez na história humana, a execução de um trabalho de longo e médio prazo, impossível de ser desempenhado pela multidão iletrada, que não houvera ainda tartarizado na mente o sentido de trabalhar duro no presente com o pensamento voltado para colher os frutos desse trabalho num amanhã talvez distante.

O objetivo principal daquele reboliço todo era produzir alimentos através da criação de campos cultiváveis no gigantesco estuário criado pelo encontro dos rios Tigre e Eufrates. A escrita difundia-se assim, pela primeira vez e para registro das diversas atividades humanas e não apenas para secretos registros cartoriais e dinásticos daquela que foi a primeira Corte imperial, anterior mesmo aos Medos e à monarquia Aquemênida, fundada por Ciro. Desde sua origem palaciana, no entanto, a escrita já tinha subscrito uma primeira produção fictícia, dribladora da realidade e anterior a sua própria invenção: a falácia divinizadora daquelas primeiras dinastias reconhecidas por historiadores ocidentais. Mas o primeiro mito de que a humanidade tem notícia nasceria ali, pouco depois, quando os reis sumérios se entregaram aquela missão de criar o primeiro vasto campo de agricultura irrigada do mundo: os mitos de Gilgamesh e de Enkidu.

É importante e sintomático mostrar que na origem desses primitivos eventos encontra-se a nascente histórica dos primeiros elementos da ficção que demorariam ainda vários séculos para ter seu registro, e o primeiro deles, extraído diretamente da atividade popular de irrigação dos campos, vem a se tornar o primeiro mito nascido no âmbito de atividades plebeias, e está ligado, como não podia deixar de ser a uma profissão surgida daquelas primeiras formas de organização do trabalho coletivo, que era a vigilância e proteção da comunidade trabalhadora contra as feras que rondavam os campos recém irrigados. Enkidu surge aí, vigilante e caçador, com seu poderoso arco & flecha.

Na escala dos deuses sumérios, Gilgamesh representa um estágio de concepção religiosa já bem distanciada da cosmogonia original, onde Enkidu, uma das 4 potestades (íncubas aos 4 elementos), responde pela água (lembrar o processo da irrigação). Não vai ser por outra razão que o mito de Gilgamesh convive com o de Enkidu, numa pioneira fórmula divinatória que ainda hoje nos chega por ter sua equivalência na fala transcrita pelo livro do Genesis, entre Moisés e Jehová, ou seja, uma forma de conecção direta, personalizada, entre homens e Deuses, gerando a partir daí um espaço mental capaz de aceitar a deificação de faraós, de gerar semideuses gregos e, posteriormente, a vasta e diversificada gama dos santos católicos – num extremo o humaníssimo Francisco de Assis, no outro um guerreiro genocida como Jorge da Capadócia, um ex guarda pretoriano de Diocleciano que seria enviado para combater o islam e que, num único final de tarde executou milhares de prisioneiros, e para o qual o catolicismo papal criaria depois historias mirabolantes como a do Dragão, sendo por isso, e ainda hoje, celebrado pela massa ignora o Velho Testamento em muitos de seus episódios não deixa de ser um compendio de histórias bem mais antigas que as do povo judeu, muitas delas recolhidas durante os períodos de cativeiro por este vividos, tanto em Babilônia quanto no Egito. O exemplo mais significativo é a narrativa do Diluvio, presente na Epopeia de Gilgamesh, escrita 1.8OO antes de Biblia judaica.

NOVA ORDEM MUNDIAL: UMA QUIMERA? por Jesus Fonseca

Imagem do filme ‘A Nova Ordem Mundial’

Era garotinho ainda, dando os primeiros tropeços na língua portuguesa, curioso para, intuitivamente, aprender as nuances desse nosso idioma, a Flor do Lácio, como recitava Olavo Bilac em seu belo poema, Língua Portuguesa, considerada uma das mais completas e belas do Universo.

Pois bem, na época, havia uma revista semanal que circulava nas bancas jornalísticas de todo o País, O Cruzeiro, revista bastante ilustrada e, consequentemente, muita culta. Seu conteúdo era vasto. Havia humorismo, Esporte, Receitas Culinárias, Política, Crônicas de diversos escritores e romancistas do País. Era a riqueza em Jornalismo. Minha Tia Olívia era assinante do semanário, em virtude das Crônicas, que ela muito apreciava.

Uma expressão do grande cartunista, humorista, escritor e jornalista Milôr Fernandes na página que lhe era dedicada, chamava-me a atenção – LIVRE PENSAR É SÓ PENSAR. Neófito no aprendizado do idioma, com a capacidade de discernir ainda diminuta, eu achava aquela expressão uma besteira, vazia, sem significado algum. Entretanto, diz um velho adágio latino – tempus dominus est rationis – o tempo é senhor da razão. Com efeito, eu, já cursando ginasial, científico, com minha mente podendo alcançar graus mais elevados de raciocínio, pude verificar a riqueza daquela expressão de Milôr. Livre Pensar é só pensar. Então, eu posso dizer que o Papa Francisco foi o maior atacante da Seleção Argentina de Futebol, que o Dalai Lama foi um grande automobilista de Fórmula Um, que Tutancâmon, faraó do Egito em 1332 antes de Cristo, foi um grande Físico, descobriu a Teoria da Relatividade etc.

Esaas três premissas que escrevi são corretas? Claro que não, é pura bazófia! Entretanto, eu quis dizer, foi o meu ‘livre pensar’.

***

Assim, assistindo ao vídeo Descrição Fantástica do Jornalista Espanhol Javier Villamor, com a narrativa deste jovem espanhol sobre uma Nova Ordem Mundial, procurei prestar o máximo de atenção. Do começo ao fim é recheada de incongruências. É um jovem inteligente com profundos devaneios provenientes de suas interpretações de fatos, de coisas que ocorrem no dia a dia. Foi rebuscar lá dentro do santuário do seu EU ideias mirabolantes, materializando-as. É aquele Livre Pensar.

Segundo o escriba, há uma conspiração, com a implantação de um Poder Supra Nacional, criado logo após o fim da Segunda Guerra, do qual fazem parte a União Europeia, o FMI, a ONU, Banco Mundial, com a implantação de uma nova humanidade, ou seja, um único governo, uma única religião, uma única economia etc. (de antemão, sabemos que a União Europeia não foi criada logo após o fim da Segunda Grande Guerra, mas em 1992). Para que tais fins sejam alcançados, a humanidade atual deve ser destruida, instituindo-se, para tanto, a ideologia de gênero, o aborto, a eutanásia.

Ele fala que um dos principais promotores dessa nova ordem é George Soros. Veja bem, este senhor é um húngaro, naturalizado estadunidense, que se tornou mega bilionário como um dos mais talentosos investidores, inclusive, nosso patrício Armínio Fraga, grande economista brasileiro, já esteve trabalhando para ele. Soros tem uma Fundação, a Open Society Foundations, onde já empregou, filantropicamente, mais de 32 bilhões de dólares. É um homem poderoso no mundo econômico, já fez tremer bolsas de valores do mundo inteiro, logo, como se vê, é um homem ambicioso. Já está com 92 anos de idade. Se levarmos em consideração que todos os parâmetros da Nova Ordem funcionassem, isto levaria pelo menos de 90 a 100 anos para o surgimento de uma nova humanidade. George Soros estaria, pois, desfrutando do Orbe Celeste a este tempo. Qual, então, o interesse dele em comandar tal empreitada?

Historicamente, Jesus fundou uma religião que perdura por mais de 2.000 anos. Maomé fundou o islamismo em 622 de nossa era, sua religião sobrevive até hoje. Fechando o tronco Monoteista, temos a religião judaica com mais de 5.000 anos. Outras religiões de cunho politeista filosófico se espalham pela face da Terra, como o Confuncionismo criado por volta do século VI, antes de Cristo, o budismo, o xintoísmo, o bramanismo, todas religiões milenares que atravessaram os séculos permanecendo vivas, ativas, apesar de percalços os mais diversos com a finalidade de destruí-las.

O poderoso Império Romano, através de perseguições e martírios inúmeros, tentou subjugar e exterminar o Cristianismo. Infrutíferas foram suas ações funestas, no final o Império ruiu e o Cristianismo ganhou mais forças, chegando forte aos nossos dias.

Em 622 de nossa era, Maomé foi obrigado a fugir de Meca para Medina, considerada como a Hégira, pelos historiadores, ante a sanha avassaladora dos poderosos de Meca, que viam na nova religião um atraso à dinâmica econômica e social. Embalde foram suas tramas destruidoras! Maomé conseguiu reunir mais adeptos ao Islamismo e, como nos fala a história, dominou Meca e sua religião ganhou forças, expandindo-se pelo mundo, até hoje.

O Judaismo, desde antanho, sofre perseguições as mais pesadas possíveis. Seus adeptos foram escravizados no Egito, posteriormente foram perseguidos duramente pelos assírios, babilônios, caldeus, mas suas tribos não deixaram sua religião fenecer. Já nos anos 70 DC, Tito, um dos últimos imperadores de Roma, provocou a diáspora, com a finalidade de acabar não só o povo hebreu, mas principalmente, sua religião. Também não houve êxito na empreitada, pois a tenacidade hebréia foi grande, eu diria, enorme.

Espalhados pelos quatro cantos da terra, permaneceram unidos disciplinadamente em torno do Judaísmo. Recentemente, nos idos de 1938 a 1945, Hitler provocou o holocausto, exterminando mais de 6 milhões de judeus, entre crianças, mulheres e homens. Entretanto, a fé, o amor à crença milenar recebida de seus antepassados sobrepujou a tantos sacrifícios e a religião está pulsante em nossos dias.

Por que eu citei estes exemplos? Para simplesmente perguntar: qual a força, o poder que tem esta Nova Ordem para unificar estas religiões, ainda mais quando sabemos que para unificação deverá haver a destruição dos Símbolos Maiores de cada uma delas que, como citei acima, vêm galhardamente despontando com mais força a cada século que atravessam?

Do ponto de vista econômico, o nosso analista esqueceu-se que o mundo é dinâmico. O poder existente entre os diversos países tende sempre a respeitar determinadas hierarquias, de tal maneira que existirão drásticas modificações quando houver, e sempre há, oscilação no conteúdo histórico.

Após a Segunda Grande Guerra, o butim foi dividido entre Estados Unidos e Rússia. Era uma Nova Ordem Mundial, com estas duas nações polarizando o poder. Cada qual querendo mostrar ao mundo seu poderio no campo das armas ou na corrida espacial e, também, nas disputas geopolíticas. Era a chamada Guerra Fria acontecendo num mundo bipolar.

Então, aconteceu aquilo que os EEUU almejavam, o enfraquecimento da União Soviética, no final da década de 1980 e início da de 1990, com a queda do Muro de Berlim e o desmembramento dos países que compunham a URSS. Daí por diante passou a existir apenas uma grande potência não só econômica como no poderio militar, a ordem mundial passou a ser unipolar.

Entretanto, o dinamismo do mundo não para. Com o decorrer do tempo vimos surgir o crescimento econômico e político de novos países, como Japão, os Tigres Asiáticos e, sobretudo a União Europeia, mais recentemente a gigante China que se posta, hoje em dia, como a segunda Nação do Mundo em tamanho do PIB. Diante deste fato, os cientistas afirmam que a Nova Ordem Mundial é Mundo Multipolar.

Então, eu inquiro ao Analista que antevê uma Nova Ordem Mundial: qual das Nações citadas, que no dia a dia veem suas economias crescentes, irá ceder e unificá-las, deixando a primazia de manobrá-las a uma outra Nação?

Recentemente, assistimos à confusão entre a UE e o Reino Unido, quando em janeiro de 2020, numa decisão histórica, os ingleses pularam fora da União Europeia, isto porque querem sua economia independente.

Em outro tópico da mensagem ou do áudio, o jovem espanhol explicita que a geração atual será completamente extinta através de campanhas ousadas de aborto, união de seres do mesmo gênero e outros meios de contracepção praticados sorrateiramente, na surdina, com tanta perspicácia que ninguém se dará conta de tamanha sordidez, de tanta degeneração moral. Seria o caos. Em última análise, poderíamos até dizer, verdadeira concupiscência de verdadeiros adeptos do Marquês de Sade.

O vídeo continua a exposição dos tais acontecimentos funestos: ao tempo em que a geração atual está sendo gradativamente dizimada, crianças e jovens estão sendo aliciados de seus lares através de conversas sedutoras, promessas de uma ótima educação ou até mesmo pelo suborno de seus familiares. Universidades serão criadas para preparação da nova humanidade ou no transumanismo como ele prega.

O que pude observar é que, por mais que seja feito com esmero o fenecer da atual humanidade, se está subestimando a inteligência de pessoas cultas, como aquelas que chegaram ao ápice de suas carreiras, a exemplo de médicos (fiz questão de colocar na primazia do exemplo, por ser a Medicina a profissão mais sublime da face da Terra), engenheiros, físicos, químicos, aqueles voltados para a Mecatrônica e tantas outras cabeças pensantes.

É muita incongruência, tais pensamentos. Digamos que, hipoteticamente, tais projetos viessem a se realizar. Então, eu me pergunto: de onde viriam os neófitos da Nova Ordem Mundial? Esqueceu-se o mensageiro deste desarrazoado vídeo que os novos adeptos, embora tivessem recebido uma perfeita lavagem cerebral para serem submissos aos caprichos da Nova Ordem, carregariam consigo o DNA de seus ancestrais, já que seria humanamente impossível destruir o Ácido Desoxirribonucleico, responsável pelas características hereditárias de cada indivíduo.

Como tais, homens e mulheres irão ter os mesmos anseios, os mesmos desejos, o mesmo comportamento humano e, por uma lei natural, terão as mesmas atrações, serão passíveis de sentimentos diversos, ódio, amor, inveja, felicidade, hostilidade, alegria, gratidão, tristeza, medo etc., um sem número de sentimentos negativos e positivos, que, por certo virão à tona no dia a dia de suas existências, furando assim o propósito a que foram preparados.

Há coisas dentro do ser humano que não estão sob o domínio do indivíduo. A pessoa anda na hora que quiser andar, come, bebe e dorme, por exemplo, no momento que desejar, entretanto, ela não pode ter fome, sede e desejo de dormir a bel prazer. Não se pode dizer, eu vou ter sede agora, eu vou ter sono, isto porque estas sensações são inerentes ao organismo humano. Assim também é a necessidade que homens e mulheres têm em procriar, porque a natureza os fez desta maneira para perpetuação de espécie. Logo não irá ser o desejo de tais elaboradores desta Ordem que poderá alterar o que foi determinado naturalmente. Não tem o menor sentido a concretização desta empreitada, mesmo porque, com o tempo tudo voltaria ao que era.

Logo, como podemos observar, num futuro uma Nova Ordem Mundial com uma só Política, com uma só Religião, com uma só Economia… É devaneio megalomaníaco. Não passa de ‘Livre pensar é só pensar’.

A DEUSA DA PRAÇA, por Rubens Nóbrega

Foto meramente ilustrativa copiada de oulart.blogspot.com

Dona do corpo mais desejado do bairro em que morava, Anália tinha um gingado que mesmo sobre salto agulha deixava a rapaziada louca de tesão. E o sorriso colgate que abria, quando sentia o impacto de sua passagem no grupo de machos que a desnudava peça por peça com olhares e fiufius de verdadeiros tarados?

À praça, ‘point’ dos moradores do lugar, convergiam diariamente desocupados em geral, peladeiros, politiqueiros e aposentados, esses mais interessados no carteado, na dama ou no dominó. Cartas, pedras de jogo e algumas brigas dominavam as mesas de alvenaria cercadas por tamboretes de cimento que a Prefeitura construíra justamente para atender aos frequentadores mais velhos ou mais viciados.

Toda essa movimentação parava para ver Anália passar. Seus requebros sustavam até mesmo as batidas dos jogadores mais sortudos ou sabidos. Sua graça interrompia a mais acalorada ou a mais idiota discussão sobre política e políticos. E também despertava certa inveja nas mulheres que estivessem na praça no momento daquele desfile excitante.

O espetáculo da travessia de Anália acontecia todo final de tarde. Quase todo. Não acontecia se ela faltava na loja do centro da cidade onde trabalhava, de onde vinha a pé até o bairro, ou se chuva forte continha seu público dentro de casa. No mais…

Próximo da hora provável de chegada da musa na arena dos assediadores, algum moleque se postava de vigia na esquina do beco de acesso à praça e apitava. Sim, usava mesmo um apito que algum adulto mais enxerido introduzira no roteiro só para anunciar aquela cena.

Anália não esnobava, contudo. Cumprimentava alguns e retribuía os cumprimentos de outros. Entre os quais, um rapaz magrelo, alto e flagrantemente tímido que, por curiosidade procurara saber, era o guarda noturno da praça. Givaldo, eis o nome do cidadão, era talvez o único que tratava aquela exuberância com uma espiada ligeira, respeitosa, quase imperceptível ao alvo.

“Talvez por estar começando o seu horário de trabalho, não vai fazer feito esses outros”, especulava a deusa nos pensamentos que sem ela se dar conta já começavam a qualificar de charme a evidente feiura de Givaldo.

Bem, ninguém até hoje sabe a razão. Nem mesmo ela. Mas é fato: certo final de tarde, ela entrou naquele campo de batalha armada com pesadas sacolas de supermercado. Ninguém, exceto Givaldo, ofereceu-se para dividir a carga e ajudá-la a levar as compras até em casa. Ela aceitou a ajuda. Desde então, nunca mais Anália cruzou a praça.

Adaptado de conto escrito por Babyne Gouvêa

UM ESTRANHO NA CIDADE, por Frutuoso Chaves

Shopping Terceirão (Foto: Secom/PMJP)

Eu não circulava pelo centro de João Pessoa há um bom tempo. Mas eis que amigos me recomendaram a busca do Terceirão, o Camelódromo instalado sobre um pedaço do teto daquele túnel escavado no eixo da Miguel Souto por baixo dos cruzamentos com a Visconde de Pelotas, a Duque de Caxias e a General Osório. E lá fui eu.

Não consegui estacionar, apesar da grande extensão de faixas apelidadas “Zona Azul” e do credenciamento obtido da Semob após o chá de cadeira numa dessas Casas da Cidadania. Cadê as vagas prometidas aos de idade avançada como a que hoje tenho e a Prefeitura confirma?

Assim atesta, mas atribui prazo de validade ao cartão de idoso que me concede. Para quê? Por acaso, o transcurso dos anos me rejuvenescerá? Entendo que assim o faça apenas para abater um ânimo já alquebrado. É que bastaria ao fiscal a percepção das rugas e cabelos brancos que o tempo me deu sem que nada eu lhe pedisse. E entender, em seguida, que o transcurso dos anos, ao invés de remoçar, me agravará a situação. Portanto, o cartão de idoso sempre me será, a cada instante, mais legítimo, correto e válido. Pelo menos, até que a morte nos separe.

Desisti das vagas mais próximas do Camelódromo depois de três voltas e rumei até o pátio do antigo Colégio de Nossa Senhora das Neves, ao lado da Basílica, onde pude estacionar. Fechei o carro e dali subi a pé até a esquina da Biblioteca Pública, ponto onde começa o primeiro corredor da série imensa de boxes especializados, em sua maioria, na venda e conserto de produtos eletroeletrônicos.

Eu procurava casca e tela novas para o tablet que o neto trincou com a licenciosidade dos seus poucos anos de idade. Dias antes, na oficina autorizada, o atendente olhou-me como se eu fosse um marciano quando pedi o orçamento para o reparo. “Melhor comprar outro”, sentenciou. “Isso foi presente de um filho, meu camarada. Tem valor afetivo, insubstituível”, assim pensei, mas calei. Ninguém pode falar à consciência dos estúpidos.

E a imprevidência me fez rodar feito um doido nas ruas e no interior do Camelódromo. Desculpem, do Shopping Centro Terceirão, como está na placa da obra assim batizada em memória de Dorgival Terceiro Neto, o ex-governador, o sujeito mais informal que eu tive a oportunidade de conhecer em cargo tão importante (o dele, não o meu).

Bem que tentei, mas não consegui lembrar do nome do prefeito-tatu que por baixo daquilo perfurou aquele buraco todo. E perdi meu tempo. Não encontrei, também ali, casca nem tela do mesmo modelo. Contudo, ganhei a chance de observar umas tantas coisas. Aquilo é informalidade ao ponto da esculhambação. É território onde a China e o Paraguai dividem fronteiras sem rusgas nem ruídos. Imposto? Talvez, só aquele que a Prefeitura deva cobrar pela ocupação do solo nessa terra de ninguém.

A meio caminho, de volta ao carro, observei que o infeliz proprietário de um automóvel não deixa de pagar pelos cuidados dos flanelinhas, apesar de o fiscal da Zona Azul já tê-lo alcançado. Presumo, enfim, que seja melhor dispensar algum à turma da flanela do que ter o carro riscado.

Por curiosidade, retornei ao lar, já sobre rodas, pela Ladeira da Borborema até a Cardoso Vieira e, daí, pela Beaurepaire Rohan e Rua da República. Também, nessa área, quase já não há espaço para gente e carros. Então, senti saudade dos meus verdes anos, do tempo em que nossos pais ali podiam caminhar por calçadas livres, olhar vitrines e entrar em lojas a fim de escolher entre tantas outras coisas, sem barulho nem correria, os cortes de tecidos para a saia, a calça, a camisa ou o vestido preparados sob medida pelo alfaiate do Centro, ou pelas costureiras existentes nos bairros.

Na idade do primeiro salário, era eu que por conta própria percorria aquilo tudo, também sem pressa, à cata de sapatos e da roupa prêt-à-porter, invenção dos franceses que os americanos massificaram com seus jeans, sobretudo, com isso. Casei-me e, de certa forma, virei menino. Dona Miriam, sabedora das minhas preferências, incumbiu-se de me vestir. Desde, então, tem sido assim, o que, para tanto, me dispensa a ida ao comércio, mesmo o praticado nos shopping centers.

A aventura do Camelódromo mostrou-me um trecho da cidade no qual, por anos seguidos, eu quase tudo via pelo para-brisa. Fora do carro, pisei em outro mundo.

DE BICHOS E JOGOS, por Jesus Fonseca

O pessoal, em Itaporanga, era chegado ao jogo do bicho, talvez em função da falta de outros lazeres, na cidade. Quando eu trabalhava lá, no Banco do Nordeste, lembro-me de uma senhora que me azucrinava todas as manhãs, na hora em que me dirigia ao trabalho, inquirindo qual o bicho que eu tinha sonhado.

Para não bancar o mal educado, inventava um sonho com determinado bicho, ela anotava para fazer, mais tarde, sua ‘fezinha’. Isto era uma constância!

Certo dia, um daqueles em que nossa serotonina amanhece muito baixa, quando abri a porta de casa para ir ao trabalho, lá estava ela. Foi logo me perguntando: “Abençoado, o que você sonhou, hoje?”. Um tanto quanto aborrecido, respondi-lhe: “Sonhei, dona Maria, com João, seu marido, correndo pela Getúlio Vargas”.

Fiquei, então, na expectativa de uma resposta dura. Mero engano! Ela olhou pra mim e disse: “Mesmo? Sonhastes com João? Vou quebrar a banca, hoje, vai dar cachorro! Obrigada, meu anjo!”

***

Era comum os bicheiros interpretarem os sonhos dos clientes, para orientá-los sobre que bicho deveriam jogar. Muitas vezes eles ficavam por ali, esperando. Quando alguém chegava com um palpite, eles pediam para contar o sonho. E a partir daí davam a sua opinião. Mas o cliente ficava livre para jogar o que quisesse.

Certa vez, uma senhora chegou a uma banca para jogar e com o bicheiro travou o seguinte diálogo:

– Quero jogar no gato. 

–  Por que a senhora quer jogar no gato?

– Porque sonhei que o meu gato caiu do telhado.

– Jogue burro.

– Por que?

– Porque gato que cai do telhado é burro.

Deu burro!

***

Mas a melhor, o maior exemplo da engenhosidade do exercício de raciocínio dos bicheiros, foi a da vaca. O cliente chegou e jogou 10 reais na vaca. O bicheiro perguntou por que. O moço disse que sonhou com duas vacas de caudas cortadas, esfregando os traseiros uma na outra. O bicheiro foi enfático: “Jogue cobra!”. O cliente não aceitou. Não deu outra: cobra!

O cliente voltou à banca para saber como o bicheiro sabia que ia dar cobra. Este fez uma exposição da sabedoria dos bicheiros: “Vaca de cauda cortada? Vaca surú. Uma esfregando o rabo na outra? Surú-cum-cú: COBRA!”.

A GUERRA DOS MUNDOS, por Frutuoso Chaves

Cena de ‘Guerra dos Mundos’

Bombas no Leste Europeu. Sem sono, às 3 da manhã, busco pela Internet informações sobre “A Guerra dos Mundos”, a transmissão radiofônica do romance escrito pelo inglês Herbert George Wells com a qual o americano Orson Welles assustou muita gente nos Estados Unidos.

O aviso de que se tratava de uma ficção, feito no início da peça, fora perdido por grande parte dos ouvintes da Columbia Broadcasting System, a famosa CBS, naquele 30 de outubro de 1938. Resultado: levada a sério, a história de gente, prédios, tanques, navios e aviões pulverizados por armas de raio numa invasão de marcianos aterrorizou multidões.

Os jornais trouxeram, nas edições seguintes (com certo exagero, há quem diga), o saldo da histeria coletiva. Famílias em pânico nas ruas, outras em fuga das cidades e pedidos de socorro à polícia no transcurso do enredo posto no ar, em tons realísticos, com o auxílio luxuoso de atores e atrizes da Companhia Mercury Theatre on the Air.

Os mais apressados na crítica à estupidez humana devem atentar para o fato de que não eram dias fáceis aqueles. No setembro seguinte, Hitler iniciaria os bombardeios e tiros da Segunda Guerra Mundial. Eram tempos, portanto, de nações inteiras com os nervos à flor da pele. Essa fase negra seria encerrada, sete anos depois, com o acontecimento horrendo do primeiro (e único, até aqui) uso de bombas atômicas no extermínio de seres humanos.

O episódio de “A Guerra dos Mundos” tem registro no formidável “A Era do Rádio”, o filme que o bom e velho Woody Allen lançou em 1987. Na cena, a tia solteirona do pirralho no qual o cineasta projeta a própria infância é abandonada numa estrada deserta pelo namorado. O homem suspende os amassos que dava na moça e apavorado se embrenha no mato quando o rádio do carro interrompe a programação musical com a história da invasão do planeta por alienígenas. No dia seguinte, ao procurá-la, ouve dela: “Casei com um marciano”.

A narrativa de Woody Allen acerca de fatos passados, com a voz e o olhar de adulto, quase confere ares de documentário ao belo e saboroso filme. Isso e a lembrança de programas, jingles, histórias e personagens do rádio. Imperdível a cena em que a brasileira Denise Dummont interpreta Carmem Miranda. Em outra passagem, o menino “Woody” afana parte da coleta de dinheiro na rua em prol de Israel para comprar o anel do Vingador Mascarado. Descoberto o crime, toma uma sova do pai e do rabino.

O filme já impressiona em sua abertura. Uma dupla de ladrões invade no escuro uma casa onde não estavam os donos, interrompendo o roubo para atender alguém ao telefone a fim de que o barulho da chamada não acorde a vizinhança. Do outro lado da linha está um locutor, em programa de auditório, com teste ao vivo do tipo “qual é a música”. A orquestra executa as introduções para o atendente identificar cada canção. Um dos ladrões acerta tudo.

No retorno à casa, dia amanhecido, os proprietários se surpreendem com o arrombamento, o sumiço da prataria e a descarga de móveis e eletrodomésticos novíssimos de um caminhão de entregas, resultado do sorteio telefônico. Bem Woody Allen, não?

Ah, sim… Uma emissora brasileira, a Rádio Difusora AM, de São Luís do Maranhão, reeditou “A Guerra dos Mundos” no 30 de outubro de 1971, 33 anos depois da narrativa de Orson Welles. E, guardadas as devidas proporções, houve os que ali também se inquietassem com a invasão e o disparo de canhões de raios “Made in Marte”.

Naquela manhã, a emissora maranhense interrompia o programa “Paradão”, coletânea de sucessos musicais, para noticiar o ataque dos marcianos. O roteiro incluiu “informações da Rádio Repórter do Rio de Janeiro e BBC de Londres”, ruídos estranhos, entrevistas com “testemunhas”, diálogos atribuídos à torre de controle do Aeroporto Marechal Cunha Machado e conversa com o inexistente Professor Mário Cordelini, da equipe do Observatório Nacional.

O roteiro nordestino teve as assinaturas de Elvas Ribeiro (o Parafuso), Manuel José Pereira dos Santos (o Pereirinha), José Faustino dos Santos (o Jota Alves), Sérgio Brito, José Branco, Rayol Filho, Reynaldo Faray, Bernardo de Almeida e Fernando Melo. Mal o programa terminou, eles todos viram, aí sim, de fato, a invasão da área por homens do Exército que retiraram a emissora do ar por algumas horas.

“Outubro de 71 – Memórias Fantásticas da Guerra dos Mundos”, livro lançado em 2011 por Francisco Gonçalves da Conceição, conta essa história. Apoiada pelo Museu da Memória Audiovisual e financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa e ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Maranhão, a obra resulta de pesquisa acadêmica orientada pelo autor.

No outubro vindouro, a encenação radiofônica de Orson Welles completará 85 anos. Resta-nos torcer pela suspensão, antes disso, dos bombardeios que, diariamente, explodem casas e gente na Europa agravando a crise entre os detentores dos dois maiores arsenais atômicos do Planeta. Ou, então, que venham os marcianos. Nada, além deles, parece capaz de unir os donos deste mundo.