A DEUSA DA PRAÇA, por Rubens Nóbrega

Foto meramente ilustrativa copiada de oulart.blogspot.com

Dona do corpo mais desejado do bairro em que morava, Anália tinha um gingado que mesmo sobre salto agulha deixava a rapaziada louca de tesão. E o sorriso colgate que abria, quando sentia o impacto de sua passagem no grupo de machos que a desnudava peça por peça com olhares e fiufius de verdadeiros tarados?

À praça, ‘point’ dos moradores do lugar, convergiam diariamente desocupados em geral, peladeiros, politiqueiros e aposentados, esses mais interessados no carteado, na dama ou no dominó. Cartas, pedras de jogo e algumas brigas dominavam as mesas de alvenaria cercadas por tamboretes de cimento que a Prefeitura construíra justamente para atender aos frequentadores mais velhos ou mais viciados.

Toda essa movimentação parava para ver Anália passar. Seus requebros sustavam até mesmo as batidas dos jogadores mais sortudos ou sabidos. Sua graça interrompia a mais acalorada ou a mais idiota discussão sobre política e políticos. E também despertava certa inveja nas mulheres que estivessem na praça no momento daquele desfile excitante.

O espetáculo da travessia de Anália acontecia todo final de tarde. Quase todo. Não acontecia se ela faltava na loja do centro da cidade onde trabalhava, de onde vinha a pé até o bairro, ou se chuva forte continha seu público dentro de casa. No mais…

Próximo da hora provável de chegada da musa na arena dos assediadores, algum moleque se postava de vigia na esquina do beco de acesso à praça e apitava. Sim, usava mesmo um apito que algum adulto mais enxerido introduzira no roteiro só para anunciar aquela cena.

Anália não esnobava, contudo. Cumprimentava alguns e retribuía os cumprimentos de outros. Entre os quais, um rapaz magrelo, alto e flagrantemente tímido que, por curiosidade procurara saber, era o guarda noturno da praça. Givaldo, eis o nome do cidadão, era talvez o único que tratava aquela exuberância com uma espiada ligeira, respeitosa, quase imperceptível ao alvo.

“Talvez por estar começando o seu horário de trabalho, não vai fazer feito esses outros”, especulava a deusa nos pensamentos que sem ela se dar conta já começavam a qualificar de charme a evidente feiura de Givaldo.

Bem, ninguém até hoje sabe a razão. Nem mesmo ela. Mas é fato: certo final de tarde, ela entrou naquele campo de batalha armada com pesadas sacolas de supermercado. Ninguém, exceto Givaldo, ofereceu-se para dividir a carga e ajudá-la a levar as compras até em casa. Ela aceitou a ajuda. Desde então, nunca mais Anália cruzou a praça.

Adaptado de conto escrito por Babyne Gouvêa

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