PERUS PROS CARPINAS, por Frutuoso Chaves

Engenho Corredor, Pilar-PB (Imagem copiada de aslivres.wordpress.com)

Acreditem. Houve um tempo em que bacalhau era prato de pobre, bem ao contrário da galinha mais presente, então, à mesa dos abastados. Os adentrados hão de lembrar da expressão popular antiga e bem humorada: “Quando um pobre come galinha um dos dois está doente”.

Mas é do peru que pretendo falar. Dele e da crise perversa que campeia nas quatro direções da Rosa dos Ventos neste Brasil imenso, injusto e, agora, mais desigual.

Abstraída a esperança que por sabidas razões o Ano Novo nos reserva, este não será um dos nossos melhores Natais. Bem o dizem as piadas que, de uns tempos para cá, envolvem a classe média com suas carências e cartilagens. Fala-se que parte dela, mesmo arrependida de umas tantas burrices, ainda não perdeu a pose: come pé de galinha para arrotos de caviar.

Mas vamos ao peru dos ricos e ao bacalhau dos pobres, cuja tragédia, de tão grave, não deveria admitir o mínimo deboche. Sendo assim, tratemos do assunto com os olhos e os sentidos no passado. Deixemos que disso falem a vivência e o talento de José Lins do Rego, pilarense de quatro costados.

O que ele conta nos remete à sua infância na primeira década do Século 20 e às histórias ouvidas no Corredor, o engenho do avô hoje com a Casa Grande novinha em folha e disposta à visitação pública, porquanto objeto dos cuidados e do zelo dos atuais proprietários.

O capítulo diz respeito aos consertos de carpintaria na moita de engenho sob cujo teto abrigavam-se os tachos, a moenda e a fornalha para o preparo do mel e do açúcar. Lembra José Lins, no icônico “Menino de Engenho”, seu primeiro livro:

***

Eu passava o dia inteiro rondando os oficiais nas suas confidências. Contavam a história de uns carpinas num engenho do Brejo.

O senhor de engenho só mandava para eles bacalhau, na janta e no almoço. Passavam o dia inteiro bebendo água com a boca seca. Um dia um deles disse para o negro que não gostava de bacalhau, que não aguentava mais aquilo.

No outro dia o tabuleiro com a comida chegou: era peru. E peru de tarde. E a semana toda, peru. Num domingo, o mestre saiu para dar umas voltas nos arredores. Viu um negro com uma porção de urubus nas costas:

– O que é isto, moleque?

– É peru pros carpinas.

Os oficiais anoiteceram e não amanheceram na propriedade. E rebentou ferida pelo corpo deles. Estiveram para morrer um tempão.

O POETA DO ABSURDO, por Frutuoso Chaves

Quem já não ouviu falar de Zé Limeira, o poeta popular, o repentista espantoso e divertido nascido em fins do Século 19?

Foi descrito pelos que o conheceram como um tipo excêntrico, um sujeito capaz de botar na chinela muito astro moderno do rock. Conta-se que andava em trajes berrantes, com os dedos cheios de anéis, óculos escuros, lenço colorido e uma bengala de aroeira.

Nasceu na zona rural de Teixeira, sertão da Paraíba, em 1886, despedindo-se desse mundão de Deus à véspera do Natal de 1954. É mais conhecido pelo livro do jornalista, poeta e escritor Orlando Tejo: “Zé Limeira, o Poeta do Absurdo”.

Há quem diga que Orlando Tejo, natural de Campina Grande, fez de Zé Limeira a figura lendária que hoje é. Perguntem isso ao também campinense Bráulio Tavares, escritor, compositor, poeta, dramaturgo e outras coisas mais. E, se quiserem, recorram, via Youtube, ao documentário feito para a TV Senado por Maurício Melo Junior, do qual o mesmo Tejo é o grande mote.

Negro, alto e dono de uma voz poderosa, Zé Limeira chamaria a atenção pelos versos sem sentido, sem pé nem cabeça, notadamente ao descrever passagens bíblicas, ou personagens da história. Interessava-se pela rima e não pelo fato bem contado, até por desconhecer, analfabeto que era, as figuras e os episódios sobre os quais tratava. O “non sense”, então, seria um artifício para enfrentar em desafios de cantoria oponentes mais cultos do que ele.

Diz-se, ainda, que a insuficiência de versos originais fez Orlando Tejo inventar alguns e recorrer a cantadores contemporâneos para aquisição de sextilhas, martelos agalopados e outras modalidades do repente em volume necessário à composição do seu livro. Seja como for, o mito eternizou-se.

Por questão inerente ao decoro, nem tudo o que Zé Limeira improvisou (ou a ele foi atribuído) é publicável em rede social, ou portais de notícia. Eis, então, algumas coisas mais leves. Deram-lhe o mote “Canta, canta, cantador/que teu destino é cantar” e ele tascou:

No tempo do Padre Eterno
Getúlio já governava
Plantava feijão e fava
Quando tinha bom inverno
Naquele tempo moderno
São João viajou pra cá,
Dom Pedro correu pra lá,
Escanchado num tratô…
Canta, canta, cantadô
Que teu destino é cantá

Outras rimas

Quando Jesus veio ao mundo
Foi só pra fazê justiça
Com treze ano de idade
Discutiu com a doutoriça,
Com trinta ano depois,
Sentou praça na puliça

Eu me chamo Zé Limeira
Da Paraíba falada,
Cantando nas Escritura,
Saudando o pai da coalhada
A lua branca alumia
Jesus, José e Maria
Três anjos na farinhada

Tejo relata que Zé Limeira baixou num encontro de repentista patrocinado pelo então governador de Pernambuco Agamenon Magalhães. Sem se fazer de rogado, dedicou esses versos à Primeira Dama do Estado.

Eu cantando pra Dona Antonieta
A muié do Doutor Agamenon
Fico como o Reis Magro do Sion
Me coçando na mesma tabuleta.
Eu aqui vou rasgando a caderneta
De Otacílio Batista Patriota…
Doutor, como eu não tenho                    um brinde em nota
Que possa oferecer à sua esposa
Dou-lhe um quilo de merda de raposa
Numa casca de cana piojota

E, ainda, numa cantoria, ao término da Segunda Guerra Mundial:

O meu nome é Limeira
Limeira, Lima e Limança
Cabra só bota bodega
Se comprar uma balança
Valei-me Nossa Senhora
Tão bombardeando a França

Outros mais

Um dia o Rei Salamão
Dormiu de noite e de dia
Convidou Napoleão
Pra cantá pilogamia
Viva a Princesa Isabé,
Que já moro em Supé
No tempo da monarquia

E, pra terminar…

Eu já cantei no Recife
Dentro do Pronto Socorro
Ganhei quinhentos mil réis
Comprei quinhentos cachorro
Ano passado morri
Mas esse ano não morro

TURMA GENIVAL VELOSO, por José Mário Espínola

Genival Veloso (Imagem copiada de academiamedicina.com)

Aos meus queridos colegas da Turma Genival Veloso.

O momento político continua azedando as relações entre os brasileiros. Tentou me contagiar, mas me sinto curado.

Esperei 5 anos por esta comemoração, pois faltei à festa dos 40 anos. Para aquela festa, comprei camisa nova Volta ao Mundo e um par de sapatos feitos exclusivamente para dançar.
Mas perdi a nossa festa por conta de uma crise braba de labirintite, que me acometeu naquela mesma manhã e me deixou nulo por dois dias.

***

A Turma Genival Veloso é a MINHA TURMA! É um bom pedaço da minha vida. Todos vocês todos fazem parte da minha história.

Com a nossa turma vivi alguns dos melhores momentos de minha vida. Passamos por momentos difíceis: aperto severo no ciclo básico, para derrubar as nossas médias. Mas tivemos bons mestres, com quem aprendemos muito, o suficiente para nos tornarmos bons profissionais.

Quando começamos o curso, foi no Instituto de Matemática. Lá tivemos aulas de Estatística, com Hosana e César. E Metodologia da Ciência, com Serafim Rodrigues.

No Instituto de Química, os nossos professores foram o casal Humberto e Carmem, Carlos Proteína, Everaldo, que fez uma cirurgia das cordas vocais, Isnard e Nely, nas aulas de Química e Bioquímica.

Já no curso profissional, com perdão daqueles que me esqueço, pois a memória distante me trai, lembro-me bem de Gisélia, de Fisiologia, com quem dizem que Edval teve um namorico, e Dr. Haroldo Escorel, coordenador dos cursos de Citologia e Histologia. Os melhores da anatomia foram Dr. Samuel Norat e Dr. Anibal Moura.

***

O Hospital Santa Isabel era o templo da nossa Medicina. Lá, nas suas enfermarias, tivemos a honra de conviver com mestres como Augustão, Herul e Vilibaldo Cabral, na disciplina de 1ª Clínica Cirúrgica.
Na Urologia, Jacinto Medeiros, Osório Abath e Valter Paiva.

Valtinho Sexual e Jacinto trataram a quase metade das blenorragias dos doutorandos de Medicina. E Osorinho operou a fimose de pelo menos metade da nossa turma.

Renato Campelo e Rodrigo Rangel “Ôi-de-bila” ministraram as aulas de Semiologia. Maurílio Almeida ministrou Análise Clínica. Genival Veloso foi o Grande Mestre da Medicina Legal.

Jackson Araruna e Fernando Pezão, da 2ª Clínica Cirúrgica. E Zé Romero, professor “delicado”, nos ensinou muito bem na 3ª Clínica Cirúrgica.

Na Ortopedia, tivemos Dr. Orlando Farias. E Dr. Mororó dava as aulas teóricas de Medicina Tropical. Já as aulas práticas, no Hospital Clementino Fraga, foram ministradas por Dr. Marco Aurélio Barros.

Dr. Mororó gostava muito de Lupicínio, mas num alisava, não!

Ginecologia e Obstetrícia, na Maternidade Cândida Vargas, nos permitiu conhecer o valor de Dr. Everaldo Soares, Dr. Hamilton Cavalcanti e Dr. Orlando Coelho. Que trio! Mas quem mandava mesmo, na maternidade era Dona Cléa, esposa de Dr. Danilo Luna.

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Na Faculdade de Medicina, na Rua Alberto de Brito, Dr. Osmar Mendonça foi o melhor mestre da Parasitologia. E Dr. Atilio Rotta assombrava as alunas da Infectologia. A placa do carro dele tinha o número 7.

Dr. Arnaldo Tavares era imbatível em Patologia. E em qualquer disciplina que ele administrasse, pois o que ele não soubesse, inventava com tanta naturalidade que todo mundo acreditava.

Na Psiquiatria, foi Dr. Eronides Coelho. Ele tinha estrabismo divergente e a gente só abria o caderno no momento em que ele estava olhando de frente para nós.

A Psicologia era uma disciplina familiar, onde Dra. Lourdes Brito costumava dar exemplos de casos clínicos usando os seus parentes.

***

Já no novo Hospital Universitário Lauro Wanderley, Manoel Jaime e Zé Eymard brilharam na Gastroenterologia, junto com Dr. Muribeca.

Uma curiosidade: a turma tinha 108 alunos e a chamada era no final da aula, para evitar fugas.

Nosso colega Chico C-A copiava TUDO. Numa dessas aulas, ele não percebeu que a aula havia terminado e copiou a chamada até o número 17.

Na Medicina Preventiva, tínhamos aulas de Dr. Celso Melo, que apelidamos de Bulbo Seco. E Dr. Geraldo Muniz, que certa vez, ao entrar na classe, como continuassem fazendo muita zoada, chamou a turma de Bataclã, o cabaré da novela Gabriela.

Marcelo Soares era o nosso professor de Nefrologia, e muito gozador. E Luciano Henriques ministrou Otorrinolaringologia.

Na Dermatologia, tivemos Dra. Rosele e Dr. Cartaxo. Foi numa aula da Dra. Rosele que Edval anunciou, com toda a pompa e circunstância, a descoberta de uma nova doença, a Raldose.

Aprendi Radiologia com Océlio Cartaxo, já no novo Hospital Lauro Wanderley. Na Endocrinologia os mestres eram Cacildo Pinto e João Modesto.

Foi na Neurologia que tivemos a honra de conhecer o grande neurocirurgião Dr. Zé Alberto Gonçalves. Além das aulas da Dra. Nancy Viana. As aulas práticas, já no HU, foram dadas pelo exímio Dr. Brito, incansável.

Na Cardiologia, os professores foram Dr. Marcelo Dunda e Dr. Vanildo Brito, com quem comecei a entender Eletrocardiografia. As aulas de Pediatria foram dadas por Dr. Roosevelt Wanderley, Dra. Gilda e Dra. Vilma Boulitreau, além da doce professora Zefinha.

***

Pois é, foi uma vida em seis anos. O lema da nossa turma poderia ter sido “Nói sofri, mai nói goza”. Cada colega deixou a sua marca indelével.

Lembro-me bem de alguns.
Marinaldo, com a sua presença conciliadora. Maria Clara esbanjando simpatia. Barros tinha o ar professoral. Lembram-se de Ana do Dare? Chamava a atenção a extrema simplicidade de Laurindo e o jeito paternal de Seu Fernando.

Havia uma colega que “filava com os pés”. Na realidade, possuía a habilidade de abrir e folhear com os pés o caderno no chão. Diziam que ela treinava embaralhando as cartas e distribuindo com os pés. Mas acho que isso é gozação de Belmont…

Edval era hors concours, com sua voz de locutor. Marcílio Ôião tinha paixão pela Jovem Guarda. Ewerton tinha paixão por Tim Maia. Sebastião era muito sisudo, porém sempre solidário.

Fernando Ôim era muito ingênuo. Era vizinho e muito amigo de Chico C-A, que gastou todos os cadernos da FENAME copiando até as chamadas das aulas.

Temístocles, o nosso querido China, era um colega leal. Arari era o namorador da turma. Jerusa tinha um charme felino, com seu Fusca verde, escrito “Help” na traseira. Magui e Venlusia eram muito cortejadas. Tereza Helena era muito discreta e nunca se valeu da posição favorável de ser filha do Dr. Arnaldo Tavares.

Lupicínio, sempre alegre, com a sua moto conquistadora (se aquela moto falasse…). Belmont era crítico mordaz, mas sempre engraçado com as suas observações. Djalma que o diga… Marconi Poupeiro deixou muitas saudades.

Certo dia, Marconi operou o joelho do pai de Belmont. Após a cirurgia, Belmont perguntou se o joelho do pai voltaria a ser o mesmo, ao que Marconi respondeu: “Belmont: joelho, cabeça e relógio, abriu uma vez, não presta mais”.

Irismar exibia uma alegria inocente. Dênia desfilava com a sua beleza sofisticada. Evanízio era menino demais para ser universitário.

Romero Márcio observava as colegas com um olhar muito sensual e a mão no bolso.

O grande Elias, O Judeu, dava aulas para nós, quando estudávamos juntos. Delfim às vezes exagerava no linguajar. Chico PPLO era multi-ocupado: trabalhava em várias prefeituras e repartições, ao mesmo tempo.

Tinha aquele colega de Pau dos Ferros, o Raimundo Nonato, que Belmont apelidou de Lando Buzanca, por causa do nariz. Grande figura! Nos recebeu carinhosamente na sua cidade. Ele tinha o nariz tão comprido que Belmont dizia que quando ele ficava nervoso mascava a ponta do nariz!

Tinha a turma do sertão, todos excelentes colegas: Diá e Eduardo Bigode, do Vale do Piancó, assim como o discreto Belini. De lá também era Chico Peninha, com seu jeito pidão de ser. Dão saiu de Santa Luzia, mas Santa Luzia num saiu de dentro dele…

É inevitável lembrar-me da cândida liderança de Sonia Souza. E de Leonardo Gadelha e de Cláudio, do Ceará, que eram as nossas duas girafas. E da esperteza inteligente de Ronaldo Garcia. Romualdo Bebé era um colega fiel a toda prova.

***

Todos são meus colegas queridos da Turma Genival Veloso. E será sempre assim que me lembrarei deles.

Invoco a sambista Beth Carvalho, na sua homenagem ao Botafogo: “Quanto tempo esperando este momento, meu Deus/ Deixe eu festejar que eu mereço”.

Não perco esta festa por nada!

É UMA BRASA, MORA? por Babyne Gouvêa

Erasmo Carlos, Wanderléa e Roberto Carlos (Imagem: Wikipedia)

O cantor e compositor Erasmo Carlos, o Tremendão, um dos ícones do movimento Jovem Guarda, encantou-se. De imediato os pensamentos afloraram e me remeteram à adolescência. Quantas recordações, quantos momentos divertidos e, muitas vezes, inconsequentes. Sem perdas e danos, claro!

Fico “viajando” e sonho acordada com as lembranças. Durante conversas com familiares um filme começa a passar na minha cabeça com uma emoção juvenil pulsando ao fundo, enquanto rememoro situações do movimento musical Jovem Guarda, nos anos 60.

Fluem as palavras ao falar sobre a expectativa em torno do dia semanal no qual os representantes do movimento se apresentavam na TV. Semelhante estado de espera quando ocorria show presencial de algum deles, na nossa cidade. Nessa ocasião, me vestia a caráter e, junto com outros adolescentes, cantava e dançava ao som da voz do nosso ídolo e seu conjunto. Formávamos um coral adjuvante.

Roberto Carlos, líder da Jovem Guarda, mereceu uma distinção à parte. Tudo foi permitido para chamar a atenção do Rei. Acessórios decorados com caveira, pingente “brucutu” (retirado do kit do limpador de pára-brisa do carro Fusca, do meu pai), blusa com a pintura do calhambeque, calça comprida colada com final boca de sino, e muita agitação – bem típica de fã adolescente. Foram em vão as apelações do visual. O Rei só focava o microfone, desolando os admiradores.

Shows dos demais cantores e conjuntos do mesmo período musical eram imperdíveis. Anúncio de seus shows provocava frenesi na cidade e alvoroço nas escolas. Na minha casa, em particular, era usada chantagem emocional para comover meu pai e obter permissão para assisti-los.

Matinês e matinais dançantes, no Esporte Clube Cabo Branco, à época da Jovem Guarda, eram bem prestigiadas. Conjuntos musicais caprichavam no eclético repertório e animavam o ambiente levando os dançarinos a exibirem coreografias engenhosas. Alguns deles se destacavam nas flexões corporais e causavam suspiros com os requebros improvisados.

Tempo da adolescência que marcava os primeiros flertes e namoros. Coração disparado quando o pretendente se aproximava para um convite à dança. Mãos suadas, em plena manifestação de ansiedade, só normalizavam depois de constatar o interesse mútuo. Esse encanto era quebrado quando avistava algum familiar espiando nas proximidades.

Assustados, como eram conhecidas as reuniões dançantes entre adolescentes com hormônios em ebulição, aconteciam, geralmente, em residências. Os jovens esperavam ser convidados, obviamente. Decepcionante quando não constavam da lista de lembrados. Solução era participar como ‘penetra’.

Serenatas, muito comuns nos anos 60, nos acordavam ao som de boas músicas, emitindo mensagens do interessado às mocinhas da casa. Aconteceu, também, do repertório constar “Quero que tudo vá para o Inferno”, de Roberto Carlos. O alvo era o nosso pai. Em determinada ocasião, nossos irmãos afugentaram os seresteiros, para a nossa frustração. Chorei envergonhada, e hoje sorrio pensando no ciúme que sentiam das irmãs. Puro cuidado.

Período da Jovem Guarda foi marcante para a minha geração. Teria sido melhor se não tivesse coincidido com a época em que os rapazes vestiam camisa Volta ao Mundo – verdadeiro repelente à atração. Quem a conheceu sabe do que estou falando. É uma brasa, mora?

TRISTEZA PELA ARGENTINA, por José Mário Espínola

Messi ontem, na Copa (Foto: Natasha Pisarenko/NYT)

Na manhã dessa terça-feira, a seleção da Argentina perdeu para a seleção da Arábia Saudita, jogo pela primeira rodada do Grupo C da Copa do Mundo no Qatar. O fato foi muito comemorado por torcedores brasileiros. Não me incluo. Na realidade, fiquei triste.

Primeiro porque não acho correto torcer pela desgraça dos outros. Não é de mim tripudiar sobre quem está por baixo. Tenho a mania de me colocar no lugar deles. Depois, porque me condói a situação do povo do país vizinho.

Há décadas, a Argentina sofre uma crise econômica sem fim, praticamente contínua. Parece até um país em estado de mendicância. Dezenas de planos econômicos, de todos os matizes, lá não sobrevivem. E o país continua pobre.

Ora, dirão vocês, mas o argentino é um povo arrogante! Ainda bem!, digo eu, pelo menos não baixam a crista. Pode ser o ânimo que precisam para reagir e lutar para sair do fundo do poço. Para muitos, até parece que eles só têm o futebol e o tango para se orgulhar, mas eles têm muito mais do que isso. Se não, vejamos.

A Argentina é um dos mais belos países do mundo. A sua situação geográfica faz com que ofereça clima e paisagem para todos os gostos: do calor das províncias mais setentrionais às geleiras do sul, passando pelos grandes vinhedos, que fornecem excelentes vinhos.
Os pampas do norte se continuam pelas planícies de Córdoba. A região de La Plata, onde está a capital Buenos Aires, é uma muito rica e variada.

A cordilheira dos Andes é belíssima, principalmente quando vista do lado argentino. A Patagônia, no extremo sul, é uma região que impressiona pela sua grandeza e diversidade, tanto da geografia como da fauna. Ushuaia é a cidade mais meridional do mundo. E a mais próxima da Antártida.

Bariloche é a estação de esqui dos brasileiros, onde muitos de nós tiveram a oportunidade de conhecer a neve sem ir à Europa. A região dos lagos é muito bonita, e visitada por turistas de todo o mundo, principalmente por nós, brasileiros. Mendoza é uma das maiores produtoras de vinho das Américas.

O tango é um ritmo bastante bonito, e uma dança muito sensual. Buenos Aires tem mais livrarias do que todas as cidades do Brasil. E que livrarias! Jorge Luiz Borges foi um dos maiores escritores que a literatura mundial já conheceu.

A Argentina já deu à humanidade cinco Prêmios Nobel, inclusive dois Nobel da Paz: Carlos Saavedra Lamas, em 1936, e Adolfo Perez Esquivel, em 1980, quando o país ainda estava mergulhado numa ditadura sanguinária.

O cinema argentino é o melhor da América Latina. Seus filmes são de ótima qualidade, excelentes, e se destacam em direção, produção, câmera, fotografia e roteiro. Seus artistas são consagrados no mundo do cinema. O ator Ricardo Darin é um dos melhores do mundo, e é sempre referência de bom filme.

E, se todos esses argumentos não fossem suficientes, a Argentina deu ao mundo católico um dos melhores papas já vistos: o Papa Francisco!

Querem mais do que isso?!

EI, VOCÊS AÍ!… por Frutuoso Chaves

Imagem copiada do Youtube (episódio ‘O Natal do Capitão’, de ‘Os sobrinhos do Capitão’)

Muitíssimo mal explicado o caso da Mama Chucrutz com o Capitão. Calma, falo de outro e não deste agora prestes a sair do Palácio. Falo daquele muito mais velho porquanto nascido em 1897. Daquele que, além do mais, sentou praça na Marinha e não no Exército. Fez isso quando o nazifascismo não era sequer imaginado por quaisquer das mentes mais perversas deste mundão de Deus.

Caso mal explicado, sim. Senão, como justificar cuidados tão grandes de uma dona de pensão com seu hóspede, ao ponto do remendo das calças? Aquela senhora gorda somente se enfezava com o gotoso – não faltou o “s”, o moço sofria de gota – quando implicava este com seus dois anjinhos, duas criaturinhas puras e inocentes, pelo menos, aos seus olhos e sentidos maternais.

Falo aos das gerações dos gibis, em sua fase de ouro. Dirijo-me aos que se lembram dos “Sobrinhos do Capitão”, termo equivocado porque sobrinhos não eram. Trato dos dois pestinhas que infernizavam a existência daquele gordo de barba negra, marinheiro aposentado e, repito, gotoso, acometido dessa doença dolorosa que ataca as articulações.

Atiço a memória dos que se divertiam com as desventuras do Coronel, o inspetor escolar, o cara baixinho de barba branca e comprida sempre na cola dos dois moleques. Também, com a aversão dessa dupla infernal aos bons modos de Lilico, o guri certinho, bem arrumado, o preferido de Dona Josefina, a professora magrela. Afinal, ambos vieram ao mundo, no mesmo parto, para quebrar elos e amarras, para contrariar o controle sistêmico e o politicamente correto.

Nós, mais adentrados, formamos legiões de fãs dessas revistinhas compradas em todas as bancas instaladas em praças e calçadas de cada grande ou média cidade deste Brasil continental. Na verdade, compradas em quase todos os pontos do Ocidente. Por aqui, vendiam tanto quanto Zorro (não o de capa e espada, mas o cowboy mascarado, amigo do índio Tonto), Capitão Marvel, Fantasma, Batman e outros ícones dos quadrinhos.

Divertidíssimos, esses dois personagens nasceram da mente e dos traços do alemão Rudolph Dirks, naturalizado norte-americano. Esse camarada foi o primeiro desenhista a inscrever em balões os diálogos dos gibis. Fez isso, antes do término do Século 19, no suplemento domingueiro do New York Journal.

Fala-se de uma disputa judicial entre William Hearst (dono da empresa) e do criador que, depois disso, deixaria o jornal para imprimir seus desenhos com o selo da distribuidora United Features. Primeiramente, com o título “Katzenjammer Kids”, seguido de “Hans und Fritz” e, por fim, “The Captain and the Kids”. O mercado brasileiro dos gibis é que estabeleceu, indevidamente, o parentesco do velho marinheiro com os meninos.

Aos mais novos, esclareço que as histórias de Hans e Fritz se passavam em colônia alemã, numa ilha tropical. E que o sucesso de público fez com que a impressão não fosse interrompida mesmo no transcurso da Segunda Grande Guerra. Os dois pirralhos, maiores, então, do que o sentimento antigermânico, foram inspirados em “Max und Moritz”, criação, décadas antes, de Wilhelm Busch, poeta, pintor e caricaturista alemão que muitos têm, de fato, como precursor dos quadrinhos.

Leitura recente me deu conta de que, em 1938, “Os sobrinhos do Capitão” – vamos tratá-los assim – tornaram-se a primeira série animada produzida pela Metro-Goldwin-Mayer. Também, da pouca receptividade dos desenhos cancelados um ano em meio depois do lançamento, ao cabo de uns 15 filmes. Não importa, pois melhor do que nas telas era tê-los no bolso. Ou não era?

O PIRRALHO DE GARANHUNS ESTÁ CERTO! por Francisco Barreto

Imagem: moneytimes.com.br

O sol há de brilhar mais uma vez                 

A luz há de chegar aos corações                 

Do mal será queimada a semente               

O amor será eterno novamente             

(Nelson Cavaquinho)

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LER SÓ FAZ BEM, por Babyne Gouvêa

Não há terapia melhor para ressaca eleitoral do que a leitura de um bom livro. Pois bem, foi o que fiz e tenho feito. A leveza do escritor japonês Haruki Murakami, por exemplo, expulsa os nós da alma e enriquece as artérias do espírito com a singeleza de sua escrita.

Como aves que pairam no ar sem mover as asas, o leitor se concentra no texto com olhar vidrado nas letras. Nenhum movimento físico é sentido, apenas o intelecto trabalha e se deleita. Essa é a minha análise sobre o livro “Sul da Fronteira, Oeste do Sol”, do H. Murakami.

No período pré-eleitoral, a efervescência do momento me provocou ansiedade. Procurei na literatura desviar o incômodo do meu estado emocional. Li “Véspera”, terceiro livro da escritora mineira Carla Madeira.

O livro da autora do premiado “Tudo é Rio” me provocou efeitos colaterais benéficos. A leitura suscitou curiosidade em ler o restante da sua bibliografia, ora na minha lista de espera. A escrita da autora mineira estimula desejo de mais leituras e resulta num ciclo vicioso literário de puro prazer.

Após viagens enriquecedoras pelas literaturas japonesa e brasileira, aterrisso na chilena, ou melhor, na literatura de língua espanhola. Isabel Allende, determinada e com senso de humor, nos conduz no seu livro “Violeta” por uma vida turbulenta na forma de um romance épico, inspirador e profundamente emocionante.

Sigo adiante o caminho das letras – seguramente, melhor fármaco para o enfado pós-eleição. Sob os meus olhos, no momento, está o “Adeus, Gana” da escritora inglesa Taiye Selasi, de origem africana. Seu primeiro romance narra drama familiar marcado pela dor do abandono. Com maestria a escritora alterna tempos e lugares na construção de sua narrativa, num estilo de escrita que desperta as emoções do leitor.

Próximo da lista será um livro da literatura norte-americana: “A Fonte da Autoestima: ensaios, discursos e reflexões”, de Toni Morrison – uma das escritoras mais importantes do século XX. Meus olhos, em compasso de espera, já começam a especular a elegância literária e intelectual da grande escritora.

Costumo receber e transferir referências de livros num efetivo intercâmbio de ideias. Nesse clube informal há comentários sobre determinada obra, com fomento à leitura. Sempre com cuidado de não cometer spoiler. Afinal, o livro precisa ser sempre uma descoberta.

Culturalmente, podemos assegurar que a leitura rompe as fronteiras e adentra novos mundos. A aprendizagem por meio da leitura auxilia na troca de interações e culmina, naturalmente, na reflexão do nosso papel no contexto social. Ademais, equilibra o emocional pós-eleitoral. Esses são apenas alguns dos diversos benefícios dos livros.