VIDA, por Lúcia Maia

Jardim das Tulherias, em Paris, França (Creative Commons)

Como contar uma história que nos afeta? Esta é uma história que poderia começar por era uma vez…

Eu tinha 20 anos. Naquele tempo, garotas do mundo inteiro faziam política estudantil e começavam a falar em público. Uma revolução de costumes estava a caminho, a vida iria mudar radicalmente para a mulher. Muitos países da América Latina viviam ditaduras militares.

Como deuses, criávamos futuros.

Foi num dia agitado de passeata, com centenas de estudantes na rua que uma amiga me apresentou o irmão. Começara a chover e uma tropa de policiais armados avançava em nossa direção. Ele segurou minha mão para corrermos da polícia. Ele dizia palavras de ordem e as garotas distribuíam panfletos.

A noite caíra sobre nós. A tropa parecia passar em câmara lenta sob um som ensurdecedor. Reuniões e passeatas se espalhavam pelo país e pelo mundo. Líamos, discutíamos e estudávamos, no ambiente frenético daqueles que pretendiam construir um mundo novo. Era 1968. Tudo era só inquietude. As coisas trocavam de lugar com uma velocidade extraordinária.

A vida pulula em casa, na rua, na universidade, nos museus. Em meio a essa ebulição, nos apaixonamos.

Um dia, foi decretada a prisão preventiva do meu namorado. Ele exilou-se em Paris. Um ano transcorreu durante essa separação forçada. Um ano denso, cuja dimensão o tempo do relógio não sabe computar. A paixão viajava por cartas, muitas, toda semana chegavam cartas e cartões postais. Naquele tempo não se tinha acesso às ligações internacionais como hoje.

Quando já não era possível tanta ausência, nos casamos. Por procuração. O marido da irmã dele o representou na cerimônia civil. Era março de 1970. Foi uma cerimônia estranha, poucos amigos presentes, alguns estavam na prisão, eram dias de inquietude. Mas, eu tinha uma família grande e muitos compareceram.

Um misto de medo e vontade de encontrá-lo tomava conta de mim. Partia desprevenida, sem conhecer a língua daquele país e não sabia como se vivia numa cidade cosmopolita. A vontade era maior do que o medo. Tomei um avião e fui ao encontro do homem que, então, tornara-se meu marido. Eu tinha 21 anos; ele, vinte e quatro.

Um mundo novo, a velha Europa: cultura, língua, história, paisagem, clima, comportamento, tudo seria diferente para nós. Ali ficamos juntos cinco anos sem nenhuma volta ao Brasil. A ditadura perdurava.

A paixão se transformou em amor. Não tínhamos nada e tínhamos tudo: a Rive Gauche, o Sena e seus bouquinistes, a Notre-Dame e seus concertos de órgão, o Quartier Latin e suas ruelas ancestrais com restaurantes de cozinhas do mundo inteiro, o Boulevard St. Michel e suas inúmeras livrarias, o Boulevard St.Germain e os incontornáveis cafés, a Sorbonne ainda em chamas de mil protestos, o Jardim de Luxemburgo o primeiro a revelar as estações do ano, ora, primaveril e policromático, ora outonal em cores amarelas, marrons, e vermelhas de uma beleza estonteante, ora todo branco de neve.

Quando chegavam os primeiros dias de verão, a alegria do parisiense explodia num humor irreverente, não raro um estudante desnudava-se e entrava no lago diante dos muitos frequentadores do jardim, a polícia logo chegava para restabelecer a ordem; havia também o costume de jogarem água sobre os passantes do Boulevard, era um tipo de celebração com a chegada do calor, após tantos meses de frio entocados em ambientes fechados.

Já o jardim das Tulherias era a paisagem para o repouso após as visitas ao Louvre, o Bois de Boulogne e suas tardes de domingo com crepúsculos desatinados e o parque Montsouris refúgio dos estudantes da cidade Universitária no Boulevard Jourdan.

Havia o Louvre, o Grand-Palais e o Petit-Palais, havia o Jeu-de-Paume e sua coleção dos impressionistas e ao seu lado o Orangerie; havia as galerias de arte da rue de Seine, e mil outros museus que descobríamos ao longo dos anos, quando nos aventurávamos pela Rive Droite a flanar pelas Passagens do século XIX sobre as quais falou Walter Benjamin, as galerias do Palais Royal, Vivienne, Panorama e tantas outras verdadeiras joias de bouquinistes, pequenas lojinhas de luxo e beleza.

O que eu mais gostava era das exposições periódicas do Grand-Palais. Reuniam toda a obra de um pintor, até mesmo as telas de coleções privadas, cuja apresentação didática informa sobre o artista, o movimento a que pertencia, o contexto histórico. Assim fui descobrindo a arte, formando um gosto estético.

Havia bibliotecas e muitas livrarias. Havia o programa de TV Bouillon de culture de Bernard Pivot, para falar de leituras. Não havia o Beaubourg nem o D’Orsay. Na estação de trem ainda havia trânsito e em 1972 instalou-se o Teatro d’Orsay de Jean-Louis Barrault e Madelaine Renaud, que encenava peças de autores contemporâneos, Beckett, Sarraute, Duras.

Cantinas, tabernas, restaurantes, cafés eram o novo cenário dos acontecimentos. Em Paris encontramos uma miscelânea de pessoas, intercâmbio de muitos mundos, um carrefour excepcional de estudantes de várias partes do mundo. Logo se descobre que de longe se vê melhor: surpreendia a quantidade de informações do nosso próprio país, pois aqui dentro não se tinha acesso.

Estabelecemos ali, no calor dos acontecimentos a nossa rotina da vida a dois e de estudantes.

Lá viviam ainda Picasso, Sartre, Simone de Beauvoir, Beckett, Cioran, Duras, Henri Lefebvre, Malraux, Claude-Levi-Strauss, Raymond Aron, Lucien Goldmann, Michel Foucault, Lacan, Rolland Barthes, Phillippe Sollers, Julia Kristeva, Baudrillard, Gilles Deleuze, Félix Guattari, Jacques Derrida, Michel Rocard, Georges Marchais, Mitterand, Giscard d’Estaing, Godard, Truffaut, Jean-Seberg, Yves Montand, Jacques Brel e Barbara. Celso Furtado ensinava na Sorbonne e no IEDES no Boulevard Arago. Eram os anos em que a França acolhera muitos exilados da América Latina. Era o tempo dos Beatles e dos Rolling Stones.

Um dia os sinais de declínio foram ficando visíveis. O acontecimento perdera o ritmo e a substância ou se transformava em algo diferente. Cinco anos se passaram. A vida começou a se arrumar para ficar do jeito que ela é hoje. Não sei como nem em que momento deixamos de nos amar. Veio a separação. Ele decide voltar para o Brasil, eu decido ficar. Conhecia o mundo, aprendera a viver e a pensar de outro modo.

Aprendera que nada no mundo era mais difícil do que o amor.

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  • Lucinha e Francisco são sobreviventes dos anos de chumbo
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O SOLDADO JAQUEIRA, por Jesus Soares Fonseca

Imagem copiada do cartaz do filme ‘Pistoleiros – Vingança sem perdão’ (2017)

Na década de 1950 e começo da de 1960, o Sertão do Nordeste era assolado pela lei da pistola, notadamente nos estados de Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Alagoas.

Indivíduos inescrupulosos de maus instintos pouco ou nenhum valor davam à vida de seu semelhante. Eram pessoas temidas que apavoravam aqueles que tinham algum desafeto.

No vale do Piancó, precisamente entre os municípios de Piancó e Misericórdia, hoje em dia Itaporanga, surgiu um desses indivíduos, de nome Luquinha, que se tornou um dos maiores pistoleiros da Paraíba, senão do Brasil, segundo alguns exagerados.

Sua origem é duvidosa. Uns dizem que era de São Francisco do Aguiar, hoje em dia Aguiar; outros, que nascera em Boqueirão dos Cochos, que emancipado tornou-se Igaracy. Era um indivíduo de estatura baixa, atarracado, mas altamente perigoso.

Sabe-se que ele matou, a soldo, muita gente, porém nunca foi preso, pois era acobertado por grandes fazendeiros, políticos inescrupulosos, razão pela qual várias lendas foram criadas a seu respeito.

Dizia-se que quando a polícia chegava para lhe prender, ele virava um sapo ou uma formiga. Estórias espetaculares, fantasiosas, criadas exatamente para esconder o porquê, realmente verdadeiro, de nunca ter sido preso.

Em Misericórdia, havia no destacamento da Polícia Militar um soldado de nome Jaqueira, pessoa de bem que sentara praça porque, quase analfabeto, não tinha como sustentar mulher e três filhos.

Jaqueira não era destemido e procurava sempre fugir da violência, comportamento completamente oposto a um militar, notadamente soldado de uma milícia.

Certo dia, chegou à cidade uma volante da Polícia Paraibana, todos a paisana, com a missão de prender Luquinha.

Jaqueira, que no princípio da carreira trabalhara militarmente no município de Piancó, mais precisamente em Boqueirão dos Cochos, conhecia e era conhecido por Luquinha. O Delegado, então, o designou para acompanhar aquela volante na missão de acabar com as peripécias do pistoleiro.

Resignado e naturalmente muito amedrontado, Jaqueira juntou-se aos milicianos, todos a paisana, em uma camionete com a carroceria coberta, com capacidade para 12 passageiros, seis de cada lado.

A patrulha era composta, com Jaqueira, por onze militares. Partiu de Misericórdia em direção à região supostamente frequentada por Luquinha, entre os distritos de São Francisco do Aguiar e Boqueirão dos Cochos.

A distância entre Misericórdia e Boqueirão dos Cochos é de 39 km, aproximadamente. Quem faz tal viagem passa por um primeiro triângulo no sitio Pitombeira, com bifurcação à direita para Piancó e à esquerda para Boqueirão.

Do sítio Pitombeira, segue em frente até outra bifurcação, no sítio Angico Torto, nas proximidades de Boqueirão.

Nessa bifurcação da estrada, havia, na época, uma barraquinha onde o viajor fazia seu lanche, geralmente composto de garapa (caldo de cana) com pão doce. Foi ali que o comandante da volante, vendo o enfado que a viagem já provocara, fez uma parada para descanso.

Um cidadão usando um chapéu tipo ‘sombrero’ mexicano entabulou conversa com o chefe da milícia e lhe pediu carona até as proximidades de São Francisco do Aguiar.

O comandante relutou um pouco em atender ao pedido, vez que se tratava de missão sigilosa, mas, papo vai e papo vem, pressentiu que aquele senhor conhecia por demais a região e poderia lhe ser útil mais adiante. Concedeu-lhe, então, a carona, já que havia na camionete uma vaga, ainda.

Durante a viagem, o carona não tirava os olhos de Jaqueira, deixando-o muito nervoso. Nas proximidades de Aguiar, o homem do sombrero desceu e agradeceu o favor recebido. A viagem prosseguiu.

Um quilômetro à frente, o centro da localidade. Ali a viatura parou, os soldados desceram em frente à cadeia pública local. Nesse momento, o tenente notou que a calça de Jaqueira estava toda molhada:

– Soldado, o que foi isto? Você urinou nas calças?

– Seu Tenente me adescupe, eu mijei, mermo!

– Por que, soldado? Por que está choroso?

– É qui, chefe, aquele home na camionete era Luquinha e ele não tirava os ói de mim… Fiquei com medo dele me matar!

– Soldado, você é um bosta, uma vergonha! Você fica por aqui, não volta mais com a gente.

Semanas mais tarde, Jaqueira foi eliminado dos quadros da PM.

***

No sertão da Paraíba, muita gente diz ‘drumir’, em vez de ‘dormir’. Na primeira pessoa do presente do indicativo, então, é comum alguém falar “eu drumo”.

Há até uma expressão bastante usada para demonstrar esperteza: “E eu drumo?”.

***

Lá em Misericórdia, Jaqueira e família eram nossos vizinhos, na Rua 5 de agosto. Moravam numa casa de propriedade de Sula de Enéas, casa esta que tinha um alpendre, depois da cozinha em direção ao muro, com uma meia parede separando-o de nossa casa.

Durante sua exoneração, a mulher, por diversas vezes, pediu colheres de açúcar a minha mãeba fim de consolar os filhos famintos com uma garapa.

Mãe a atendia, mas, em vez de açúcar, dava sopa de arroz feita no caldo de feijão, como só ela sabia fazer.

Pois bem, Jaqueira, sofrendo demais juntamente com a mulher e os filhos, todos pequenos, ainda pela falta de trabalho, resolveu falar com Dr. Balduino, médico na cidade e deputado estadual. Contou-lhe toda a situação.

O deputado, que tinha muito prestígio no governo de José Américo de Almeida, conseguiu reengajar Jaqueira nos quadros da Polícia, e, desta vez, como cabo.

Um conhecido dele, ao encontrá-lo todo orgulhoso pelas duas fitas que exibia no fardamento, falou:

– Jaqueira, tu já és Cabo?

E Jaqueira, todo ufano, respondeu:

– E eu drumo?

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SEMPRE AMIGOS SEREMOS, por Francisco Barreto

Humberto Espínola

Nos longínquos idos de 1956 estivemos juntos no Pio X, sob a batuta de Irmão Daniel. Estivemos juntos na arredia e atemorizante trincheira até sermos aprovados no 5º ano primário. Convivemos na escalada rumo ao ginásio.

Lembro-me perfeitamente do seu espírito buliçoso e inteligente plantado numa pequena frágil matriz corpórea quase esquelética. Era amplamente conhecido pela sua irônica rapidez mental e se distinguia apesar de sua estatura desigual.

Sempre com igual arrebatamento estivemos sempre juntos no Lyceu Paraibano, após o que nos enveredamos na Faculdade de Direito no advento da Ditadura.

Éramos jovens combatentes irascíveis em defesa do Estado de Direito e das Liberdades Civis. Fomos silenciados. Você por um triz conseguiu ser bacharel em Direito, quanto a mim a perseguição prosperou com violência, fui cassado e exilado. E você, “banido” para o Amapá.

Nunca em várias décadas nos deixamos de cultivar o afeto que com muita força aflorou na década de oitenta. De lá para cá em caminhos oblíquos nunca nos separamos “malgré” as distâncias geográficas.

A vida nos foi pródiga, propiciando enormes proximidades afetivas. Apesar dos lapsos físicos, fertilizou os nossos fraternos laços, embora fraturados tal como almas gêmeas.

Assim, hoje celebramos uma afetividade que emergiu na década dos anos cinquenta. São muitas décadas comprovando o enunciado de que o afeto é como vento que apaga as pequenas e acende as grandes chamas…

Se transitamos por vezes nas cinzas da distância, estas fertilizaram as raízes de nossa amizade.

Você, na silenciosa humildade, introspecção e grandeza de caráter, herdadas do Doutor Professor Francisco Floriano da Nóbrega, seu venerado pai, sempre se refugiou no silêncio nas suas importantes contribuições dadas ao ordenamento jurídico e ao caráter democrático da constitucionalidade que sobrevive a duras penas nesta pobre Nação.

Louve-se o seu quase nunca noticiado desempenho na Comissão de Direitos Humanos da OEA ou no assessoramento parlamentar de múltiplas emendas à Constituição Cidadã do Dr. Ulysses Guimarães ou no advento da Comissão da Verdade no Ministério da Justiça.

Os brasileiros do bem devem a você gratidão eterna por seus extremados cuidados à reparação dos crimes da Ditadura e tantas outras incursões que sei que o fez alimentando e corrigindo anteprojetos de lei no Congresso Nacional. Cite-se também a Lei da Delação Premiada inclusa no Direito Penal brasileiro.

E agora, nós que lhe conhecemos os gestos grandeza, nos sublimamos e nos exaltamos quando reconhecemos o seu protagonismo no desconhecido lastro e raízes que sedimentaram a Lei 9.140, de 4 de abril de 1995, que reconheceu como mortas todas as pessoas que despareceram ou foram mortas vitimadas pelas ações criminosas da Ditadura Militar.

A Certidão de Óbito de Rubens Paiva, exibida como cimo da gloriosa e bravíssima luta da grande Eunice Paiva ao lado dos filhos e erguida pelas suas corajosas mãos, confirmaram ao Brasil e ao mundo a brutalidade sacramentada pelo governo brasileiro ditatorial em 1975.

Deus quis que você, Humberto Espínola, fizesse a redação final, em coautoria com o Ministro da Justiça José Gregori, do fundamento da citada Lei 9.140/95. Sabemos que veio do seu pensamento e lavratura de decisão judicial e legal de que a cada desaparecido político fosse dado o reconhecimento jurídico de sua morte por um Juiz de Direito, concedendo de pleno e inquestionável direito a Certidão de Óbito da vitima trucidada.

A dura e absurdamente violenta a história da imolação de Rubens Paiva, ora encenada no ‘Ainda estou aqui’, ressuscita o lado violento e mortal da Ditadura para que milhões saibam do que nós vivemos num passado recente.

E que homens do bem e protagonistas da verdade histórica, tempos depois, tiveram a consciência e magnanimidade de não serem cúmplices de inverdades e não permitiram que maldade e a violência continuassem soberanas da miséria politica no cenário de uma violenta e desumana ditadura militar.

A todos que empunharam a verdade, sobremodo aos aqui citados protagonistas da Lei 9.145/95 nossas mais expressivas homenagens.

A Humberto Espínola, o meu estimadíssimo amigo e compadre, cumpre-me reconhecer a sua conduta histórica externando todas as merecidas reverências honrosas pelo distinguido feito jurídico.

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CARTA A UMA AMIGA ESPECIAL, por José Mário Espínola

Crédito: Jack The Mask

Querida amiga,

Outro dia você disse que eu iria para o inferno pretinho e de cabeça pra baixo. Não me importei muito, até achei engraçado.

Não que eu ligue muito pra essas coisas, mas o fato é que o inferno não é um destino muito atraente, para mim. Pelo menos nunca planejei ir até lá.

É verdade que dificilmente encontrarei alguns chatos lá embaixo. Jamais vou me deparar com carolas. Por isso eu acho que lá não se é obrigado a ouvir todos os dias as epístolas de São Paulo. Nem salmos responsoriais. Meu Deus!

Estarei sempre em boas companhias. Provavelmente boa parte dos melhores escritores clássicos se encontram no inferno: o Marquês de Sade, Cúzio Malaparte, Adelaide Carraro, Oscar Wilde, Sergio Porto, Nelson Rodrigues, Henry Miller, João Ubaldo, D. H. Lawrence, Masoch, Carlos Zéfiro e muitos outros.

Vai ser uma alegria encontrar Norma Bengel, Dercy Gonçalves e Costinha! Sargentelli com as suas melhores Mulatas. A maioria das vedetes do Rio e São Paulo, também. Êpa!

Os corruptos e toda a turma do Centrão vão para lá pra baixo, acredito. A minha dúvida é saber se os hipócritas conseguem enganar a turma do Céu, e subir para lá.

Os falsos cristãos, os fascistas e os falsos patriotas também devem estar no inferno. Mas nos confins dos infernos eles têm que usar crachá especificando o motivo de terem descido. Assim fica mais fácil evitá-los. Assassinos e estupradores jamais são encontrados pelas ruas de lá, pois são torrados logo que chegam, acredito.

***

Amiga, quando você rogou a sua praga, apenas lhe pedi que pelo menos não fosse de cabeça pra baixo, pois, como você sabe, eu sofro de labirintite, e poderia ter uma crise, quando estivesse descendo. Pelo menos nisso você até concordou e me deixou de cabeça pra cima. Mas hoje estou muito preocupado. Explico por que…

Embora tenha nascido em Patos, uma das cidades mais quentes do nosso Estado, criei-me em João Pessoa e me adaptei às temperaturas daqui.

Patos, Sousa, Pombal, todas têm calor infernal. Quando estou lá, a sensação que eu tenho é que estou dentro de uma terrina de sopa. Você já andou dentro de uma terrina de sopa? Eu também não, mas imagino como deve ser.

Foi o calor infernal que está fazendo aqui, neste verão, o que me deixou realmente preocupado. Aqui na terra está um inferno. Fiquei pensando: se aqui está assim, imagina no dito cujo!

O homem está destruindo o mundo, o que pode ser visto e sentido nos últimos anos: temporais nunca antes visto no lado de baixo do Equador, alternando-se com secas apocalípticas. Quem diria, cinco anos atrás, que um dia a gente veria o rio Amazonas secar?!

Aqui em nossa cidade temos pelo menos uma brisa aliviante, quando estamos à sombra. Que eu saiba, no inferno não tem sombra. Nem brisa.

Em quanto estará a temperatura no inferno? Você tem notícias de lá? Seu guia provavelmente tem.

Será que lá não tem umas suítes para clientes especiais, do tipo Sala Vip dos aeroportos? Para aqueles hóspedes que têm cartão Black da Sicredi, por exemplo? É justamente o que eu tenho! Ou cartão American Express, como quer a amiga Aparecida.

Se não tiver, acho que vou precisar muito da ajuda dos amigos, dos parentes e de todas as pessoas que rezam muito, para ver se eu consigo ir pra destino melhor. Ou, se não conseguirem me despachar lá pra cima, invertendo a rota, que pelo menos garantam um lugar numa Sala Vip do inferno. Senão eu vou morrer de calor por lá!

Do seu sempre amigo bem intencionado,

Zé Mário

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Reencontro mostra sucesso profissional de ex-alunos da UFPB

por Rubens Nóbrega

Ademar, segundo à esquerda, confraternizando-se com colegas e ex-alunos

O Correio da Paraíba de 2 de março de 1996 publicou matéria de destaque informando que a Honda de Manaus (AM) aprovara no dia anterior 11 alunos de duas universidades nordestinas na concorrida seleção que naquele ano a empresa abriu para 17 vagas.

Sete dos selecionados estavam por concluir Engenharia Mecânica na Universidade Federal da Paraíba (UFPB), campus de João Pessoa, dois em curso similar ministrado na mesma instituição em Campina Grande e outros dois estudavam na Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).

Notícias como aquela eram frequentes na produção da Sala de Imprensa da UFPB, que me teve como coordenador nos reitorados de José Jackson, Neroaldo Pontes e Jader Nunes. A fonte das informações era sempre a mesma: Ademar Cândido Simões Lins, coordenador de estágios do Centro de Tecnologia (CT) da Universidade.

Professor de Engenharia Mecânica, curso no qual ingressou como aluno em 1972, Ademar ensinou Termodinâmica e outras matérias afins da área de Energia Solar. Tudo isso acumulando sala de aula, laboratório e campo com a Coordenação de Estágios do CT, para a qual foi eleito cinco vezes entre 1984 e 1998, ano em que se aposentou.

Nesses 16 anos, seguramente transformou-se no maior ‘exportador’ de força de trabalho qualificada formada pela UFPB. Espalharam-se pelo mundo e no Brasil estagiários que Ademar levou para indústrias da Paraíba, do Nordeste, da Zona Franca de Manaus e de outras regiões do país.

Que o diga o paraguaio Ramon Talavera. Graduado em Mecânica na UFPB (João Pessoa) em 1992, ele criou e aperfeiçoou departamentos de engenharia de segurança no trabalho em empresas do seu país. Iniciativa que motivou, inclusive, a criação de mestrado específico na Universidade de Assunção, da qual é professor.

Sobre o ‘efeito Ademar’ em sua vida que o diga também o brasileiro Hugo Dias Rocha, outro egresso da Engenharia Mecânica da UFPB, soteropolitano que roda o planeta trabalhando para empresas da China, África do Sul, Nigéria, El Salvador…

Dá para incluir entre os beneficiários do caça-talentos de Ademar Lins alunos de outros cursos além daquele ao qual estava vinculado no CT/UFPB. Alunos das engenharias oferecidas no Centro de Ciências e Tecnologia (CCT) da UFPB em Campina Grande, por exemplo.

Alunos como João de Almeida, Vânia de Araújo, Luciano Nobre e Maurício Santana (Engenharia Mecânica), Augusto Porto, Augusto Lisboa e Nivaldo Portela (Engenharia Elétrica), que se juntaram a Edson Nakamura (Mecânica do CT) para conquistar as oito vagas oferecidas em seleção promovida em fevereiro de 1977 pela Sharp do Brasil.

O então reitor Neroaldo Pontes e seu sucessor, Jader Nunes, sentados lado a lado (na frente), reunidos em Manaus com estagiários da Honda, todos alunos da UFPB (foto de 1966 do acervo de Ademar Lins)

Registro do encontro em rede social

Ademar não diz, mas ele deve ter priorizado no seu tempo de coordenador de estágio a inserção de seus estagiários em empresas japonesas. Preferência muito provavelmente ligada ao rigor de provas e critérios, reconhecidos e copiados mundialmente, que eram aplicados por aquelas multinacionais na escolha de seus empregados.

Por essas e tantas outras, aos 72 anos Ademar Lins não perde o contato, a amizade, a admiração e gratidão dos seus ex-alunos e contemporâneos de magistério. Tanto é assim que a cada ano eles se reúnem em João Pessoa para memoráveis e agradáveis confraternizações.

O último desses encontros aconteceu ontem (28) em uma churrascaria da capital paraibana. Engenheiros, engenheiras, professores e convidados trocaram lembranças, lamentaram ausências e se disponibilizaram para novos reencontros.

Foi uma celebração de reverência ao passado em comum na Universidade e ao sucesso profissional que muitos alcançaram. Algo que tem origem “no quanto o Professor Ademar batalhou pelo futuro de muitos alunos”, conforme lembrou e reconheceu um deles nesse sábado.

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ÉÉÉ CAMPEÃO! ÉÉÉÉ CAMPEÃO! por José Mário Espínola

Campeões exibem as duas taças conquistadas no ‘Ano Mágico do Fogão’

“Quando eu estou aqui
Vivendo esse momento lindo”
(‘Emoções’, Roberto Carlos)

São tantas as emoções, que haja coração! Uma semana depois de ser campeão da Taça Libertadores, voltamos a erguer outra taça! Pois eis que o grande dia chegou: após três décadas sem um título importante, a nossa estrela solitária voltou a brilhar: o Botafogo de Futebol e Regatas voltou a ser campeão brasileiro! Dentro desse período não posso esquecer a Copa CONMEBOL de 1993. Mas não chega à importância de uma Libertadores.

Já o Campeonato Brasileiro, a última vez que isso aconteceu foi com o time maravilhoso liderado pelo irreverente Túlio Maravilha, e dirigido por Paulo Autuori, em 1995. Ao longo desse caminho, o tempo de uma nova geração, nós torcedores alvinegros amargamos muitas decepções, como três rebaixamentos para a segunda divisão.

Em 2007 chegamos perto, com um time que era uma verdadeira seleção, comandado por Cuca, e tendo como astro maior Dodô, o Artilheiro dos gols bonitos. Esse time jogava por arte!

Ano passado quase chegamos lá, com um time que tinha um futebol encantador, repleto de jogadores paraibanos. Porém a equipe subitamente desabou, vítima das “forças ocultas.” Tenho forte convicção que foram essas tais de BET, praga que invadiu o Brasil em 2023. Mas este ano ninguém segurou o Glorioso, e fomos campeões do Brasil, apenas uma semana após termos conquistado o título da Taça Libertadores, em Buenos Aires!

São tantas emoções, me sinto em estado de graça, flutuando 10 centímetros acima do solo! Sou capaz de atravessar uma piscina sem molhar os pés!

***

Tanta glória de repente, deve-se muito ao fato de que o time foi comprado por um megaempresário americano, John Textor, que é proprietário de vários times pelo mundo. Ele lembra (no bom sentido, claro) o bicheiro Emil Pinheiro, que em 1989 investiu no Botafogo, e tirou o time do longo jejum de 21 anos sem título.

Retornando à 1ª Divisão do futebol brasileiro, após passar o ano de 2020 na Segundona, em 2022 o time tornou-se Sociedade Anônima de Futebol – SAF, que permite que uma equipe brasileira se torne uma empresa. Já no ano seguinte, 2023, apresentou um futebol encantador, graças aos jogadores adquiridos pela SAF, e ao técnico português Luiz Castro, que abandonou o clube, seguindo para as Arábias. Mas não logrou êxito.

Este ano, com outro técnico português, o excelente Artur Jorge, finalmente conquistamos os dois grandes títulos!

***

Torcedores botafoguenses em estado de graça

A superstição do torcedor do Botafogo é proverbial. Quando o time perde não admite que jogou mal. Sempre para ele tem por trás alguma causa extrafutebol: o goleiro não se benzeu ao entrar no campo; o atacante pisou no campo com o pé esquerdo; o meião veio de cor trocada… E por aí vai.

Existem histórias deliciosas que ilustram essa superstição. Um dos maiores torcedores do Botafogo que eu conheci, João José Moreira Neto, era também o mais supersticioso.

No dia 21 de junho de 1989 o Botafogo estava disputando o campeonato carioca com o poderoso Flamengo. Estava há 21 anos sem título, e todos nós estávamos muito nervosos. Moreira assistia ao jogo em seu gabinete privado, na sua casa, quando Zico foi cobrar uma falta perigosa. Era tão perto da área que, para Zico, era como se fosse um pênalti.

Para não ver o gol do Flamengo, Moreira aproveitou e entrou no banheiro. Quando estava lá dentro, Zico errou a falta, o goleiro Ricardo Cruz jogou a bola para Carlos Alberto, que correu e lançou para Mazolinha. Este lançou para Maurício, que entrando na área do Flamengo fez o gol do título.

Pois bem, Moreira não quis mais voltar para o gabinete: tinha medo de sair do banheiro e o Flamengo empatar! Assistiu o resto do jogo de dentro do banheiro, através de um jogo de espelho que Lena, sua esposa, proporcionou, usando a penteadeira!

A seu convite, costumávamos assistir ao jogo em sua casa: eu, meu irmão Silvino, o engenheiro Fernando Dias e o grande Soutinho. Certa vez, numa tarde de domingo fomos assistir um jogo do Botafogo contra o Vasco.

Nessa tarde Soutinho, vaidoso, chegou exibindo a sua nova camisa do Botafogo. Começou o primeiro tempo, e só dava Botafogo. Atacava, atacava, e a bola não entrava. Aí o Vasco fez um gol: 1 a 0!

Percebi que Moreira passou a olhar de viés para Soutinho. No intervalo descemos para apreciar um dos deliciosos pudins que Lena fazia. Mas Moreira não acompanhou. Logo mais ele chegou com uma camisa polo sua e atirou para Soutinho, dizendo: “Troca. Você nunca assistiu jogo aqui com camisa nova!”

Depois disso o Botafogo virou o jogo, e venceu por 3 a 1! Moreira falou: “Eu num disse?!”

Esse era o Grande João José Moreira Neto, que deve ter assistido as nossas recentes conquistas na TV lá do céu. O nosso amigo comum, também torcedor José William Montenegro, que o conhecia muito bem, imagina Moreira irrequieto, vibrando, dando trabalho a São Pedro:

“Moreira, fique quieto! Moreira, silêncio! Moreira, olha o respeito!”

***

Na Torcida do Ricão, a sensação é a mesma de estar dentro de um estádio

Nós temos duas grandes torcidas alvinegras, aqui na cidade: a JPFogo, mais antiga, liderada por Joca Peixoto, e a Torcida do Ricão.

Ricardo Jorge, ou simplesmente Ricão, o líder e presidente da torcida que leva o seu nome, fez em sua casa um, digamos, “segmento” de estádio. Até arquibancada tem!

As mesas e cadeiras dão para uma parede que é o imenso telão. A sensação de que você está num estádio é tão grande que, quando a bola passa raspando a trave, você ouve: “Uuuuhhhh!”

Lá costumamos assistir as partidas. Além do próprio Ricão, algumas figuras se destacam, como o Professor Valdir; o irreverente Doutô, com sua boca solta; Beto Dodô, o analista; o irrequieto Chumbinho; Bombinha, que no intervalo proporciona um show de Sidney Magal; Joca, uma verdadeira enciclopédia do futebol; os irmãos Nelson e Nemésio; Luciano Cartaxo; Jerônimo; Markus Norat; José Ronaldo.

Também tem o grande André, torcedor muito prático, que zela por Ricão e pela torcida, proporcionando acesso às melhores viagens; o fanático Almiro; o psiquiatra Dinarte, que tem na Torcida do Ricão uma potencial e infindável clientela; os gêmeos Anibal e Alfredo; Rô, a musa da Torcida do Ricão; Jair, o Homem da Cobra; meus filhos Ricardo e Ana Laura; o bom-baiano Teddy.

Quando às vezes Ricão, observando os presentes antes de iniciar a partida, desconfia que tem algum flamenguista infiltrado no público. Então, quando o jogo começa ele baixa o som da TV, pega o microfone e faz o seguinte “apelo”:

– Aqui é uma torcida exclusiva de botafoguenses. Se você que está me ouvindo num for alvinegro, por gentileza, pague a sua conta e retire-se discretamente!”. Dificilmente fica um!

Lá, os torcedores se adoram. Todos se tratam carinhosamente por “misera”, “carbúnculo”, e outras palavras tão amáveis!

O decano da torcida é Seu Edgar, que não passa um bom momento, às vésperas do seu centenário.

A superstição da torcida pode levar a conclusões hilárias. Quando o Botafogo perde, a culpa nunca é porque o time jogou mal. Sempre tem uma causa externa. Algumas das desculpas são hilárias:

– Não devia ter trocado a velha cueca!

– Ih! Logo hoje, que minha esposa lavou a cueca!

– Ih! Entrei aqui pisando com o pé esquerdo!

– Não devia ter assistido pela TV Globo: a Globo dá azar ao nosso time!

Luciano Cartaxo, Ricão, Jair e Zé Mário

***

Em dias de jogo é comum encontramos uma figura inusitada no corredor de entrada: o Picolezeiro, que lá se instala com o seu carrinho, faturando algum dinheiro.

Pois não é que na derrota do time na final de um dos campeonatos cariocas, quiseram por culpa do insucesso justamente no pobre?!? Chegaram a exigir a cabeça dele. Mas Ricão investigou, e concluiu que o pé-frio pertencia a outra figura que por lá frequentava, em dias de jogo.

QUEM?! QUEM?! O MUDINHO!!

Pois é, lá também aparecia o Mudinho, figura esquisita, lembrando muito um duende medieval. Pois não é que alguém flagrou o Mudinho rindo, justo no momento em que o Botafogo levava um gol?!

Ah, num prestou não! O Mudinho quase apanha. Depois descobriram que o Mudinho é torcedor do Vasco da Gama. Cabra-de-peia! E assim salvou-se o Picolezeiro. Ainda bem que não deram ao Mudinho o novo endereço da Torcida!

Ricardo, José Ricardo, Ricão e Zé Mário

***

Pois é, querido leitor, torcedor de qualquer time, esse é o Botafogo que eu gosto, esse é o Botafogo que eu mereço… ÊPA! Essa música é um dos hinos da nossa Torcida, cantado por Beth Carvalho!

Mas, como estava dizendo, caro leitor, estamos vivendo momentos de júbilo, de uma alegria como muitos de nós há muito tempo não tínhamos. E que os outros torcedores mais jovens nunca tiveram o prazer de sentir.

Salve o Glorioso Botafogo de Futebol e Regatas, campeão dos campeões!

Zé Mário, Ricão, Caio e Fernando Dias

• Fotos: Acervo Torcida do Ricão 

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EM BUSCA DO MEU SANTO GRAAL NA ARGENTINA, por José Mário Espínola

Demorei um pouco para aceitar-me torcedor de um time de futebol. Tenho irmãos fanáticos por um time, como Humberto, torcedor do Vasco da Gama, e João Neto, fanático pelo Fluminense.

Paulo também era vascaíno, Silvino, botafoguense, e Francisco Júnior, também tricolor das Laranjeiras. Ambos torcedores um pouco mais comedidos, como meu pai, Francisco Espínola, que torcia pelo Botafogo.

Mas o fato é que até os 17 anos eu não ligava muito para times, apenas uma leve simpatia pelo Botafogo. Só naquela idade é que me decidí a acompanhar o Glorioso de General Severiano. E assim tornei-me alvinegro, talvez por influência de Papai e de Silvino, irmão mais próximo a mim, na idade.

Tenho três filhos. Henrique é torcedor do Fluminense, provavelmente por influência do avô materno, Dr. Walter Sarmento, que era tricolor. Ricardo torce intensamente pelo Botafogo carioca, e como eu também é um torcedor com os pés no chão. Já Ana Laura…

Ah! Aninha é terrivelmente fanática pelo Botafogo. É dessas torcedoras que se envolvem emocionalmente, a sua paixão é explícita, inequívoca. Morre pelo time, que ama apaixonadamente. Por ele faz qualquer sacrifício, como o que realizou agora. Conto já.

***

Depois de uma campanha extraordinária, e esquisita, como a do ano passado, 2023, quando liderou o Campeonato Brasileiro por longo tempo e depois subitamente caiu, eis que o Botafogo volta a fazer a mesma campanha, dessa vez mais seguro, e chega ao final na liderança para arrebatar de vez e por mérito a taça do Brasileirão 2024.

 Entre 1995, quando se tornou campeão brasileiro com Túlio Maravilha e seus comandados, e o campeonato de 2023, quando deixou todo mundo encantado, o Botafogo teve altos e baixos. Mais baixos que altos, pois chegou a sofrer rebaixamento por duas vezes.

Depois que o time foi comprado por um milionário americano, John Textor, tudo mudou radicalmente. Desde o ano passado que o Glorioso surfa na crista da onda do futebol brasileiro. E no dia 30 de novembro último disputou o título de Campeão da Libertadores com a valorosa equipe do Atlético Mineiro, uma das melhores do país. E das Américas!

Para nossa preocupação o jogo foi marcado, pela Conmebol, para ser disputado no belíssimo Estádio Monumental de Nuñez, do River Plate, em Buenos Aires.

O panorama não estava bom para que eu me ausentasse de João Pessoa. Porém, sem que eu soubesse, a família se organizou e me despachou para a glória! Isso mesmo: meus irmãos Francisca Luiza, Humberto, Silvino, Ana Cândida e Francisco Júnior, com o apoio logístico de Mariana Ana Laura e Hugo Alexandre, assessorados por Germano e Paulo Francisco, tornaram possível para mim viver esse momento único em Buenos Aires!

***

Ao longo da viagem conheci muitos torcedores, botafoguenses como eu, cada um com a sua história de vida. O voo Rio de Janeiro-Buenos Aires foi praticamente um voo fretado: dos 192 passageiros, 191 eram alvinegros!

As aeromoças me disseram que centenas de voos semelhantes estavam acontecendo nos últimos dias. Muitos torcedores, do Sul e Sudeste, realizaram mesmo foi um bate-e-volta!

O dr. Márcio Fernandes, por exemplo, promotor de justiça no norte do Rio de Janeiro, carregou a sua família para ter a oportunidade viver esse momento inédito e retornar à noite.

Dr. Roberto Sérgio e Luiz Carlos Soares, paraibanos, também carregaram a família. O fanático Valdir Assessórios  largou as autopeças por uns dias e partiu para a glória!

Muitos fizeram roteiros mais longos, adaptados às suas conveniências. Foi o caso de Ana Laura e boa parte da torcida pessoense.

Capitaniados pelo incansável André, voaram até Foz do Iguaçú, cruzaram a fronteira a pé, uns para Puerto Iguazu, na Argentina, outros para Ciudad del Leste e depois Assunção, no Paraguai, e de lá tomaram outro avião de uma companhia local, até Buenos Aires. Para voltar, seguiram o mesmo trajeto, na ordem inversa.

Alguns desses aparelhos eram tão usados que eles tiveram a impressão de que batiam as asas para levantar voo!

Muitos dos que escolheram viajar usando o Paraguai esbarraram num problema inusitado: a necessidade de comprovar a vacinação contra febre amarela, pois no Paraguai ainda existe a doença. Que aventuras!

José Mário e a filha Ana Laura no Monumental, em Buenos Aires

E assim, ao som do bandonion de Astor Piazzola, na voz inconfundivelmente dramática de Carlos Gardel, quase na hora do jogo, pisei em solo argentino, onde Ana Laura esperava ansiosa para me levar ao estádio. Ela e a turma do Ricão já tinham tomado conhecimento de tudo o que fosse bom na cidade.

Depois de uma viajem péssima, cheia de etapas demoradas e cansativas, cheguei tarde e exausto em Buenos Aires, em cima da hora do jogo e consequentemente no estádio, onde não conseguimos lugar para sentar.

Na arquibancada não se tem acesso às informações, o que não acontecia nos tempos do radinho de pilha. Pra você ter uma idéia, só depois do jogo é que ficamos sabendo que o Botafogo jogou com 10 desde o 1º minuto, devido à expulsão de Gregore!

O meu setor estava superlotado. Eu e Ana Laura conseguimos um ângulo junto a uma grade que nos separava do setor da imprensa internacional.

Mas só víamos metade do campo. Não vimos, por exemplo, os dois primeiros gols, acontecidos no primeiro tempo. A nossa sorte é que ao fundo, sobre o setor da torcida do Atlético Mineiro, havia um imenso telão.

A alegria era geral, porém. E contagiante: todos os seguranças e funcionários do estádio nos trataram bem demais, facilitando sempre que podiam.

Em torno de nós, as mesmas manifestações de fanatismo que costumamos ver nas nossas torcidas aqui em João Pessoa e no resto do Brasil, com destaque para a JPFogo e a Torcida do Ricão.

Depois do apito final do juiz, o estádio, ou melhor, a nossa torcida explodiu! Ana Laura era um choro só, registrando como podia o momento que estávamos vivendo.

***

A grande comemoração foi em Porto Madero, onde estavam presentes alguns ídolos. Como o inesquecível Túlio Maravilha, herói do título de campeão brasileiro de 1995. Também outros torcedores ilustres, como Hélio de La Peña, grande humorista.

Lá, sob a proteção de Renan, seu amigo de infância, e dos baianos Teddy Gonçalves e sua filha Laura, dois botafoguenses maravilhosos que vieram enriquecer a torcida paraibana, Ana Laura se divertiu bastante, até que no meio da madrugada a polícia encerrou a brincadeira, botando todo mundo pra dormir!A cidade de Buenos Aires acolheu muito bem as duas torcidas alvinegras. O acolhimento dos argentinos foi realmente comovente: eles nos trataram bem demais!

A cidade oferecendo um ar de segurança, não aconteceu nada de grave, enquanto estivemos lá. Mais de 70 mil torcedores, pertencentes às duas torcidas estrangeiras, 50 mil dos quais botafoguenses, tomaram conta da capital argentina, mas não ocorreu nenhum incidente! A imprensa argentina era só elogios aos torcedores brasileños.

***

Muitos argentinos estão satisfeitos com o novo governo, principalmente devido ao controle da inflação estúpida que estava assolando o país. Mas estão perdendo direitos conquistados ao longo da vida, como a aposentadoria. E tudo está estupidamente mais caro do que um ano atrás.

Observamos cenas preocupantes, como pessoas com aspecto de classe média revolvendo lixo, à procura do que comer. Em Buenos Aires os preços de tudo estão muito mais elevados. E dentro do estádio estava muito pior do que fora.

***

Dias depois voltei para casa exausto, porém feliz. Esse título foi o meu cálice sagrado, que fui buscar na Argentina. Um troféu em blanco, negro y plata!

E olha que é só o começo!

 

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João Pessoa em alta acende alerta de excesso no turismo

Por Filipe Luna

Booking colocou João Pessoa na trilha do overtourism

Recentemente nomeada como principal tendência de destino para 2025 pelo Time Out Travel, com dados do Booking.com, João Pessoa se prepara para um aumento no fluxo de turistas.

A novidade foi comemorada por vários setores com a expectativa desse boom, que sem dúvidas trará retorno financeiro para atividades ligadas ao turismo. Porém, por outro lado, é palpável o sentimento de ansiedade de quem mora em João Pessoa, e está sentindo a sobrecarga, não apenas na infraestrutura existente, mas também no custo de vida.

Aliado ao contexto do crescimento populacional de 15,3% observado pelo Censo Demográfico de 2022, nesse cenário o pessoense passa a incorporar um termo ao seu vocabulário: o overtourism — a pressão turística que pode sobrecarregar recursos locais, agravar desigualdades e impactar o meio ambiente.

Numa cidade já marcada pelo descompasso entre áreas ocupadas e infraestrutura, os conceitos de sustentabilidade e gestão responsável são cruciais.

Isso não implica em proibir ou inviabilizar a atividade turística, mas sim repensar sua forma e sua escala, para que tenhamos um modelo que dialogue nas dimensões ambientais e sociais com seu entorno, em vez da criação de um Polo Turístico através do desmatamento de 47 hectares de Mata Atlântica.

Para além da questão ambiental, a oferta de unidades habitacionais tende a sofrer ainda mais com a conversão de imóveis em unidades de aluguel de curta duração.

Essa configuração, impulsionada pelo aumento do turismo, reduz a quantidade de residências disponíveis para moradores locais, elevando os preços dos aluguéis e dificultando o acesso à moradia. Gerando um deslocamento da oferta habitacional, priorizando turistas e prejudicando a permanência de famílias que dependem de aluguéis acessíveis.

Contribuindo para o efeito de exclusão dos moradores locais está o fato de que João Pessoa consolidou-se como um destino de baixo custo, atraindo um volume crescente de turistas em busca de preços acessíveis. Porém, esse baixo custo tem sua origem em grande parte na realidade salarial desfavorável.

Dados da RAIS 2022 do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) mostram que a Paraíba ocupa a última posição nacional em remuneração de trabalho formal, com uma média de R$ 2.837,66, bem abaixo da média nacional de R$ 3.754,80, limitando o poder de compra local. Veja:

É preciso, portanto, pensar a cidade, e de fato o Estado, através de experiências e mecanismos que outros lugares que lidaram com o overtourism, adaptando ao contexto local para a criação de boas práticas de um turismo social e ambientalmente responsável.

Se adotadas de forma participativa, essas práticas podem ajudar João Pessoa a crescer de forma equilibrada e sustentável, assegurando que seu desenvolvimento turístico beneficie a todos.

  • Imagens: Time Out Travel, Google Earth (2005, 2024)
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