CHEGANDO, por Alberto Lacet

Dama em liteira, carregada por escravos e suas acompanhantes – Foto Carlos Julião (tokdehistoria.com.br)

Agora chegando. As sombras da tarde mergulhando para baixo do carro, mas no momento da colisão subindo para lamber o para-lama e toda borda, dando a ilusão de que se atropela a silhueta estirada da fileira de casas, silhueta não exatamente reta, na margem direita, mas logo depois se percebe os frontões projetados até um ponto em que se afastam do carro, recuados e parcialmente indistintos, antes de sumir da visão. Mas então, depois, como que voltando. Frear. Sempre esquecendo de tomar o remédio.

Agora escutando fragmentos de som à esquerda. Meninos jogam futebol no pequeno espaço subtraído à renitente erva de pasto, com tipos esparsos de arbustos. Parecem correr todos ao mesmo tempo para a bola, num enxame. Mas agora uns deles parando para ver o carro passar. É isso, crianças, olhar não paga nada.

O caminho serpeando entre as paliçadas das margens, uma arbusteira herbácea e tísica, mais constante desse lado que dá para o campo, nessa parte baixa e ainda com a memória espraiada da última laguna deixada pelo período de chuvas, por onde se tem sempre passado, sempre, sem perder de ouvir uma única temporada de sapos coaxando nesse brejo, pelo menos nesses últimos 30 anos, pelo menos, desde que se comprou a propriedade Os Freitas, agora já pertinho dali, ao velhinho médico morador da capital, com aquele seu infalível chapéu de palha de abas longas e caídas, comprado exclusivamente para seu estar em casa de campo, de alpendres corridos e repletos de redes que pareciam eternamente armadas para um batalhão de amigos distantes, e que jamais haveriam de lhe ter a consideração e a gentileza de botar a cara uma vez que fosse por ali. O homenzinho das tantas vezes visto a sorrir de longe para as pessoas, embora não tivesse nunca aparecido aquele que disse tê-lo avistado uma única vez que fosse, em qualquer das regiões daquela extensa comarca comprando ou vendendo coisa alguma, vá ver que até a água de beber trazia ele da capital, até a água.

Um sujeito não podia ser tão bom e ao mesmo tempo estranho quanto aquele. Parecia ter sempre o melhor dos propósitos para com seus semelhantes, desde que não confessasse nenhum deles, nem debaixo de tortura, e assim foi que, sem avisar, deixou a casa com todos aqueles utensílios e um bom número de móveis de primeiríssima qualidade, o que fez como se os estivesse largando às pressas, ou fossem de fancaria, e que, nem de longe, tivessem sido cuidadosamente e ao longo do tempo garimpados, como certamente foram, embora um troço tão fino que, caso esse povo daqui se desse à pretensão de pelo menos encostar a mão num deles, ia ter que passar o resto da vida esperando pelas “cargas de Jonas”(1), e mais um bando de galinhas d’Angola que, no longo período em que a propriedade ficou desabitada e exposta à venda, retornara à vida selvagem, mas costumando reaparecer pelo quintal, trazido talvez por alguma antiga e terna memória do almoço grátis, e de mais uma provisão de galinhas comuns, também àquela altura esvoaçantes, de asas por cortar, eventualmente escondidas entre moitas de ninhos e ovos, e disparando alarmes com a aproximação sorrateira de teju-açus, camaleões e cobras.

Sem falar na geladeira, Electrolux, à querosene, e naqueles 2 fogões ingleses na cozinha, um dos quais, na verdade, já encontrou ali, com seu velho porte megalômano, brotado diretamente da revolução industrial europeia, deixado que fora pelo antigo chefe político da região, com uma complicada tubulação de alumínio para exaustão, de tirar o fôlego, feito uma caldeira descoberta incólume e reluzente num antigo navio adernado na costa. Um trambolhão que ainda hoje não nos permite movermos livremente pela cozinha. Talvez o que o velho dr. Lamounier estivesse deixando ali fosse a paga e o troco para aquele batalhão de criadas brancas e velhas, Sá Vicença, Sá Joana e Sá Severina, as mais velhas, as quais já encontrou por ali na mais completa disponibilidade, elas e toda uma tribo de descendentes que parecia especialmente empenhada em varrer intrusos de lá, numa constante, feroz defesa do pomar contra a eterna invasão de estranhos, e quem mais fosse pelo menos se escorar naquele muro feito com ondulação de pedreiro caprichoso e que era ainda do tempo em que – dizia-se – o Mestre Pedro lambia pessoalmente cada tijolo antes de pousá-lo na argamassa, e antes ainda que “Pai Noro’’ resolvesse desbravar a Pedra do Tendó, munido – numa rima – de enxada e de enxó (2).

Toda aquela tribo que teria vindo junta na compra que ele, Dr. Antônio “Lamunês” (3) fez à antiga família Montenegro ou Vasconcelos, coisa assim, um dia enfronhada em brasões e paramentos pela Freguesia de Santa Maria Madalena, vá ver que metida nas liteiras, como as Dantas (balouçando-se na intimidade dos abismos pela velha Estrada da Verônica) e amiga que fora de bispos e cônegos, alferes e intendentes, essa gente hoje tão distante e incapaz de causar qualquer assombro, com alguma inscrição ainda visível em algumas lápides do populoso cemitério, espremida ali como na última concessão da Intendência, e lá se mantendo mais apertada que cu de sapo, embora sem a menor necessidade de disputar espaço com a gente do povo, comum, essa que se vai acabando na mesma velocidade, porém em número muito maior, conforme só faça crescer, e a disputar com os seus um buraco em covas rasas, apesar de não terem enfrentado guerra e nela capitulado, como aquele povo antigo, depois da invasão de suas terras e casas, como disse Adauto D’Chiquinha, sobrinho neto de Pitá, A Velha, sempre que aparece no armazém e na falta de assunto melhor vem falar desse tempo passado, ele ou a irmã, dona Palmira, tanto faz, por que se atrapalham da mesma forma no meio das descrições, ficando de voz embargada e olho úmido, tartamudos, tomados por um tipo de emoção que acaba nos levando a cruzar os braços e abrir a boca sem entender o que está havendo, afinal, enquanto nos olham como se gente tivesse alguma obrigação de entender aquilo, e eles ali sem conseguir falar direito, a gente vendo a hora prorromperem em soluços. Fazer o que, deus meu.

  • (1) “Isso vem nas cargas de Jonas”, alguém disse um dia, ao ouvir falar pela primeira vez de uma nova invenção, desconhecida na região. Jonas Lacet foi uma espécie de caixeiro viajante e tropeiro, que chegava com seu comboio de mulas aos rincões de Mãe D’água, Olho D’água, Maturéia etc. transportando as novidades do mundo no século XIX: papeiros e bules de ágata, almanaques, tabaqueiros de prata, leques, cachineses, pincenês, primeiras confecções, relógios de pulso etc. (N.A.)
  • (2) Dizia-se, em relação a Pai Noro e a Mestre Pedro, dois dos mais velhos artesãos conhecidos pelo autor em sua infância (N.A.)
  • (3) Forma popular para Lamounier (N.A)

Fragmento de “’O Verniz dos Santos Policromados”, romance de Alberto Lacet

CONVERSA COM O NETO, por Frutuoso Chaves

Imagem: blog.diasbike.com.br

Era vermelha e branca. Tinha dois espelhos retrovisores com boa visão de tudo aquilo que atrás estivesse. Tinha um farol para clarear a noite e o dínamo para fornecer a eletricidade capaz de acendê-lo. Trazia uma bomba para encher os pneus quando secassem e uma bolsa atada ao quadro, logo abaixo da sela, para guardar duas chaves de boca com as medidas de todas as porcas e parafusos. Isso e mais uma lixa, um pedaço de borracha e um tubinho de cola para remendar câmara de ar, quando necessário.

Assim que eu a vi, me apaixonei. Não era nova, zerada, saída da fábrica. Mas era bonita e conservada como se nova fosse. Os paralamas, branquinhos, continham duas listras da cor de morango maduro em cada lateral. Combinavam com a cor do quadro robusto, feito para aguentar o peso de duas pessoas adultas: o do piloto e do carona, ou o da carga que se pusesse no bagageiro no lugar de gente.

Ah, sim… O bagageiro tinha dois prendedores laterais na cor preta que seguravam as encomendas dentro de pacotes, ou de sacolas. Ambos ficavam deitados, escondidinhos, na parte de cima onde se podia sentar sem machucar o bumbum até o momento de serem levantados, um de cada lado, para segurar a carga com a força de duas molas bem fortes. O guidão, com punhos escuros de borracha, reluzia como uma joia feita de prata. Da mesma cor, e tão brilhante quanto, eram as maçanetas para os dois freios.
Os meninos do meu tempo que tiveram a sorte de possuir uma belezura daquela enrolavam uma flanelinha amarela atada ao guidão a fim de manter tudo brilhando. Qualquer sujeirinha logo desaparecia no esfregão da flanela.

Como eu gostava daquela sela. Quando nua, mostrava um couro duro suspenso em duas molas enroladinhas. Elas, as molas, serviam para você não sentir os buracos da rua nem os da estrada. Caíssem os pneus num deles, as molas balançavam e amorteciam o impacto. Vestida com um forro de espuma de capa clara, a sela se tornava ainda mais macia. Era como sentar numa nuvem.

A minha tinha o escudo do Fluminense, o time do meu coração. Mas poderia ter o do Flamengo, o time do teu pai, se flamenguista eu fosse. Era assim: cada um que escolhesse o clube preferido. Meu irmão, que antes de mim havia ganho uma bicicleta azulada, tinha sela de Vasco.

O mano morria de inveja de mim, mas não por causa do escudo. Ele invejava mesmo era meu conjunto de farol e dínamo. Por causa disso, meus passeios noturnos eram deliciosos.

O dínamo parecia uma garrafa pequena de metal com tampa feita para girar quando recostada ao pneu. Isso movimentava o gerador de eletricidade dentro da garrafinha que tinha fios até o farol dianteiro e a lanterninha de trás. Muitas vezes eu ouvi, orgulhoso, o espanto das pessoas mais velhas: “Parece uma motocicleta”.

Vou te contar uma história. Lá em casa ainda não havia tevê. A gente via filmes e futebol na casa de um colega de escola que morava numa fazenda distante da rua uns dois ou três quilômetros. Certa vez, saímos de lá por volta da meia noite. Imagina só o perigo. Mas era em Pilar, onde ninguém atacava ninguém e somente se tinha medo de alma penada. Sabe não, amiguinho? Fantasma, assombração.

A gente se via obrigado a retornar pelo muro do cemitério à falta de outro caminho. Minha bicicleta na frente clareando a estrada e a do meu irmão atrás, seguindo o rastro de luz.

Foi quando eu vi dois olhos de fogo em cima do muro branco. Freei com a rapidez de um raio e meu irmão quase passou por cima de mim. Pronto, escureceu tudo porque dínamo desse tipo só funciona em movimento.

Nós dois, ali, arrepiados dos pés à cabeça. Mas tínhamos que voltar para casa. Tanto quanto de fantasma a gente também sentia medo do cinto de seu Juca, teu bisavô. “Um, dois, três e já”, arrancamos com tudo. Eu na frente e meu irmão nos meus calos. Nunca corremos tanto. E nosso anjo da guarda nunca atendeu a tanto pedido contra quedas. Pensa na agonia que seria se estatelar no chão debaixo de dois olhos de fogo.

Entramos em casa com o coração aos pulos. Seu Juca nem precisou usar o cinto porque se compadeceu dos dois filhos amarelos, de olhos esbugalhados, tremendo feito vara verde. “O que foi?”, nosso pai perguntou. “Conta tu”, pedi ao mano. E ele: “Não. Conta tu mesmo”. Por fim, contamos. E Seu Juca: “Estão vendo? Isso foi castigo. Vão rezar e dormir”. Justamente, foi o que fizemos. Dormimos até as 10 horas, porque naquele dia não havia escola.

A lua assombra, mas o sol traz de volta a coragem, de modo que resolvemos investigar o mistério. Sabe o que vimos, dia claro? Uns seis bodes e cabras em cima de um montão de terra. Foi dali que um deles pulou para cima daquele muro. E foi dali que teve a luz do meu farol refletida nos dois olhos grandes. Farolzinho danado de bom. Além de tudo iluminar, também me ensinou que todos os bichos, à noite, possuem olhos de gato.

Se a gente não tivesse feito isso iria passar o resto da vida ciente de ter visto assombração. Não acho que exista, mas prefiro não arriscar. Nunca mais desejei passar tarde da noite em cemitério.

(A Miguelzinho, que começou a pedalar sem o apoio daquelas duas rodinhas extras. Afinal, bicicleta foi feita para ter apenas as duas grandes. Não é não?).

O BEM QUE UMA BOA CAUSA FAZ, por José Mário Espínola

Há pouco mais de quatro anos, findas as eleições de 2018 no Brasil, foi eleito um novo presidente. Não foi o que eu gostaria, foi exatamente quem eu achava que não serviria para melhorar o nosso país. Mas foi eleito democraticamente, pelo voto.

Assim, paciência, só me restava fazer como recomenda Dr. Genival Veloso, na sua sabedoria: “Terminou o campeonato, nós perdemos. Agora, é enrolar a bandeira e esperar o próximo campeonato.” E foi o que fiz.

Eu achava que ele não tinha competência para administrar o país. Mas, como bom democrata, torci para que fizesse um bom governo, que montasse uma boa equipe, predominando técnicos, e que respeitasse a opinião de seus ministros. Mas não foi o que aconteceu. O episódio da demissão do primeiro ministro da Saúde exemplifica bem esse defeito do então presidente: demitiu Mandetta POR CIÚMES!

Já no primeiro dia, ainda não havia tomado posse, o dito cidadão começou a criar confusão. Todos os dias ele arranjava uma briga. E mentia e espalhava o ódio, contra tudo e contra todos. E como ele mentia! Dizia uma mentira de manhã. À tarde, desmentia com outras duas. E foi assim todo o seu governo: de tapas e mentiras. Todo não: os últimos dois meses ele não disse nada e parou de trabalhar (?). Ficou mudo e depois fugiu para a Disneylândia.

Mas, a partir do momento em que constatei que ele era muito pior do que eu pensava, que o mal que poderia fazer ao país poderia ter efeitos catastróficos, resolvi assumir uma boa causa: resistir! E passei a procurar mostrar, de todos os meios ao meu alcance, quem era essa figura sinistra e seus comparsas, e os riscos que trazia para o Brasil. A resistência pacífica, porém aberta, transparente, era o que estava ao meu alcance fazer. E comecei a escrever, artigos e crônicas.

Assunto não faltava: todos os dias o meu “muso” inspirador, seus filhos e seguidores geravam um fato. Nunca me senti tão bem! De repente passei a ficar animado para responder aos atos e fatos que me causavam indignação, e que me traziam muita inspiração. Eu acho que na base do cérebro de todo cronista tem uma glândula que é estimulada por indignação. Ela é mais desenvolvida ou menos desenvolvida de acordo com a capacidade de a gente se indignar.

Também acho que todo cronista precisa de um tirano que o estimule a escrever. É tanto que fiquei preocupado com a derrota desse cidadão: temia que a sua saída de cena pudesse me causar depressão.
Qual o quê! O rescaldo que está sendo feito nas ruínas administrativas do Brasil  mostra o estrago que as ações do ex e de seus comandados causaram ao nosso país em todas as áreas: saúde, educação, econômica, social, científica, ambiental… São motivos para mais de mil crônicas indignadas.

***

Pois bem, como disse antes, a boa causa que assumi (combater o fascismo que estava se instalando no Brasil), me trouxe o benefício do rejuvenescimento. Explico. De repente, voltei a ser aquele rapaz dos tempos do Liceu Paraibano, de 1968, que lutava por uma boa causa: resistência à ditadura militar.

Participar de assembléias proibidas, geralmente convocadas por Washington Rocha. Rodar e espalhar panfletos (ainda sinto o cheiro do mimeógrafo!). Ir a reuniões clandestinas para ouvir discos proibidos, escondidos num quarto na casa de Karlow Neves de França (por exemplo: Arena Canta Zumbi). Preparar coquetel molotov escondido na casa de Mônica Moraes Pessoa e fugir disparado quando o irmão dela, meu colega de ginásio João Alberto, chegou vestido de soldado (era recruta) e eu não reconheci. Só vi na minha frente um soldado. Que susto!

Mais: nas passeatas, portando faixas pintadas por Flávio Tavares, depois enfrentaria a polícia com pedras, lá no Ponto de Cem Réis, para depois descer correndo em direção à Lagoa, com um soldado logo atrás e mim e de Silvino, meu irmão. O meganha empunhava um cassetete maior do que eu.

Ocupar a FAFI por três dias e ser expulso de lá por agentes da Polícia Federal armados de metralhadoras, após assistir Everaldo Júnior fazer um discurso violento e corajoso contra a ditadura, cara-a-cara com Emílio Romano, o Diretor da PF no Estado, que tinha fama de torturador. Eletrizante!

Ocupar o Restaurante Universitário, que funcionava no Cassino da Lagoa, até sermos expulsos de lá pela Polícia Militar, que quebrou tudo, inclusive a radiola, no momento em que tocava o Hino da Independência.

Todas essas lembranças vieram à tona enquanto escrevia. Preparando os artigos, não conseguia deixar de “ouvir”, na mente, músicas como Apesar de Você, Um Novo Tempo, Caminhando, Desesperar, Jamais. Estimulantes.

***

Em princípio, a partir de 2019 instalou-se um clima de medo na sociedade. As pessoas temiam repressão, perseguição, difamação palas infames redes sociais, verdadeiros esgotos que espalhavam notícias falsas contra quem se opunha a eles. Do meio pro fim, ninguém aguentava mais. Foi quando entraram em cena grandes nomes da cultura, da música, imprensa, literatura, cinema. Figuras como Ruy Castro, Caetano Veloso, Reinaldo Azevedo, Marisa Monte, Gilberto Gil, Chico Buarque, Vera Magalhães, que injetaram coragem na população, mostrando que não estávamos sozinhos, dando força para resistir e reagir. Aí eles não conseguiram mais nos segurar, e as grades foram arrombadas e o clima de democracia voltou a dominar o Brasil.

Ah, que tempos, esses quatro anos! Pois toda essa energia retornou para mim, estimulado pelo combate ao clima de fascismo que tentou se espalhar por todo o país a partir de 2019, provando que uma boa causa traz benefícios ao corpo e à mente. E me sinto, assim, novo de novo.

Um grande exemplo disso é o meu professor de cardiologia no Hospital Português de Recife, Dr. Edgar Victor. Ao assumir a nossa causa, ele remoçou. Fez melhor do que Juscelino Kubitschek de Oliveira, que prometeu desenvolver o Brasil 50 anos em cinco. Edgar Victor rejuvenesceu 50 anos em quatro! Está aí novinho, vibrando com a salvação da democracia.

Hoje, o clima é de muita alegria, as pessoas voltaram a cantarolar, falar umas com as outras, vizinho dar boa tarde ao vizinho, irmãos fazendo as pazes. O Brasil está, realmente, mais leve. São realmente grandes, enormes, os benefícios de uma boa causa.

O AMIGO EINSTEIN, por Frutuoso Chaves

Imagem de CatClub

— Ai, Enfermeira, com os mil e seiscentos diabos…

— Calma, meu senhor. Foram arranhões profundos. Temos que remover esses cascões. Há inflamação debaixo deles. Está tudo purulento. Você devia ter cuidado disso logo depois do ataque.

— Ai, minha Nossa Senhora… Cuidei, moça. Lavei com vinagre.

— Vinagre é tempero, meu querido. Tomou vacina antirrábica?

— Tomei não. Mas quanto a isso estou tranquilo. Não está hidrófobo. Com cinco dentro de casa aquele desgraçado só parte para cima de mim.

E, entre gemidos e imprecações, a conversa prosseguiu. O bicho apareceu-lhe na garagem, ainda muito novinho, numa manhã de chuva, mais morto do que vivo. Pensou em atirá-lo de volta à rua, mas o impediram de fazer isso a mulher e os filhos. Uma caixa de sapatos com panos quentes e leite a conta-gotas salvaram a vida do infeliz que logo cresceu e se transformou no xodó da família.

Logo notou que ele não aceitava de bom grado suas poucas tentativas de carinho. Refugava, fugia quando lhe passava a mão e, caso insistisse, lá vinha o chiado de cobra, aviso claro de que deveria se afastar. Se fizesse pouco caso, tomava patada dolorosa e rápida como o raio. Ao contrário disso, o desalmado se aquietava, ronronava e aceitava a aproximação da dona da casa e dos meninos, três anjos pequeninos, inocentes e puros.

Será que bicho também percebe rejeições, cultiva ressentimentos? Teria guardado na mente a pequena discussão familiar estabelecida no momento da sua aparição, molhado e trêmulo, debaixo do carro? Ou os ataques a cada uma de suas aproximações resultariam do pisão no rabo que lhe aplicara, sem querer, numa madrugada escura?

Ar de inteligente até que tinha. Tanto que isso lhe rendeu o nome de Einstein. Parecia o gato siamês da história de Millôr. A que envolvia uma dama gentil (e senil) apaixonadíssima pelo animalzinho por ela criado com a atenção e o desvelo que jamais dedicaria a qualquer espécime da raça humana. Bicho de boa cepa, pertencente a uma casta desenvolvida por deuses egípcios. Gato de olhar profundo e mente brilhante. Só faltava falar, mas isso até o momento em que se viu obrigado, para não morrer de fome, a comer o ensopado de papagaio que a dona para ele preparara com o propósito de lhe desobstruir a garganta e a língua. Falou e avisou: “Corre madame que o prédio vai cair”. E ela: “Ai, meu Deus, milagre… Meu gatinho está a falar”. E ele: “Corre, corre”. Como sua dona, perplexa e maravilhada, não o escutava, tratou de escapar sozinho pela janela enquanto tudo ali desabava. “Que cretina… Passou a vida toda tentando me fazer falar e quando falei não acreditou em mim”, observava, com um misto de raiva e pesar, em meio à nuvem de poeira, o gato em questão.

Millôr, porém, fantasiava, compunha um daqueles textos preparados para o Pif-Paf, coluna cativa da finada revista O CRUZEIRO, sob o pseudônimo de Emmanuel Vão Gogo. Inventava história e a moral da história: “O mal do artista é não acreditar na própria criação”, seria sua lição sobre a madame e o gato siamês.

O seu, não, era gato real, bruto, rancoroso, vil, canalha. “Calma, moço. Tadinho do bichano. Tem foto dele?”. O que tinha era o braço em petição de miséria a comprovar o acerto do mau juízo que quase sempre fazia do bicho que lhe adveio do quinto dos infernos.

Que ninguém da casa soubesse, mas andava a pensar muito em se livrar daquele traste. Faria a coisa de modo a que ninguém dele suspeitasse. O mais confidente dos amigos, colega de repartição, jogaria no seu jardim a gata no cio, já no rumo da terceira barriga. Com o namoro engrenado, daria sumiço a ambos. Anoiteceriam e não amanheceriam. Seria como se um deles houvesse puxado o outro por esse mundão de Deus. De resto, prestaria um grande obséquio ao colega insatisfeito, igualmente, com o que tinha no santo recesso do lar.

Assim pensava, mas não levava o plano adiante. É que descobrira certas vantagens na convivência ruim com Einstein. A cada arranhão, as crianças, compadecidas, atendiam a seus pedidos por água e chinela. E, sem reclamação, já levavam de volta para os lugares devidos os sapatos e copos largados na sala.

A patroa não lhe negava o prato preferido, o futebol com os amigos nem cafunés, cabeça no colo, nos horários da novela.

— Gato filho da égua, cachorro imundo, cretino. Ai, como isso arde…

— Calma, meu amigo, está terminando.

Teve, naquela noite, a mulher muito mais solícita e paciente. Tomou uma bela canja no sofá por recusar a mesa, procedimento que ela detestava. Sequer ouviu o costumeiro “deixe de ser manhoso”. Foi paparicado pelas crianças que lhe retiraram as meias. A menorzinha penteou-lhe os cabelos e reproduziu um trecho da cantiga de ninar que dele habitualmente escutava. Estava no Paraíso.

Esqueceu de levar a pomada e o antibiótico, mas teve isso na mesinha de cabeceira. Também se deitou, sem problema, no lado direito da cama, o espaço dela. “Ainda dói muito?”, ouviu de uma voz sumidinha, melosa, fora do tom e da rotina. “Dói, siiim”, respondeu, também, com voz dengosa e comprida. Entre o sopro e o beijinho oferecidos quis os dois, um no nariz e outro no esparadrapo.

Pouquíssimo tempo depois, pouquíssimo mesmo, uma pancadinha acidental, coisinha de nada, no braço ferido o fez virar de lado com a rapidez de uma daquelas patadas. Resultado: bateu na mesinha que então balançou a ponto da queda do copo com água, bem ao estilo e ao costume do gato doméstico.

— Mãe, põe Einstein no quintal. Acaba com esse barulho e esses miados. Quero dormir – gritou do quarto ao lado Juninho, o primogênito.

Moral dessa história: À noite, todas as culpas são do gato.

O TALCO DOS VELHOS CARNAVAIS, por Francisco Barreto

Como é lindo e divinal
O colorido de confete e serpentina
E o desejo ardente de arlequim
Por amar a linda colombina
Oh! Mulher fascinação
Dos cabelos cor de Sol
És a luz, minha vida, o arrebol
Pierrot, eu te amo e te quero
Te adoro e venero, coração do meu peito
Pierrot abraçado à guitarra
Sufoca o sonho do amor desfeito

(Da Vala, L. Barbicha, Wilson Jangada, Dito e Mestrinho – compositores da União da Ilha, Rio)

O primeiro cúmplice do nosso vaidoso olhar ao amanhecermos é sempre diante de um espelho qualquer fazendo uma silente leitura da nossa imagem e de nosso estado de espirito. Assim foi que tive o arrebatado ímpeto de ver o avanço da minha inexorável grisalhice agasalhando muitos fios platinados.

Tive o desejo de me expressar: “Espelho meu, este irreversível embranquecimento reflete apenas o talco dos velhos carnavais?”. A mudez do espelho me consentiu acreditar que além do talco, das serpentinas, confetes, brilhos, talcos, adereços, as lantejoulas, e até então as inocentes lanças perfumes da Rhodia incensavam as alegrias dos frevos e lindas marchinhas.

De criança até a maturidade reconheço que os maiores momentos de indescritíveis alegrias sempre ocorreram sob os tríduos momescos. Nos carnavais sob os mantos dos deslumbres infanto-juvenis vivi intensas e delirantes paixões palmilhadas por cargas hormonais acumpliciadas por renitentes doses alcoólicas.

Os dias de carnaval aliciavam meus únicos e mais importantes lapsos anuais de extrema alegria durante a minha jovem vida. Lembranças de hoje me trazem à tona memoráveis carnavais de outrora em João Pessoa, no Rio de Janeiro, e os do Recife e Olinda.

No Rio, a Banda de Ipanema nos acolhia numa ruidosa batucada. Seguíamos embevecidos e embriagados ao lado de centenas de lindas e desnudas garotas de Ipanema até o Leblon. Eram os idos de 76/77. Saímos num bloco de Anjos e Capetas comandados pelo meu estimado amigo o arquiteto Joca Serrano. Tudo começava no Bar Jangadeiro, na Praça General Osório, e na Visconde Pirajá.

Fomos intimados e seduzidos, em 76, pela formidável e brilhante carnavalesca Maria Augusta, mestra da Escola de Belas Artes e diretora da Escola União da Ilha. Fomos compor e desfilar numa ala que foi para a Marquês de Sapucaí. O samba enredo da Escola fora inspirado na maravilhosa e fantástica poesia do grande Menotti del Pichia – Poemas de Máscaras e Sonhos com Pierrôs, Colombinas e Arlequins.

Maria Augusta, por pureza estética, fazia as cores dominarem o desfile, ao invés do luxo de Joãozinho Trinta. Recorria ao expressionismo com cores tão brasileiras. Ela foi longe demais ao conceber e exibir uma linda aquarela em homenagem ao carnaval singelo do passado. Na ala dos Anjos e Capetas de Ipanema entraram em cena duas dezenas de alegres penetras. Éramos anjos e capetas.

Desfilar na Sapucaí e receber os acenos de dezenas de milhares de pessoas foi a experiência mais extraordinária que tive em vida. Com os arrebatamentos entusiasmados, o público delirou fazendo coro ao som do samba enredo iluminados por pierrôs, colombinas e arlequins. Ao sermos aplaudidos de pé em cada passo ficou para sempre no peito a sensação de que éramos protagonistas de uma infinda e pura alegria.

Olinda e Recife sempre estiveram nas minhas veias. Nas sextas-feiras dos carnavais, tínhamos uma agenda imperdível no Batutas de São José. Durante muitos anos, de manhã aterrissávamos na Livro 7 engrossando fileiras intelectualizadas do irreverente Bloco Nós Sofre, mas nós Goza, comandado pelo inesquecível pelo Tarcísio Meira.

Após horas de militância etílica, íamos ao Buraco de Otília, às margens do Capibaribe, onde usufruíamos do seu cardápio um requisitado prato De Tudo um Pouco. Uma esbórnia gastronômica. Incomparável.

Recife e Olinda serão sempre almas gêmeas e felizes coloridas do frevo e dos maracatus. Tínhamos um pequeno bloco – o É Bom que Dói, que nas tardes fervilhava na Rua da Boa Hora. Não tinha a expressão numérica das Pitombeiras, Elefante, Vassourinhas e da intelectualizada tribo do Eu Acho é Pouco. Mas tinha as bênçãos de artistas plásticos naif como o grande Bajado, um gênio de Olinda que nos brindou com um estandarte.

As andanças seguiam pelas ruas e ladeiras sob estimulantes acordes do frevo, levando solavancos e topadas nos centenários paralelos. Do Largo do Amparo aos 4 Cantos às ruas enladeiradas da Sé, da Ribeira, do largo de São Bento, da Misericórdia, da Praça do Carmo, da Boa Hora, na Maxabomba, Rua do Sol e em todas vielas.

Obrigatórias eram as paradas nos bares, notadamente em Seu Biu, Seu Nivaldo e posteriormente no Bêbado e o Equilibrista, trincheira da resistência dos alcoólatras de esquerda. Evitávamos os percursos de Pitombeiras, Vassourinhas e Elefante, onde os delírios eram pouco delicados no populacho da Marim dos Caetés, sobremodo para as nossas delicadas colombinas.

Determinava a indefectível caminhada o quase sempre após o ápice das ladeiras o reabastecimento etílico dos combatentes da frevança. Cada ladeira, um porre de praxe.

A Olinda que vivi era a do arrebatamento dos blocos familiares das ruas, onde a presença dominante era a de crianças. A Olinda sem drogas, sem cafajestagem e falta de respeito sempre aguçada pela violência. Depois da Rede Globo, a frequência se degenerou.

Ainda hoje, os talcos dos meus felizes carnavais continuam ostentados na grisalhice dos meus cabelos e ainda ressoam os frevos nas minhas lembranças de um Recife e Olinda. “Não mais voltei”. Me silenciei. Já não canto mais, sobraram apenas as tristezas de todas e sempre quartas-feiras de Cinzas.

Voltei, Recife
Foi a saudade
Que me trouxe pelo braço

Quero ver novamente Vassoura
Na rua abafando
Tomar umas e outras
E cair no passo

(Lourenço Capiba)

UM QUINTAL QUÂNTICO, por Alberto Lacet

Pequenino e elétrico, o pintor paraibano Ivan Freitas (1931+2006) formou vivo contraste com a própria obra. Não raro era visto em estado de mal disfarçada irritação e impaciência, como se acabado de constatar que ele e aquilo que mais procura divergem de lugar, sequer estão próximos nem há muito tempo antes que tenha de empreender a busca inevitável.

Quando vinha à Paraíba dizia a quem o recepcionasse que tinha um itinerário de trilhas ou ruas de um bairro antigo (gostava particularmente de Tambiá) para seguir; uma linha de praia (quase sempre Manaíra) a ser palmilhada no pé, sendo incerto supor que a escolha desses roteiros fosse por ordem puramente sentimental, tanto quanto é certo dizer que não é a beleza de um lugar que leva cientistas a instalarem  um observatório astronômico, mas sim a qualidade da observação extraível dali.

Talvez, por razões análogas, o pintor paraibano dispensava a companhia de quem se oferecesse para acompanhá-lo: queria estar só nessas andanças tão misteriosamente pessoais, a fazer com passos normalmente rápidos, mas estancantes, às vezes, diante de um velho pórtico ou janelão em ruínas, por trás dos escombros de algum jardim de antigas luas apagadas, onde por instantes se detinha sem, no entanto, conseguir conceber sua visão em termos que fossem meramente socioeconômicos ou segundo algum tipo de historicismo nostálgico, capaz de fungar suas lentes – sempre tão objetivas para o trabalho –, avaliando, porém, aqueles estragos por uma ótica que considerava o abrasamento inapelável entre corpos que giram no espaço-tempo, cuja entropia natural pode tanto criar buracos negros nas estrelas quanto provocar danos consideráveis num tijolo de oito-furos. Se houvesse algum tipo de sentimentalismo ali, não seria de fácil tradução, e, por favor, nada de ideologias com ele.

Passava registrando nas pedras da rua a mancha inescorrassável provocada por um chover secular de jambinhos podres; parecia às vezes querer fotografar o tempo pelo rastro impiedoso deitado nas coisas: no cais abandonado uma espinha de ferro esquecida de seus trens mergulha sem volta na terra. O final interminável do tempo soçobrando num grau maior de desordem, onde, no entanto, a informação perdurou. De outra, anotava, na praia, um novo brinquedo de luz no velho engastamento de céu e águas , e, cumprido esse périplo misterioso, voltava para o hotel, como sempre ensimesmado, quase ríspido, exigente. É certo que já tivesse antes cuidado de interesses mais imediatos (exposições, contatos comerciais etc.) e era tempo de pegar o avião de volta para o Rio, para o ateliê da Lapa. Uma parte do que iria produzir ali, no entanto, voltaria para cá, uma vez que nos seus mais de cinquenta anos de atividade ininterrupta como pintor, não perdeu jamais contato com as raízes, mesmo quando viveu por mais de uma década na América do Norte. Por outro lado, sua terra foi sempre uma espécie de laboratório de bolso carregado pra todo lado, pois continha um arquivo de imagens primícias e insubstituíveis, em cima do qual laborou a vida inteira.

O que nos chegava de sua Arte, entretanto, expressava algo diverso do que comumente poderíamos atribuir àquele Artista inquieto, de humor difícil: era quase sempre o registro de paisagens naturais ou urbanas, onde, por uma conjuração de ciência e tecnologia, o planeta terra havia entrado, finalmente, numa grande era de paz entre homem e natureza; marinhas tranquilas, de cochilantes marés, perpassadas de luminescências e bonomia atmosférica, céu de ligeiras ocorrências físicas, vibrações hertzianas.

Para Ivan, um acontecimento mais forte nesses cenários (uma ameaça de chuva, por exemplo) podia muito bem ser representado por um esquema demonstrativo localizado, sem prejuízo para a harmonia do restante: fazia quase que um gráfico das refrações e difrações da luz, usando giz e régua – como faria um bom professor do Liceu antigo, caso se deparasse com a questão. Gostava de pintar nossos logradouros públicos mantidos sob aura de silêncio e ordem, desertado de pessoas, como se evacuados por algum inaudível toque de silencio, ditado não pela tirania das circunstâncias políticas sob as quais viveu a maior parte da vida, mas por uma estética de autoritarismo implacável; um arco-íris sobre a Lagoa do  Parque Solon de Lucena se tornava, pelo prisma do pintor, uma seção do próprio prisma de Newton.

Pintava relíquias arquitetônicas na mudez intocada de seus pátios vazios, cujas torres e capitéis retorcidos dão de encontro ao mesmo céu exemplar, com ênfase na retidão da luz. Aqui e ali uma pequena mecha de nuvem se assanha da cabeleira como se quisesse depreender-se pela própria ação dos revérberos nela visíveis, mas é apenas para dizer que é uma nuvem, e, como tal, comete rebeldias; uma chuva sobre o canavial chovia de apenas uma nuvem, num concerto de várias, como se um filósofo sufi da Índia tropical tentasse dar um exemplo de chuva para beduínos do Magreb, e era como se o próprio Ivan houvesse bombardeado aquela nuvem com uma contra-carga elétrica de efeitos gráficos, unicamente para produzir um módulo de precipitação pluviométrica, e fornecer dessa forma uma condição mínima necessária para o evento ocorrer de forma exemplar, porém sem empanar a luminosidade no resto da tela; uma nuvem partida ao meio podia ser o pretexto para uma onda energética de Planck, imiscuindo-se por lá – proveniente de alguma galáxia –, fazer sua entrada triunfal no quadro, vindo refletir-se no calçadão (no caso de uma marinha), supostamente aos pés de quem observa a cena. Mas até essa reflexão luminosa se dá ao modo de Ivan: a luz explode aí num círculo perfeito, idealizado, de uma órbita de elétrons, num modelo quase escolar do Arco Voltaico, ficando, às vezes, a um passo do logotipo (como aquele da radioatividade).

Para ele era indiferente que pintasse o rio Sanhauá ou as praias da costa, ou ainda os canaviais a oeste: tratava-se sempre de um páramo, uma linha reta de horizonte sobre a qual iria traçar suas inevitáveis intersecções luminosas; também estava se lixando em saber se as noções científicas de que se valia eram pertinentes à física clássica, ou, quântica. Talvez seu trabalho se enquadre melhor naquela primeira designação, enquanto ele próprio, com seu trato imprevisível, seu permanente desassossêgo íntimo, tinha um comportamento mais assemelhado com o das partículas subatômicas. De qualquer forma, o que traçava, na verdade, solitário no ateliê da Lapa, era uma fusão de naturalismo pictórico com conceitos abstratos da ciência, uma coisa aparentemente difícil para outro que não ele, mas que foi, acima de tudo, a experiência muito bem sucedida de quem criou uma simbologia dos procedimentos exatos. Talvez por dominar uma técnica exata. Uma Arte exata.

Era fascinado por esta aluvião de fenômenos em desabamento contínuo sobre a Natureza, sobre nós, e os apreendia com consciência artística e suficiente capacidade (e engenharia poética) de quem podia transforma-los em belíssimos adereços estéticos, reordenados dessa vez para servir como elementos fortes de pintura. Esses elementos integram-se tão magistralmente na paisagem que não chegam a provocar estranhamento algum no público, e isso desde muito antes que banhistas de mares ensolarados como o nosso passassem a expor os corpos na praia segundo uma maior inclinação dos raios ultravioletas. Através de sua pintura o cosmos acabou, para nós, tornando-se mais familiar, alguma coisa quase doméstica. Cosmética.

QUATRO POR NOITE, por Frutuoso Chaves

Que maravilha! Quem garante é o doutor famoso, homem de grande audiência no YouTube, sujeito de quase 600 mil visualizações em três semanas, o que dá algo próximo das 30 mil por dia. Você, meu caro, pode ter quatro grandes ereções por noite sem disso saber.

Mas, espera aí… Sem saber? Quer dizer que nem dá para despertar a patroa ao lado, com todos os riscos de um belo esculacho, porque acordou, acabou? Então, para que serve o teste de ereção que o doutor recomenda?

Ele responde: serve para constatar se a flacidez de corpo, alma e membro decorre do estresse. Se advém do medo de perder o emprego, do salário que acaba antes do mês, da conta que não fecha, ou do resultado da consulta ao proctologista ainda por vir.

Se assim for, você é macho para dedéu, mesmo que disso não saiba. Quatro ereções das boas por noite, já imaginou? Tão logo pus minha vista cansada, ela também, no vídeo em questão, eu li “eleição” com certo pavor. Uma a cada quatro anos já me basta.

A banana meio arregaçada na ilustração é que me fez atinar para o real conteúdo da matéria. Lá estava ela ereta, impávida, desafiadora. Já não mais havia dúvida do que se tratava. Também estava ali, de fato, um assunto que me interessava. A mim e aos 600 mil visitantes do canal (êpa!) do moço. Seiscentos mil, meus caros, dá 50 vezes a população de Pilar, minha terra. Dá umas 30 Bananeiras do amigo Rubens. Tudo, decerto, cabisbaixo.

Mas vamos ao estresse. Se for esta a causa do seu desânimo, pode preparar o foguetório. Procure os canais competentes e a solução que lhe for recomendada. É quase interminável a lista de medicamentos contra isso. Há sedativos, antidepressivos e betabloqueadores de todos os preços.

A coisa ainda pode ser resolvida com exercícios físicos, acupuntura, ou conversa com a turma da psiquiatria. Há, ainda, os calmantes naturais, os chás das avós. Pensando bem, é melhor não envolvê-las. Elas não servem para isso. Estão longe de qualquer estímulo dessa ordem.

Mas, em suma, o problema tem menor gravidade se decorrente das doenças da alma. O troço se complica, meu querido, quando resulta de questões físicas, das cardiopatias, da hipertensão, ou da diabetes.

Ou seja, se advém dos males da idade, eu diria, se agora mesmo não me viesse à mente a figura impressionante do Seu Viana, um pilarense de cinco casamentos e pai de menino novo aos 90 anos. Antes que algum maledicente disso duvide, aviso que o simples olhar para aquelas crianças já dispensava o teste de paternidade. Todos tinham a cara e o jeito daquele de cujos cachos saíram.

Acontece que Seu Viana, fenômeno não decifrado, era um daqueles seres surgidos para desafiar a vida e a morte. Um dia, para sorte de dona Ritinha, a última companheira, foi dormir e não mais acordou. O barbeiro Parcela fez campanha para que ele fosse enterrado em pé, no melhor dos seus trajes, em cova vertical.

Mas essa é outra história. Resta a cada um de nós, miseravelmente falíveis, desgraçadamente mortais, o teste caseiro recomendado, via YouTube, pelo nosso doutor.

Faça assim: antes de dormir, banho tomado, envolva o dito cujo, lá pela metade, com um pedaço de fita adesiva de tamanho apenas suficiente para uma volta completa. Manhã seguinte, antes de sair da cama, verifique se a fita rasgou ou se, ao menos, descolou. Assim ocorrido, encomende os foguetes e trate do estresse. Se coladinha a fita permanecer, você estará tão passado quanto aquele que tantas alegrias já lhe deu. Duvida do que eu digo? Veja, então, o vídeo.

Capital ganha petshop especializado em prevenir doenças

Imagem por mera ilustração, copiada de atacama.ind.br

Aposentado da cátedra em Bananeiras, onde foi professor de Zootecnia da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) por mais de 30 anos, Antônio Carlos Ferreira de Melo faz de um tudo para não ficar parado nem permitir que o ócio lhe traga sedentarismo e desânimo.

Depois de assessorar diversos empreendimentos imobiliários no Brejo da Paraíba, especialmente na cidade onde nasceu, criou-se e se desenvolveu como cidadão e educador, Antônio Carlos decidiu ele mesmo empreender. E começou instalando um petshop no Bessa, em João Pessoa, com uma característica bem distinta da concorrência.

PreventPet é o nome escolhido pelo zootecnista, esclarecendo desde logo: por questões éticas e profissionais, não atenderá animais doentes. “Não tenho prerrogativa nem competência para fazer tratamento curativo, mas posso atuar na orientação dos meios adequados para as pessoas conviverem com animais saudáveis”, esclareceu.

Antônio Carlos explica que seu propósito é orientar a clientela sobre adequada nutrição animal, vacinas, higiene, adaptação ao ambiente, manejo e combate a parasitas que podem causar adoecimento de cães e gatos, por exemplo.

“Tudo será feito em função de prevenir ou evitar doenças e hoje, com os avanços tecnológicos, já se tem a certeza de que animais bem nutridos, com bom manejo, muita higiene, boas condições do ambiente criatório, eficiente programa de vacinação, não devem adoecer”, acrescentou.

Ele informou ainda que formalmente está criado na Avenida Afonso Pena, 746 – Bessa, João Pessoa, o Centro de Prevenção em Doença Animal, identificado pela marca PreventPet.

Antônio Carlos, zootecnista

Antônio Carlos tem fundadas expectativas de “criar um ambiente diferenciado no atendimento de nossos animais, fazendo inicialmente uma avaliação nutricional e do estado geral do animal, programando sua alimentação, orientando as práticas de manejo e higiene, além de uma rigorosa prevenção através das vacinas”.

O professor deve saber bem o que diz e faz. Afinal, trata-se de um zootecnista especialista em toxicologia animal, com mais de 40 anos – como aluno e depois professor – acumulando conhecimentos, práticas e experiências em um campus de excelência no ensino técnico e superior em agropecuária.