“Sempre achei que o paraíso fosse uma espécie de biblioteca” (Jorge Luís Borges)
Experimentei literalmente o paraíso em vida a que se refere o venerado escritor argentino. Durante quarenta anos na Universidade Federal da Paraíba. Foi um privilégio ter vivido junto a livros e amigos, todos estimados e valiosos.
Dourados anos convivendo com eles foram fundamentais para o meu desenvolvimento pessoal e profissional. Não houve um dia sequer que me sentisse entediada no ambiente de trabalho; diariamente, seguia motivada para aquele lugar onde se encontravam colegas preciosos e alojava os meus tutores – as coleções bibliográficas.
Em alguns intervalos das atividades técnicas, costumava ir ao encontro dos meus caros aliados, impressos e armazenados em estantes enfileiradas. Procurava conhecer as obras de assuntos diversos, mas sempre parava atenta às de literatura. Percorrer as estantes das publicações constituía instantes enriquecedores, de puro bem-estar.
Impossível numerar as vezes em que ‘escapuli’ para retirar o exemplar do meu interesse da prateleira. Levava-o para uma cabine individual, e ali, tendo como pano de fundo o verde da Mata Atlântica, dava vazão ao prazer da leitura. Difícil descrever o sentimento que se apossava de mim – um real contato com as minhas emoções. Foi um vício mantido por quatro décadas.
Podia estar diante de obras já manuseadas ou recém adquiridas. O entusiasmo era o mesmo. É verdade que gostava de sentir o cheiro que o livro novo exalava. Aquele cheirinho denunciando ter saído do ‘forno’. Sim, a vontade era de devorá-lo; com os olhos, é claro.
Os locais onde ficavam armazenados eram aprazíveis demais. Existia um campo de atmosfera em seu entorno. À noite, a brisa atravessava as aberturas funcionais das paredes e contatava os leitores ávidos por conhecimentos. Sentia satisfação em ser um deles.
Muitas vezes, durante o dia, o calor se fazia presente, mas a temperatura da obra ofuscava a ambiental. Ao memorizar esses momentos, o ânimo percorre todo o meu corpo, deixando-me plena de contentamento.
Questionava quando encontrava algum livro vitimado por ações de vândalos. Ficava perplexa perguntando a mim mesma o que teria provocado aquela insanidade. Logo com o objeto responsável por nosso enriquecimento individual. Nunca consegui entender essa conduta.
Apreciava o trabalho de restauração do livro danificado. Era uma laboração minuciosa exigindo conhecimento específico. Reconfortante era vê-lo recuperado, colocado novamente à disposição dos usuários.
Obra extraviada era motivo para me frustrar. Na minha concepção, deixava de contribuir para um aprendizado coletivo e socializado, para se resumir a um conhecimento unitário.
Ah, que saudade da Coleção Paraibana! Os nossos escritores reunidos naquela sala como um rico mostruário da produção intelectual dos nossos conterrâneos ou patrícios em geral sobre a Paraíba. A atualização desse acervo era automática. As editoras se comprometiam em enviar exemplares à medida que publicavam. Gratificante mesmo era recepcionar os autores in loco.
Circular cotidianamente no universo das letras contribuiu para que gotas de sabedoria fossem depositadas em mim. Sou grata à vida por ter me dado o imenso prazer de ter trabalhado num paraíso.
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- Homenagem da autora ao Dia Nacional do Livro, comemorado neste 29 de outubro