INSTANTES ENTRE ESTANTES, por Babyne Gouvêa

Imagem interna da Biblioteca Central da UFPB (Campus de João Pessoa), copiada do portal da instituição, que não identifica autoria da foto

“Sempre achei que o paraíso fosse uma espécie de biblioteca” (Jorge Luís Borges)

Experimentei literalmente o paraíso em vida a que se refere o venerado escritor argentino. Durante quarenta anos na Universidade Federal da Paraíba. Foi um privilégio ter vivido junto a livros e amigos, todos estimados e valiosos.

Dourados anos convivendo com eles foram fundamentais para o meu desenvolvimento pessoal e profissional. Não houve um dia sequer que me sentisse entediada no ambiente de trabalho; diariamente, seguia motivada para aquele lugar onde se encontravam colegas preciosos e alojava os meus tutores – as coleções bibliográficas.

Em alguns intervalos das atividades técnicas, costumava ir ao encontro dos meus caros aliados, impressos e armazenados em estantes enfileiradas. Procurava conhecer as obras de assuntos diversos, mas sempre parava atenta às de literatura. Percorrer as estantes das publicações constituía instantes enriquecedores, de puro bem-estar.

Impossível numerar as vezes em que ‘escapuli’ para retirar o exemplar do meu interesse da prateleira. Levava-o para uma cabine individual, e ali, tendo como pano de fundo o verde da Mata Atlântica, dava vazão ao prazer da leitura. Difícil descrever o sentimento que se apossava de mim – um real contato com as minhas emoções. Foi um vício mantido por quatro décadas.

Podia estar diante de obras já manuseadas ou recém adquiridas. O entusiasmo era o mesmo. É verdade que gostava de sentir o cheiro que o livro novo exalava. Aquele cheirinho denunciando ter saído do ‘forno’. Sim, a vontade era de devorá-lo; com os olhos, é claro.

Os locais onde ficavam armazenados eram aprazíveis demais. Existia um campo de atmosfera em seu entorno. À noite, a brisa atravessava as aberturas funcionais das paredes e contatava os leitores ávidos por conhecimentos. Sentia satisfação em ser um deles.

Muitas vezes, durante o dia, o calor se fazia presente, mas a temperatura da obra ofuscava a ambiental. Ao memorizar esses momentos, o ânimo percorre todo o meu corpo, deixando-me plena de contentamento.

Questionava quando encontrava algum livro vitimado por ações de vândalos. Ficava perplexa perguntando a mim mesma o que teria provocado aquela insanidade. Logo com o objeto responsável por nosso enriquecimento individual. Nunca consegui entender essa conduta.

Apreciava o trabalho de restauração do livro danificado. Era uma laboração minuciosa exigindo conhecimento específico. Reconfortante era vê-lo recuperado, colocado novamente à disposição dos usuários.

Obra extraviada era motivo para me frustrar. Na minha concepção, deixava de contribuir para um aprendizado coletivo e socializado, para se resumir a um conhecimento unitário.

Ah, que saudade da Coleção Paraibana! Os nossos escritores reunidos naquela sala como um rico mostruário da produção intelectual dos nossos conterrâneos ou patrícios em geral sobre a Paraíba. A atualização desse acervo era automática. As editoras se comprometiam em enviar exemplares à medida que publicavam. Gratificante mesmo era recepcionar os autores in loco.

Circular cotidianamente no universo das letras contribuiu para que gotas de sabedoria fossem depositadas em mim. Sou grata à vida por ter me dado o imenso prazer de ter trabalhado num paraíso.

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  • Homenagem da autora ao Dia Nacional do Livro, comemorado neste 29 de outubro

CPI É POUCO! por José Mário Espínola

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Cena do documentário “Nuremberg: Sua Lição para Hoje” (de Stuart Schulberg, concluído em 2010), sobre o julgamento que entre 1945 e 46 julgou 21 membros da elite do Terceiro Reich (Imagem copiada da revista Exame)

Instalado no dia 20 de novembro de 1945, apenas seis meses após a rendição incondicional da Alemanha e fim da Segunda Grande Guerra na Europa, o Julgamento de Nuremberg estendeu-se por um ano, encerrando no dia 1º de outubro de 1946.

Ao longo desse período, o regime nazifascista foi exposto em sua mais profunda intimidade. O mundo (alemães inclusive) pôde acompanhar horrorizado como foi possível um psicopata seduzir e perverter a mente de toda uma nação.

Foi exposto todo o processo de nascimento, desenvolvimento e perpetuação de um plano sinistro que envolveu aquele país e trouxe consequências funestas para todas as nações do planeta.

Naquela corte, um tribunal penal internacional instalado só para esse fim, foram julgados os principais personagens do nazismo alemão: líderes, ministros, generais, políticos, médicos, empresários, aristocratas, eles foram em sua quase totalidade condenados a penas que variaram da prisão até a forca.

A maioria alegou em sua defesa que cumpria ordens de Adolf Hitler, o facínora que implantou um dos maiores regimes de terror da história. Semelhante a Josef Stalin na União Soviética e Pol Pot no Camboja. Para escapar do julgamento do homem, covardemente ele havia se suicidado poucos dias antes do fim da guerra.

Seus generais tentaram fugir também covardemente, usando todo tipo de estratagema. Alguns conseguiram escapar, a maioria para a Argentina e o sul do Brasil, onde havia muitos seguidores do nazismo. Outros, os mais capazes, foram cooptados pelos Estados Unidos e pela União Soviética, onde puderam desfrutar de uma vida de impunidade.

Os maiores líderes, os maiores responsáveis por esse regime de terror, escaparam do cumprimento da pena capital, de ser pendurado numa corda, ingerindo cápsulas de cianureto.

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Seis meses após ter sido instalada no Senado, chega ao fim a Comissão Parlamentar de Inquérito aberta para investigar a atuação de autoridades brasileiras no enfrentamento da pandemia que assola o mundo desde fevereiro de 2020, especialmente no Brasil.

Nesses quase dois anos, o país assistiu horrorizado às revelações sobre o comportamento de líderes, ministros, militares, políticos, médicos, empresários, aristocratas, governadores, secretários, subalternos do terceiro escalão, durante a pandemia, muitos dos quais contribuíram para o agravamento da crise sanitária que estamos vivendo, com prejuízo de centenas de milhares de vidas e da economia.

Muitos desses implicados tentam fugir covardemente, alegando que cumpriam ordens. Ao final, ficou bem clara a responsabilidade do principal elemento, o líder maior, a quem pode ser atribuída a principal responsabilidade pelo agravamento da pandemia, com as consequentes mortes resultantes dela.

Ele pecou por ação e omissão, por imperícia, por imprudência e por negligência. Se médico fosse (e por felicidade nossa não o é), seria condenado tendo como base o artigo 1º do Código de Ética Médica (CEM):

  • É vedado ao médico:
    Art. 1º Causar dano ao paciente, por ação ou omissão, caracterizável como imperícia, imprudência ou negligência.

Um tribunal penal a ser instalado deverá apurar todas as responsabilidades, não somente os ilícitos praticados durante a pandemia.

Entre os ilícitos, crimes contra a saúde pública, pela ação de dificultar a prevenção e o tratamento da Covid, por agir contra as medidas sanitárias de usar máscaras e manter distanciamento social. E, especialmente, por vir combatendo de forma institucional a vacinação da população, único recurso para escapar da morte.

Se tivesse agido de forma oposta, teria evitado a maioria das mais 600 mil mortes de brasileiros, que enlutaram número igual de famílias, muitas das quais acreditaram nele.

Crimes contra a humanidade, bem caracterizados pela perseguição institucional a índios, quilombolas e todas as classes sociais de baixa renda. Crimes contra a natureza. Crimes contra a ordem econômica e social. Crimes contra a educação. Crimes contra a cultura. Crimes contra negros. E, finalmente, por tornar o Brasil um pária das nações do mundo.

Muitos outros crimes serão denunciados contra o cidadão-maior, seus filhos e comparsas. A maioria cometidos cumprindo um plano sinistro, obedecendo a um roteiro de filme de terror para a instalação de um regime nazifascista no Brasil. E boa parte favorecendo empresários desonestos e outros facínoras, como os mineiros que estão matando índios e poluindo os rios da Amazônia.

Esperamos que um dia sejam todos julgados antes que possam deflagrar um conflito pior, interno ou externo. Não por uma CPI, mas por um novo Nuremberg. Sem direito a cápsulas de cianuretos que lhes permitam fugir da responsabilidade.

IMPACTO DA FOME, por Babyne Gouvêa

A Cufa (Central Única das Favelas) doou cestas básicas às famílias que buscavam restos de comida em caminhão de lixo em Fortaleza (Imagem: Reprodução/Revista Fórum)

Simplesmente impactante. A cena veiculada nos meios televisivos, durante a semana, foi desoladora. Nossos irmãos à procura por alimentos num caminhão de lixo doeu nas entranhas, literalmente.

A dor de ver um ser humano à cata de gêneros alimentícios dentre produtos fétidos e deteriorados corrói a alma. A avidez estampada no semblante dos catadores se assemelhava a cães farejadores. A comparação é grotesca, mas fiel.

Não se observa esse cenário desumano com passividade. A situação exige pragmatismo, sem maiores delongas. Alguma medida tem que ser tomada, uma iniciativa que parta dos poderes públicos com a coadjuvação da sociedade civil; salientando que não basta somente sensibilizar acerca de doações que até podem ajudar a abafar a fumaça, mas jamais apagarão o incêndio.

A realidade da Covid-19 mostrou diversas fragilidades. A maior delas, a fome. Esse cenário nos leva a uma temática: renda mínima, ou seja, um valor suficiente para atender parcela da população que se encontra em situação de vulnerabilidade com as despesas mínimas, principalmente a alimentação.

“Quem tem fome, tem pressa!”. Quem não lembra a frase repetida diversas vezes pelo sociólogo Herbert José de Sousa, o Betinho? Mas essa pressa leva a uma reflexão sobre a consciência da identidade entre todos os homens: a garantia do direito à alimentação.

Ninguém pode tolerar a destruição de seu semelhante sem colocar em perigo sua própria humanidade, sua própria identidade.

São 19 milhões de brasileiros em situação de fome no Brasil. A comparação com 2018 (10,3 milhões) revela que são 9 milhões de pessoas a mais nessa condição, segundo dados de 2020 da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional.

Para esses milhões de brasileiros, a fome é algo crônico e duradouro. É não ter acesso regular a alimentos. Ter fome é não ter o direito a uma vida digna. Mais indigno é assistir inerte a fome comendo um semelhante.

“Quando dou comida aos pobres, me chamam de santo. Quando pergunto porque eles são pobres, chamam-me de comunista.” Essa é do imortal Dom Hélder Câmara. Retrata uma mentalidade equivocada que pode comprometer – e tem comprometido – iniciativas públicas como aquelas que até 2015 riscavam o Brasil do Mapa da Fome.

Trabalhar de pé o tempo todo é desumano e revoltante

garçonete

Imagem meramente ilustrativa copiada da Internet no site contratoimediato.com

Não há como não ficar indignado quando a gente se dá conta que milhões de brasileiros passam sete horas ou mais trabalhando de pé, todo ‘santo dia’. O motivo da indignação vem do seguinte: a esses, a maioria dos patrões costuma negar o direito, previsto em lei, de poder sentar um pouco quando não houver cliente para atender.

Mas o castigo é parte da lida de quase todas as pessoas que trabalham por trás de balcão ou entre corredores, móveis e mercadorias das mais diferentes lojas do comércio varejista ou no segmento de bares, restaurantes e lanchonetes. Digo assim com ‘autoridade’ de habitué de cafés, padarias e shoppings de João Pessoa, onde vez por outra confiro vestígios de escravidão.

Normalmente, sem expedientes prolongados nas datas comemorativas de maior consumo (dia das mães, dos pais e dos namorados, por exemplo), nesse ramo o eito é de 44 horas por semana (oito por dia de segunda a sexta, com uma hora pra almoçar, mais quatro horas no sábado). Vendedores, recepcionistas, garçons e outros exercentes de funções similares submetem-se ao tormento. Sem chiar nem reivindicar.

Não é pra menos. É imenso o medo de ser mandado embora de onde se tira o sustento. Especialmente no Brasil de agora, onde é grande o risco de alguém demitido passar anos sem dar baixa no exército de desempregados e desalentados que já infelicita mais de 40 milhões de humanos produtivos.

A questão que aqui abordo mandou-me assuntar na Internet. Para me inteirar se existe alguma proteção legal para quem trabalha assim, de pé o tempo todo. Dei com o parágrafo único do art. 199 da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho). “Quando o trabalho deva ser executado de pé, os empregados terão à sua disposição assentos para serem utilizados nas pausas que o serviço permitir”, reza o dispositivo.

Dispositivo introduzido na CLT, que é de 1943, por uma lei (nº 6.514) de 1977. Mas estamos em 2021. Significa: 44 anos depois, pelo visto quase ninguém sabe, aplica ou fiscaliza se tal lei está sendo cumprida. Porque foi essa a impressão que me ficou após o cafezinho de hoje (22) numa cafeteria da orla, na qual me senti praticamente o único freguês até o meio da tarde.

Entre chegar, consumir e sair, levei perto de uma hora. Ocupei mesa no terraço do estabelecimento, onde fui atendido por jovem que começara a trabalhar há cinco horas, pelo menos. Apesar do esforço de simpatia no atendimento, suas feições traiam cansaço e desconforto, provavelmente consequência de dor nos pés, nas pernas, quadris, coluna ou alguma doença já adquirida por conta do lê-lê.

“Tem nem um banquinho pra sentar vez em quando?”, perguntei, estendendo minha curiosidade a outras quatro jovens colegas dela que no interior do estabelecimento também se mantinham de pé. Duas delas escoradas na parede perto do caixa. “Não, não tem, mas tá de boa. A gente se movimenta, né?”, respondeu. Não fui além. A expressão do meu interesse a deixou visivelmente pouco à vontade.

Não estiquei a conversa. Vai que o dono da casa está monitorando por câmera ou presencialmente (não sei quem é)… Depois, no mínimo dá “uma chamada daquelas” na moça. Ou faz coisa pior. Talvez na certeza de não ser incomodado por sindicato da categoria que emprega, por algum fiscal ou procurador do Trabalho.

HUMORES MARCANTES, por Babyne Gouvêa

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(Imagem: wallpaperbetter.com)

O senso de humor é um traço característico de inteligência, seja ele de qualquer tipo – do tímido ao evidente, do aconchegante ao desagradável, premissa defendida por muitos mortais.

O grau de perspicácia do observador é primordial para detectar a tênue linha que distingue esses variados tipos.

Seguindo essa tese, destaco alguns modelos que me são inspiradores e marcantes, dentro do meu círculo de amizade, e sempre atenta ao olhar e movimentos labiais, apontadores da verdade ou disfarce no momento do riso.

Nada mais agradável do que encontrar alguém que se aproxima com o sorriso nos olhos. É o caso de Deda Henriques (minha professora de Francês, no ginásio) e da minha prima Susy Neiva.

Deda encarava as alunas com um semblante convidativo ao aprendizado, apertando os olhos com um jeitinho bem conquistador, e a segunda mantém uma aparência afável transmitindo doçura e acolhimento pelo olhar.

O humor talentoso é pura sedução. Inventivo, é bem típico das pessoas dotadas de genialidade. Dois amigos espelham essas características: Marta Pessoa e Silvino Espínola. Às vezes esse humor é confundido com espírito ácido, mas basta um pouco de discernimento para substituir o equívoco por espírito sagaz.

O riso fácil de quem personifica a própria alegria é contagiante. É o caso da minha filha, Camila Soares, e da minha comadre Dodora Diniz.

O timbre da risada de ambas vai do soprano ao contralto, semelhante a um instrumento entoando uma escala musical com todas as notas. É uma verdadeira evocação ao lúdico o que as protagonistas desse privilégio fazem com quem se aproxima delas. Impossível haver tristeza em suas companhias.

Humor espirituoso é bem típico dos mais tímidos, como o presente na minha amiga Joana Emília. Em todas as situações, sejam elas dramáticas ou descontraídas, ela sussurra algo curto e engraçado. Sisudez passa longe diante do gracejo oportuno.

A gargalhada é bem particular. Nem todos passam pela vida tendo usufruído essa experiência. A minha cunhada, Zélia Gouvêa, faz um arranjo musical do agudo ao grave quando se sente motivada, e resgata o bom humor até dos depressivos.

Beleza de humor está reunida na minha irmã, Tata Baracuhy. Discreto, mas retrata fielmente a bondade existente nela. Pessoalmente ou fotográfico, é perceptível e digno de elogios o encanto de seu sorriso.

Há aqueles que não têm o hábito de sorrir, como o meu pai. De temperamento austero, determinado nas atitudes, preferia a circunspecção. Opinava criticamente sobre as adversidades enfrentadas com ênfase e seriedade no semblante, chegando a ser cômico pela forma encenada.

Aquela austeridade escondia um bondoso coração. Recordações de um sublime tempo familiar sedimentadas em nossas vidas.

Mas eis que, em determinado momento, uma expressão facial notadamente nas regiões dos olhos e dos lábios, evidenciando um largo e bonito sorriso, inspirou-me e me marcou decididamente – o do meu marido Newton.

Estado paga miséria por trabalho difícil e perigoso na Fundac

Foto: Reprodução-Facebook

Servidores da Fundac mobilizados pela atualização de cargos e salários (foto copiada do Facebook)

Representados por seu sindicato, mais de 600 servidores da Fundação de Desenvolvimento da Criança e do Adolescente Alice de Almeida (Fundac) lutam por condições mínimas de trabalho e salários minimamente dignos.

Não pedem muito. Querem apenas eliminar precariedades no exercício da função e a revisão de um plano de cargos, carreira e remuneração (PCCR) instituído em 2007 já com defasagens jamais corrigidas, até hoje.

Presidente do Sindicato dos Trabalhadores da Fundac, o SintacPB, Márcio Phillip disse hoje (19) que desde 2018 a entidade encaminhou ao governo um anteprojeto de lei que trata da Lei Orgânica da Fundação e do PCCR.

Em 2019, o governo começou a estudar a proposta através de uma comissão que formatou uma minuta de projeto de lei. O documento dorme há um ano e nove meses em alguma gaveta da Secretaria da Administração.

O esforço, agora, é por desengavetar o PL e submetê-lo à equipe econômica do governo estadual. Concluída essa etapa, vem o encaminhamento à Assembleia Legislativa através da Casa Civil do governador.

Os funcionários de nível superior da Fundac ganham, como vencimento básico, pouco mais de um salário mínimo no último nível da carreira. Os de nível médio, por seu turno, precisam de penduricalhos para empatar com o mínimo.

A comissão que revisou o PCCR da Fundac montou uma tabela onde a inicial do nível superior é de R$ 2.455. Trinta anos ou mais depois e após avançar sete níveis na carreira, esse servidor pode se aposentar com R$ 5.740.

O de nível médio começa com R$ 1.513 no Nível I e chega a R$ 3.547 no Nível VII. E ainda tem o auxiliar de serviço, que vai de R$ 1.297 a 2.776. Vai, claro, se o governador autorizar o envio da revisão do PCCR ao Legislativo.

O problema é chegar ao ‘se’. Pelo visto, a gestão não parece dar importância a um pessoal que vez por outra arrisca a própria vida para dar assistência e conta de 177 “adolescentes e jovens em conflito com a lei”.

É uma missão difícil, quase sempre incompreendida ‘lá fora’ e miseravelmente remunerada para enfrentar, por exemplo, rebeliões violentas que vez por outra eclodem nas unidades socieducativas de João Pessoa, Lagoa Seca e Sousa.

GRANDES MESTRES, por Babyne Gouvêa

história da arte

Detalhe de ‘A Criação de Adão’, de Michelangelo, pintado em 1511 no teto da Capela Sistina (Vaticano)

Posso bater no peito e dizer que tive dois grandes professores com nível de excelência: Ivanildo Brito e Júlio Goldfarb, na década de 70, aos quais serei eternamente grata.

Desses dois grandes mestres guardo conhecimento e lembranças da didática utilizada por eles em salas de aula. Ambos tinham muito em comum, embora lecionassem matérias distintas: o primeiro ensinava ‘História da Arte’; o segundo, ‘Evolução do Pensamento Científico e Filosófico’.

Assíduos, transferiam para os alunos cargas incomensuráveis de sabedoria. Embora fossem sábios não eram esnobes ou distantes dos seus aprendizes. A condução do ensino era feita com maestria, facilitando o aprendizado dos seus receptores.

O legado que herdei deles foi rico para os padrões do ensino de graduação. Tenho essa percepção clara face à base que assimilei. As portas da mente ficaram firmadas para receber outros saberes.

Havia ocasiões em que o Professor Júlio ministrava a sua aula para um número reduzido de alunos, porque o assunto não era atraente para alguns colegas. Isso não era motivo para diminuir o seu entusiasmo em lecionar. Não sabiam os ausentes que aqueles ensinamentos seriam utilizados durante toda a nossa existência.

O pensamento científico está muito presente na vida cotidiana e nos permite fazer perguntas baseadas na razão. Uma pessoa com mentalidade científica quer saber o porquê dos acontecimentos. O Professor Júlio insistia nessa premissa.

O Professor Ivanildo preparava as suas aulas com o esmero comparável à uma defesa de dissertação. Ele estabelecia conhecimento e sabedoria amplos – das mais antigas pinturas até a arte contemporânea -, promovendo um passeio fascinante sobre a História da Arte.

Com a sua erudição e uma oratória fluente, era dono de um talento excepcional para comunicar o seu amor pelas obras de arte. Descrevia de forma impecável as características dos estilos artísticos.

Competência e credibilidade desses grandes mestres deram aos seus discípulos espaço para pensar, questionar e expressar. Souberam formar o alicerce das habilidades intelectuais dos seus pupilos.

UMA VIDA DE ATROPELOS, por Ana Lia Almeida

Protesto pela morte de Kelton Marques, assassinado por atropelamento no Retão de Manaíra (João Pessoa) no dia 11 de setembro último. Ruan Ferreira de Oliveira, acusado pelo crime, continua foragido (Foto: Felipe Costeira, publicada em termometrodapolítica.com.br)

O trânsito já estava parado há meia hora e os passageiros mais impacientes começavam a descer do ônibus para entender o que havia acontecido. Rita aproveitava para complementar o sono nunca dormido nas muitas horas roubadas pela patroa e pelas longas esperas do transporte público. Lá dentro sentada, cochilando, não se incomodava de esperar. Achava era bom, o barulhinho do motor lhe ninando, uma brisa leve saudando seu rosto bem em frente à janela, pedaços de sonho entretendo sua mente com as muitas histórias que ouvia dentro do busú.

A notícia chegou primeiro no sonho de Rita, no lusco-fusco entre o mundo dos que dormem e o dos já acordados. Ela sonhava correndo atrás do cachorro de dona Laura, que de vez em quando se soltava da coleira, mesmo, quando Rita o levava para fazer xixi durante as tardes, aproveitando para bater um papinho com as outras empregadas do condomínio. No meio dessa carreira, no sonho, ela tropeçava em uma pedra e voava por cima de Pimpão, certa de que ia morrer… Já era, já era… Acordou com um frio na barriga, assustada, no meio da reportagem de um dos passageiros que retornava ao ônibus ainda parado.

Já era, mermão, já era. Deve ter morrido antes de cair no chão. E o filho da puta ainda saiu fugido, alma sebosa. Fura o sinal vermelho em alta velocidade, atropela o motoboy e fica por isso mesmo. Eu vi o corpo, voou para longe da moto com a batida, ali no asfalto, todo ensanguentado. Que Deus o tenha. Entregador do Ifood, a família não vai nem receber o dinheiro do caixão. Vida de trabalhador não vale nada, mermão. Se nós não se ajudar, a vida atropela e pronto, não tem um que escape. Tudo que nós tem é nós, se liga na palavra.

Ainda sem entender direito o que estava acontecendo, Rita esfregou os olhos e reparou no movimento pela janela. Pessoas iam e vinham, agitadas; barulho de sirene e buzina por todos os lados. Ambulância. Polícia. Imprensa. O tumulto era grande, e ela resolveu descer do ônibus já praticamente vazio. Ao se aproximar da multidão em torno do corpo do motoqueiro atropelado, passou por trás das câmeras do Jornal Bem na Hora, noticiando a morte do rapaz. A jornalista também anunciava o protesto dos motoboys marcado para o dia seguinte ali mesmo, no local do acidente.

Diante daquele clima de revolta e tristeza, Rita desejou participar do protesto. Se tivesse coragem, amanhã inventaria uma enxaqueca para dona Laura e sairia mais cedo do trabalho. Ela se juntaria aos motoboys, sim, exigindo justiça pela morte daquele menino. Já estava na hora de terem mais direitos, também, que, depois das empregadas, era quem mais trabalhavam, pra cima e pra baixo se arriscando em cima de moto pra ganhar uma mixaria. O rapaz do ônibus tinha razão: se a gente não se ajudar, ninguém escapa dessa vida de atropelos.