CAMILA, por Babyne Gouvêa

Camila

Chovia torrencialmente na noite que a minha filha Camila resolveu vir ao mundo – 18 de março de 1981. A data é marcada pelo incidente ocorrido na Rua 13 de Maio, centro de João Pessoa, provocado pelo rompimento de galerias de águas pluviais.

Naquele momento o meu foco eram as contrações que anunciavam a sua chegada. Desconhecia o que estava ocorrendo longe do meu espaço. A ansiedade de ver o meu bebê com sinais vitais normais centralizava minhas atenções.

Corremos para a maternidade, em meio ao temporal, e chegamos a tempo de ser colocada numa maca específica de parturiente. O detalhe assustador foram as infiltrações na sala de parto. Meu obstetra não sabia se ficava atento a mim ou à parte do ambiente inundado.

Ela, que habitava o meu corpo durante uma completa gestação, resolveu sair do seu confortável casulo de forma apressada, como os seus outros dois irmãos. Embora pedisse moderação na saída do meu ventre, insistia na indisciplina e ignorou a chuva e seus danos.

Besuntada com o líquido amniótico deixou o aconchego uterino e deitou nas minhas mamas. Precocemente, fez gestos com o beicinho procurando o colostro, sua primeira alimentação num mundo desconhecido.

De maneira análoga, bem semelhante à sintonia das notas musicais, sentimos juntas um acorde de respirações criando um soar harmônico. A cumplicidade se instalou imediatamente e o compromisso de conivência foi estabelecido.

Examinei todo o seu corpinho antes do pediatra. Vi que estava perfeito. Num monólogo lhe falei sobre a felicidade que a sua chegada estava proporcionando à família e, principalmente, à sua mãe. Adverti sobre a festiva recepção dos seus irmãos, que lhe aguardavam em casa.

O parto íntegro, apesar do vendaval lá fora, teve um desfecho exultante. A nova vida lhe garantiu uma existência plena de realizações pessoais e profissionais. A formação do seu caráter altivo, solidário e sociável contribuiu para se tornar uma bela mulher, digna de admiração de todos que lhe conhecem. A família que construiu ratifica a minha premissa.

Parabéns, meu amor. Agradeço à vida por ter me presenteado com uma filha como você.

Nadezhda Bezerra lança seu novo livro em João Pessoa

João Pessoa e o Brick Tops Café, em Manaíra, foram a cidade e o local escolhidos para o lançamento presencial – às 19h desta sexta (17) – de ‘Obrigada por vir’, novo livro da escritora Nadezhda Bezerra.

“A obra, de excelência, traz uma auto ficção sobre uma gravidez condenada a não vingar”, resume a também escritora Ana Lia Almeida, que fará a mediação do evento em torno desse que é o terceiro livro publicado por Nadezhada.

‘Obrigada por vir’ é publicação da Opera Editora. Antes, Nadezhada escreveu e publicou ‘De Princesa a Estrela: a história de Sofia Fares’ (eBook Kindle, 2016) e ’45 pequenas histórias aleatórias’ (eBook Kindle, 2020).

Texto de divulgação do lançamento antecipa que além da apresentação e sessão de autógrafos do livro, Nadezhda e Ana Lia conversarão com os presentes sobre o processo de criação, técnicas de escrita “e as jornadas de uma maternidade invisibilizada pelo colo vazio”.

Escritora, jornalista e publicitária, Nadezhda Bezerra é também Mestre em Comunicação, especialista em Propaganda e Marketing, professora universitária, roteirista de cinema e produtora de conteúdo digital.

GRANDE DEMAIS PRA QUEBRAR, por Frutuoso Chaves

Cena do filme ‘Grande demais para quebrar’

E o décimo sexto maior banco dos Estados Unidos, o Silicon Valley Bank, vulgo SVB, vai para o beleléu. Logo ele que carrega “silício” no nome. Justamente ele, o motor da indústria da tecnologia, o preferido pelo pessoal da high tech.

Leio pouco sobre o assunto, mas leio o suficiente para me inteirar de que a encrenca por lá se completa com o fechamento do Signature Bank, o banco comercial licenciado pelo Estado de Nova York. Assim mesmo, uma bancarrota puxando outra.

Os tais analistas de mercado, ao que me contam as manchetes, não veem crise tão generalizada quanto a de 2008, aquela sentida de Moscou a Coxixola. Aquela na qual o Brasil seria o último país a entrar e o primeiro a sair, no dizer de um camarada egresso de chão de fábrica para o movimento sindical e, daí, para a Presidência da República. Quem não lembra?

Mundo doido esse em que o sistema financeiro dá um espirro no berço de Tio Sam e um chinesinho toma um susto. Por falar nisso, não dá para esquecer a observação da dona Hillary ao velho Trump ao cabo daquela disputa eleitoral por ela perdida. O vitorioso tascava o pau na China. E ela, abismada: “Como é possível ser duro com seu banqueiro?”. Referia-se ao fato de ser a China, com US$ 800 bilhões daqueles títulos, a maior credora do Tesouro americano. Mundo doido, de fato.

E eis que é chegada a hora de rever, com direito aos arrepios, “Grande demais para quebrar”. Trata-se do filme que revela os bastidores da crise financeira para a qual Wall Street arrastou o mundo, 15 anos atrás. O roteiro tem base no livro do jornalista Andrew Sorkin.

Sob a direção primorosa de Curtis Hanson, um conjunto de atores competentes encarna figurinhas carimbadas do cenário político e econômico moderno, a exemplo do ex-secretário do Tesouro americano Henry Paulson, de Jamie Dimon (CEO do banco JP Morgan), Dick Fuld (do Lehman Brothers), Lloyd Blankfein (do Goldman Sachs) e John Mack (do Morgan Stanley), entre outros menos cotados.

Impagável a cena que reproduz um Henry Paulson de joelhos a suplicar o apoio de Hillary Clinton ao plano de injeção de US$ 125 bilhões no sistema bancário dos Estados Unidos. E ela, irônica: “Henry, eu não sabia que você era tão católico”. Mas contribuiu para a aprovação da mutreta com a entrega aos carniceiros da vultosa parcela de recursos decorrentes da cobrança de impostos, enquanto milhões de famílias perdiam suas casas e amargavam o desemprego.

Firmado o negócio, uma assistente de Paulson lamentava, estarrecida: “Demos 125 bilhões de dólares para solucionar a crise que esse pessoal provocou e o fizemos sem impor nenhuma restrição ao uso desse dinheiro porque, se impuséssemos, eles recusariam”. E outro mais perguntava: “Eles vão emprestar esse dinheiro, não vão?”.

Ah, os capitalistas… Privatizam lucros e socializam prejuízos.

NÃO MERECEMOS SER CONFUNDIDOS, por Francisco Jácome Sarmento

Cercas de arame farpado dominam o entorno da Estação Ciência

O que uma cidade que não cuida de seu patrimônio histórico e natural diz de seus habitantes? Em tese, desprezando-se a heterogeneidade de visões individuais, se o poder público responsável tiver sido eleito de forma democrática, leia-se, sem vícios, o desprezo pela história e pela cultura local estará tão somente espelhando a mentalidade majoritária dos eleitores que escolheram tais representantes.

Outra situação hipotética é quando, no processo democrático, prevalece o interesse de uma minoria abastada, prevalência essa viabilizada pela conversão do poder político em mera correia de transmissão do poder econômico. Nesse caso, a essência da democracia é liquidada. Como se não bastassem todas as consequências de governos eleitos por vias tortas, são os habitantes locais que podem levar a má fama de pouco civilizados, ao tolerarem o abandono daquilo que a natureza e séculos de história os concederam.

João Pessoa, capital da Paraíba, é a cidade que abriga uma referência geográfica mundialmente reconhecida como “O Ponto Mais Oriental das Américas”. Historicamente, o tratamento dispensado pelo poder público à Ponta do Seixas e seu exuberante entorno natural não condiz em nada com o valor simbólico e cultural abrigado nesse reconhecimento.

Na chamada “capital de todos os paraibanos”, habitam inúmeros amigos de um verde já credenciado como marca indelével de nossa urbanidade. Não se pode atribuir à população de João Pessoa a falta de compromisso com o meio ambiente, muito menos macular a imagem da cidade perante o resto do mundo com o passivo acumulado por décadas, gerado pela falta de visão estratégica na promoção do turismo e do desenvolvimento econômico sustentável, exigíveis de órgãos públicos que têm o planejamento multisetorial e o meio ambiente como focos administrativos.

Enquanto marco simbólico, cultural e ambiental importante para o Brasil e o mundo, o ambiente natural de inserção da Ponta do Seixas clama por providências que, mesmo não demandantes de grandes obras de infraestrutura, esbarra em interesses que têm prevalecido ao longo do tempo, para prejuízo do interesse maior da coletividade.

Há quase uma década, foi apresentado à Prefeitura Municipal de João Pessoa a ideia de converter parte da área de entorno da Estação Ciência em um parque arborizado com espécies nativas da Mata Atlântica e dotado de toda infraestrutura necessária para que pedestres e ciclistas, turistas e moradores da cidade, já a partir da subida da ladeira do Cabo Branco (fim da avenida homônima), pudessem desfrutar daquele espaço.

Além de a iniciativa permanecer no plano das ideias, há muito o poder público fechou os olhos para a forma como a área vem sendo ocupada: da noite para o dia, surgem novas residências particulares e muros demarcadores de posse de terrenos, não raramente invasores de área pública, correspondente à faixa de domínio da rodovia existente.

Anúncios de “vende-se” se acotovelam onde cabem os letreiros, como que sabendo ser funcional o adensamento populacional (com pretensos vizinhos da obra de Oscar Niemayer) em velar o sono do poder público, cuja inércia secular banaliza uma referência cultural que, se transportável fosse, seria objeto de cobiça de toda e qualquer cidade litorânea das Américas.

O que desmotiva aplicar ao contexto ambiental do “Ponto Mais Oriental das Américas”, repita-se, marco mundialmente reconhecido, solução similar àquela que a Prefeitura de João Pessoa encontrou para a área desapropriada do Aeroclube, localizado no bairro do Bessa? Seria essa falta de motivação algo decorrente da impossibilidade de, no entorno da Estação

Ciência, serem edificados lucrativos espigões residenciais e comerciais – diga-se de passagem – acolhidos pelos impostos dos pessoenses, com arruamentos, novas vias, infraestrutura sanitária, além da área verde pública, como será o caso do parque do Aeroclube?

A criação do que à época de sua apresentação chegou-se a denominar “Parque do Extremo Oriental” demandaria dos órgãos competentes as desapropriações e, em montante menor, a implantação do paisagismo e do mobiliário urbano, apropriados a esse tipo de equipamento.

Tal iniciativa proclamaria ao mundo o respeito, o reconhecimento e a real envergadura da cultura do povo da capital paraibana, finalmente redimida da injustiça de ter sua mentalidade confundida com a de diversos mandatários, inscritos na história política da Paraíba, para quem eleitores socialmente vulneráveis nunca passaram de uma mercadoria venal, portanto, adquirível sempre que necessário à perpetuação no poder, cujas engrenagens se movem bem azeitadas quando há negócios à vista.

Note-se que a implantação de tal equipamento não depende dos ditos “projetos de engordamento” e de “estabilização da falésia”, propalados pela Prefeitura da Capital como “em fase de estudos”. Terá, sim, efeitos imediatos benéficos e mitigantes tanto dos agentes naturais como antrópicos, atuantes no processo erosivo estabelecido no contorno da falésia e na praia do Cabo Branco.

Nas matas recompostas do novo parque certamente não mais rugiriam aos turistas e visitantes as cercas de arame farpado hoje dominantes no entorno da Estação Ciência, agressivas a ponto de lembrarem uma espécie de campo de concentração, onde o trabalho do poder público não liberta, mas sim aprisiona e deixa definhar a própria beleza.

  • Fotos: Francisco Sarmento

PRESENTE DE GREGO, por Frutuoso Chaves

A cavalo dado não se olha as pernas? (Divulgação/MME e Reprodução/Paulo Pimenta)

Eu até aceito o termo. Afinal de contas, é coisa incorporada ao longo dos séculos à memória da humanidade. Significa um mimo, um agrado capaz de prejudicar quem o receba.

Mas, perdoem-me os crédulos, nunca fui muito de confiar naquele Homero. Ô camaradinha para inventar histórias. Já fazia isso antes, muito antes, quase mil e duzentos anos antes de nascer aquele que Pôncio Pilatos mandaria para a cruz.

O crucificado, coitadinho, veio ao mundo em defesa dos pobres de Jó. E a plebe ignara, besta quadrada, imbecil à quintessência, a insultar o homem que poderia salvá-la: “Maltrapilho, comunista (alusão à doutrina da comunhão e não ao velho Karl Marx), filho de manjedoura… Vai para a Galileia”. E Barrabás se safou.

Mas essa é outra história. O tema aqui tratado é o do cavalo oco, o presente de grego aos troianos. Homero até que desperta o interesse pela conversa ao revelar como Odisseu imaginou o recheio daquela coisa gigantesca: um pequeno grupo de guerreiros encarregados de sair do bicho, noite alta, a fim de abrir o portão de Tróia para a invasão inimiga, pondo fim a uma guerra que já durava dez anos.

Admito a genialidade desse golpe. Mas, pensando bem, para que diabo serviria um cavalão de madeira ofertado à turma de Páris, o raptor de Helena, mulher de Menelau, este último amigo de Agamenon, Odisseu e de Aquiles? Bons amigos, sem dúvida, porquanto dispostos a dez anos de briga, com perda de soldados e dinheiro, para o resgate da mulher do outro.

Também aceito uma aliança a esse ponto, ao considerar a possibilidade do rateio dos despojos troianos entre os aliados. Faz sentido.

O que não faz é a proteção de uma deusa ao raptor. Afrodite não chegaria a tanto. Nem acho que possa ter existido outra deusa descuidada a ponto de esquecer de banhar os calcanhares do filho em águas mágicas, como assim teria feito Tétis, mãe do pobre Aquiles, um herói com pés de barro e, por conta disso, morto com uma flechada, exatamente, onde poderia ser ferido.

Um doido, aquele Homero. Mas pode-se dar-lhe algum desconto. Teria assim escrito por ouvir falar, uns 400 anos depois do ocorrido. Afinal, quem conta um conto aumenta um ponto, como diria a minha avó Amélia e as avós de muitos de vocês. Pela mesma razão, é preciso desculpar Virgílio, outro poeta a tratar do tal cavalo, séculos depois do primeiro.

Renovo o apelo ao perdão dos crédulos, mas eu prefiro mesmo é apostar na veracidade de um cavalo oco e sua carga de R$ 16,5 milhões atualmente despachado da Arábia Saudita. Esta, sim, é história bem contada, pois documentada com fotos, áudios e vídeos, ferramentas das quais, evidentemente, não dispunham os povos antigos.

Sabemos do nosso Páris. Mas quem seria a nossa Helena? Os adversários do moço asseguram que tem nome de homem: chama-se Landulpho e habita a Bahia.

Neste caso, o presente, ao invés de pôr fim a uma guerra, celebraria a venda de uma refinaria pela metade do preço. Será? Seja como for, é a história que acompanharemos em breves e emocionantes capítulos.

FISIOLOGIA CULTURAL, por Alberto Lacet

Imagem: rtve

Parece que toda instância de dor, medo, ódio, sentimentos de uma forma geral, ou sentidos físicos como sabor, cheiro, sensação térmica de frio ou calor, tudo isso é registrado pelo corpo humano após o ganho de uma forma de expressão sensitiva identificada por canal especifico no cérebro.

O cérebro humano é pois, além da conhecida máquina de pensamentos e formulações racionais para leitura e interpretação da realidade (cuja chave decisiva para execução dessas tarefas foi o lento processo criativo de formulação linguística), é também um dispositivo que prontamente serve de alarme para situações de perigo, ou para sinalizações favoráveis ao relaxamento, à alegria ou usufruto de prazeres diversos.

O cérebro pode ser comparado a um tijolinho de cerâmica onde imagens em forma de símbolos ficam gravados em baixo (ou alto?) relevo de uma forma algo parecida com a escrita cuneiforme dos primeiros e primitivos sumerianos, por exemplo. Ou seja, a nossa mente é uma espécie de retábulo onde se incorporam os chamados tártaros, que podem ser vistos como circuitos eletrônicos que encerram em si dados de memória, e que, uma vez percorridos por corrente elétrica vital, ativam imagens e sons neles (e por eles) codificados.

Desde já, é possível aventarmos que não foi outra coisa senão o crescimento desses arquivos mentais que provocou o crescimento da massa encefálica num processo inversamente proporcional ao tempo — cada vez menor que a evolução nos requisita –– de produção de novos dados, ou seja, deu-se uma inversão de crescimento à medida que a enorme sobra de espaço da massa encefálica em relação aos arquivos nela encaixados durante o passado da humanidade diminuiu à medida que os novos conteúdos (saberes, culturas, e operações tecnológicos) se dilatavam dentro da caixa craniana. Após milhares de anos, o conteúdo passou a crescer em velocidade superior a do continente, criando um descompasso entre caixa craniana e massa encefálica, o que, antropologicamente pode começar a produzir sérios problemas de percurso eletrônico cerebral, estrangulamento do circuito que pode se refletir em esgotamentos da memória, demência etc. problemas em geral de natureza cognitiva para a mente humana.

A ciência de hoje nem discute o fato de que o desenvolvimento de armas pelos humanos, a partir dos períodos intermediários do paleolítico, possibilitou para o homo sapiens a ingestão de carnes como seu alimento principal, e que este consumo exagerado de proteína animal resultou em aumento considerável tanto da caixa craniana quanto da massa encefálica, e ainda, que aquele arcabouço ósseo, se manteve por longo período de modo excedente como um arquivo à espera de dados, que por sua vez estavam reservados ao futuro da espécie. Parece que esse futuro chegou. E trouxe em seu bojo uma multiplicidade incrível de alimentos industrializados que, uma vez ingeridos, danificam o cérebro, com a invasão de produtos químicos agressores que causam desligamentos nos condutos e consequente perda de memória. Esta ação deletéria de agentes corrosivos contidos em alimentos processados, como o aromatizante conhecido por Diacetil, dentre vários outros, atravessa as paredes dos dutos de contenção do cérebro provocando vazamento de arquivos e produzindo demência.

Mas como se dá o processo de tartarização cultural — na mente das pessoas? A resposta não parece difícil quando percebemos que os aspectos culturais mais observáveis porque bem plantados no gosto e na predileção das pessoas ficam por conta da culinária, da música e da dança, manifestações socioculturais vistas normalmente como expressão identitária de uma comunidade. Ora, a culinária se estabelece através do paladar, a música através da audição. São os sentidos que estabelecem tais gostos. Um exemplo bem elucidativo da força desses tártaros formados por uma cultura está na predileção culinária de pessoas criadas no sertão, que sempre preferem, em termos de proteína, alimentarem-se de pratos que incluam carne de sol, galinha de capoeira ou charque, em detrimento de peixes, crustáceos ou camarão, que são a preferência absoluta dos nativos litorâneos. O que mostra claramente o poder que tem a cultura de ‘’grampear’’ nossos sentidos, e grampear aqui tem o sentido de grafar, marcar, fortalecer.

Perguntar não ofende: chegará o dia em que caixas cranianas artificiais serão convertidas em pequenos softwares conectados ao corpo humano como unidades complementares para armazenamento de informações, feito arquivos com diferentes capacidades medidas em terabites?

Se olharmos bem, o corpo já se mostrou disponível para um grande numero de adjutórios e controle externo. Lembremos de membros artificiais, de marca-passos monitorando corações, operando em área externa ao corpo.

MEUS FOTOGRAMAS, por Frutuoso Chaves

Cartaz do filme ‘Houve uma vez um verão’ (Verão de 42)

Não sei se acontece a todo mundo. A mim acontece. Uma pracinha, um trecho de rua, ou uma varanda, é o que também me fica no canto do peito, aquele onde se guardam as emoções, quando um bom filme termina e as luzes reacendem.

Há lembranças inevitáveis. A calçada e o poste iluminados sob o toró enfrentado por Eugene Curran exemplifica muito bem o que digo. Sabem não? Claro que sabem. Falo daquele poste em torno do qual Gene Kelly (o Eugene assim batizado) rodopiava em “Cantando na Chuva”. O poste e sua calçada são tão icônicos quanto a canção que rendeu o título desse filme.

Mas nem tudo é tão óbvio. Como explicar meu encantamento pelo trecho de casa até a escola percorrido pelos meninos de “A Era do Rádio”, do genial Woody Allen? Evidentemente, a fase de ouro da radiofonia e o resgate, pelo filme, das músicas, dramas e tramas da década conturbada de 1940 mais me pesam na memória. Porém, junto com isso tudo vem aquele percurso curtíssimo e aqueles passos de meninos ao longo de um pé de muro, não mais do que isso.

Eu até aceito, de muito bom grado, a imagem do cachorro, um carimbo impresso na mente, sempre que lembro de “Os brutos também amam”. O bicho, em sua despedida, tocou a pata na tampa do ataúde onde o dono jazia antes que o baixassem ao túmulo. Fora coisa pensada, entretanto, por George Stevens, o diretor perfeccionista de tantos filmes consagrados. Ele teve a ideia de enfiar o treinador do animalzinho no dito caixão, daí minha aceitação e meu aplauso.

Careço, porém, de explicação para a insistência na lembrança daquela ponta de batente onde os amigos Hermie e Oscy, personagens juvenis do belíssimo “Houve uma vez um verão”, sentaram à saída da matinê durante a qual fizeram mão boba em Miriam e Aggie.

Sapatos e meias retirados, Oscy, coçando o dedão, zombava de Hermie que, no escurinho do cinema, apalpava o ombro de Aggie, extasiado, porquanto se supunha na exploração de outro território. E não foi por falta de aviso, pois Oscy, percebendo o engano do amigo, a este indicava, com gesticulações pouco discretas, o caminho do paraíso. Finda a sessão, os dois quase foram aos tabefes, naquele batente: “Por que você tinha que me contar que era ombro? Por que não me deixou na ilusão?”, perguntava um Hermie indignado. E ouvia a resposta: “Para que você não volte a cometer o mesmo erro”. Risos de ambos os lados encerraram o diálogo.

Pois bem, ficou-me a imagem do trecho de calçada com o tal batente. Talvez, quem sabe, em razão de o pequeno prédio – a cuja entrada o degrau conduzia – ser tão parecido com este de João Pessoa onde o amigo Germano Toscano instalou seu cartório.

A pequena varanda da casa de Dorothy, no primoroso “Houve uma vez um verão”, me é, também, inesquecível. Neste caso, com muita justiça. Foi ali que o menino Hermie leu o bilhete deixado por ela ao abandonar a casinha de praia alugada para o veraneio com o marido. A lua de mel fora interrompida pela guerra. Convocado, o moço não mais regressaria.

A iniciação de Hermie, em seus 15 anos, pela jovem Dorothy de alma arrebentada, deu-se numa das sequências mais longas e comoventes da história do cinema. A agulha da vitrola já havia saído da faixa com o tema legendário de Michel Legrand. Nenhuma palavra trocada entre aqueles dois. Nenhum apelo ao erotismo. Robert Mulligan, o diretor consagrado, imaginou toda a cena com o silêncio apenas quebrado pelo raspar da agulha e o sussurro do mar.

Dia seguinte, sentado na dita varanda com a cartinha nas mãos, Hermie leu as preces de Dorothy para que o Céu o poupasse das grandes tragédias. E para que encontrasse, com o tempo, a melhor forma de se lembrar daquilo que entre eles havia acontecido. “Nunca mais eu soube dela”, diz alguém com timbre de meia idade, um narrador de si próprio e de imagens passadas, cuja voz abre e fecha o filme.

Li que a história tem base real (ocorrera com o roteirista Herman Raucher) e que a intérprete de Dorothy, a bela Jennifer O’Neill, é carioca da gema. Nasceu no Rio de Janeiro onde o pai servia ao corpo diplomático dos Estados Unidos.

Minha obsessão por coisas significativas, ou não, do roteiro cinematográfico talvez decorra da mania de colecionar, quando menino, fotogramas sobrados das emendas de filmes no cineminha do interior. Eu os comprava do amigo Jiló ao custo do pão doce produzido na Padaria do meu pai. Aprendiz de maquinista, o mesmo Jiló me ensinou a fazer projetor com caixa de papelão, uma lanterna e uma lâmpada cheia d’água a servir de lente. Talvez seja por isso que tenho pequenos quadros como esses tão cravados na memória.

JORNALISMO DE EXCELÊNCIA, por Babyne Gouvêa

Fernando Gabeira (Foto: Jornal da USP)

Não sei se é comum se encantar com a competência profissional de jornalistas. Alguns são especiais, realmente.

As minhas deferências são para Marcelo Lins e Fernando Gabeira, comentaristas de ponta do jornalismo da Rede Globo. Reúnem em suas apreciações conhecimento, organização de raciocínio e serenidade. A eloquência flui em ambos sem afetação. Gosto de ouvir as suas opiniões, aprendo com elas.

Qualquer tema eles discutem com clareza e sem pausas. Não cogitam titubear. A sua fala faz o ouvinte identificar até onde há vírgula ou ponto parágrafo. Ouvi-los é exercer a concentração no que está sendo abordado, de forma plena.

Marcelo Lins (Foto: G1)

O dom da comunicação não está ao alcance de qualquer um, mesmo sendo da área. Os aqui citados têm empatia, dialética e erudição. Demonstram ter conhecimento e estudo sobre os assuntos em pauta. Expertises do jornalismo versam com destreza e competência
qualquer matéria levantada.

Interrompo tudo que estou fazendo quando a fala está com eles. Volto a ser aluna, sobremaneira crítica, recebendo deles um ensino de qualidade. Numa sociedade que está sempre em transformação, como a nossa, e o leque de informações é abundante não há nada mais enriquecedor do que absorver conhecimento de quem sabe.

Percebo que os jornalistas em tela são respeitados pelos colegas de equipe. Acredito que a reverência reside na eficácia de sua comunicação. Falam bem ao público que os assiste e apresentam rica argumentação no conteúdo dos temas discorridos. Assim, a credibilidade fica imposta.

Além da qualidade profissional, Lins e Gabeira proporcionam jornalismo ético. Observo neles a prática de um trabalho crítico, apartidário e liberto de amarras políticas. Demonstram independência editorial.

Com excelência os dois jornalistas cumprem inteligentemente os fatos, cada qual no seu estilo profissional: com elegância, independência e esmero.

À parte o grau de excelência, o exercício da profissão de jornalista, qualquer que seja a especialidade, exige vasto conhecimento e tempo integral de informação atualizada. Tenho grande admiração por essa profissão.