A GUERRA DOS MUNDOS, por Frutuoso Chaves

Cena de ‘Guerra dos Mundos’

Bombas no Leste Europeu. Sem sono, às 3 da manhã, busco pela Internet informações sobre “A Guerra dos Mundos”, a transmissão radiofônica do romance escrito pelo inglês Herbert George Wells com a qual o americano Orson Welles assustou muita gente nos Estados Unidos.

O aviso de que se tratava de uma ficção, feito no início da peça, fora perdido por grande parte dos ouvintes da Columbia Broadcasting System, a famosa CBS, naquele 30 de outubro de 1938. Resultado: levada a sério, a história de gente, prédios, tanques, navios e aviões pulverizados por armas de raio numa invasão de marcianos aterrorizou multidões.

Os jornais trouxeram, nas edições seguintes (com certo exagero, há quem diga), o saldo da histeria coletiva. Famílias em pânico nas ruas, outras em fuga das cidades e pedidos de socorro à polícia no transcurso do enredo posto no ar, em tons realísticos, com o auxílio luxuoso de atores e atrizes da Companhia Mercury Theatre on the Air.

Os mais apressados na crítica à estupidez humana devem atentar para o fato de que não eram dias fáceis aqueles. No setembro seguinte, Hitler iniciaria os bombardeios e tiros da Segunda Guerra Mundial. Eram tempos, portanto, de nações inteiras com os nervos à flor da pele. Essa fase negra seria encerrada, sete anos depois, com o acontecimento horrendo do primeiro (e único, até aqui) uso de bombas atômicas no extermínio de seres humanos.

O episódio de “A Guerra dos Mundos” tem registro no formidável “A Era do Rádio”, o filme que o bom e velho Woody Allen lançou em 1987. Na cena, a tia solteirona do pirralho no qual o cineasta projeta a própria infância é abandonada numa estrada deserta pelo namorado. O homem suspende os amassos que dava na moça e apavorado se embrenha no mato quando o rádio do carro interrompe a programação musical com a história da invasão do planeta por alienígenas. No dia seguinte, ao procurá-la, ouve dela: “Casei com um marciano”.

A narrativa de Woody Allen acerca de fatos passados, com a voz e o olhar de adulto, quase confere ares de documentário ao belo e saboroso filme. Isso e a lembrança de programas, jingles, histórias e personagens do rádio. Imperdível a cena em que a brasileira Denise Dummont interpreta Carmem Miranda. Em outra passagem, o menino “Woody” afana parte da coleta de dinheiro na rua em prol de Israel para comprar o anel do Vingador Mascarado. Descoberto o crime, toma uma sova do pai e do rabino.

O filme já impressiona em sua abertura. Uma dupla de ladrões invade no escuro uma casa onde não estavam os donos, interrompendo o roubo para atender alguém ao telefone a fim de que o barulho da chamada não acorde a vizinhança. Do outro lado da linha está um locutor, em programa de auditório, com teste ao vivo do tipo “qual é a música”. A orquestra executa as introduções para o atendente identificar cada canção. Um dos ladrões acerta tudo.

No retorno à casa, dia amanhecido, os proprietários se surpreendem com o arrombamento, o sumiço da prataria e a descarga de móveis e eletrodomésticos novíssimos de um caminhão de entregas, resultado do sorteio telefônico. Bem Woody Allen, não?

Ah, sim… Uma emissora brasileira, a Rádio Difusora AM, de São Luís do Maranhão, reeditou “A Guerra dos Mundos” no 30 de outubro de 1971, 33 anos depois da narrativa de Orson Welles. E, guardadas as devidas proporções, houve os que ali também se inquietassem com a invasão e o disparo de canhões de raios “Made in Marte”.

Naquela manhã, a emissora maranhense interrompia o programa “Paradão”, coletânea de sucessos musicais, para noticiar o ataque dos marcianos. O roteiro incluiu “informações da Rádio Repórter do Rio de Janeiro e BBC de Londres”, ruídos estranhos, entrevistas com “testemunhas”, diálogos atribuídos à torre de controle do Aeroporto Marechal Cunha Machado e conversa com o inexistente Professor Mário Cordelini, da equipe do Observatório Nacional.

O roteiro nordestino teve as assinaturas de Elvas Ribeiro (o Parafuso), Manuel José Pereira dos Santos (o Pereirinha), José Faustino dos Santos (o Jota Alves), Sérgio Brito, José Branco, Rayol Filho, Reynaldo Faray, Bernardo de Almeida e Fernando Melo. Mal o programa terminou, eles todos viram, aí sim, de fato, a invasão da área por homens do Exército que retiraram a emissora do ar por algumas horas.

“Outubro de 71 – Memórias Fantásticas da Guerra dos Mundos”, livro lançado em 2011 por Francisco Gonçalves da Conceição, conta essa história. Apoiada pelo Museu da Memória Audiovisual e financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa e ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Maranhão, a obra resulta de pesquisa acadêmica orientada pelo autor.

No outubro vindouro, a encenação radiofônica de Orson Welles completará 85 anos. Resta-nos torcer pela suspensão, antes disso, dos bombardeios que, diariamente, explodem casas e gente na Europa agravando a crise entre os detentores dos dois maiores arsenais atômicos do Planeta. Ou, então, que venham os marcianos. Nada, além deles, parece capaz de unir os donos deste mundo.

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