UM GRANDE LEGADO HISTÓRICO LIBERTÁRIO, por Francisco Barreto

As origens dos eventos de maio de 1968 na França | Exame

França: os eventos de maio de 1968 começaram com protestos universitários em Sorbonne (Reg Lancaster/Daily Express/Hulton Archive/Getty Images). Foto e legenda copiadas da Exame

Voltando a Maio de 1968. Não seria uma agenda gerida pelos enfants gatés, segundo os comunistas, que iria seduzir a classe operária. O operariado relutou em se subordinar a qualquer agenda politicamente tentadora.

Na formação imediata de uma aliança de classes – a pequena burguesia não tinha como conduzir processos revolucionários – “c´est la poussière du monde”, como dizia Lenin. A insurreição estudantil nunca teve um expresso projeto político visando à tomada do Poder. Para os socialistas e comunistas, os valorosos jovens eram vitimados pelo “esquerdismo, doença infantil do comunismo”.

Não tinham os estudantes rumos estritamente revolucionários. Sempre pretenderam se contrapor pela força da indignação política e moral diante da injustiça no trabalho face ao domínio do capital. Não tinham organicidade política e partidária. Ausência de estratégias e plataformas políticas de projeto de sociedade foi lacuna jamais preenchida.

Os estudantes vinham de uma base social com incipiente formação politica intelectual. Poderiam seduzir a classe operária pela combativa força nas ruas, mas nunca conduzir o operariado. Segundo as teses das Internacionais Socialistas, as revoluções seriam sempre prerrogativas históricas das vanguardas proletárias.

O espontaneísmo de suas lideranças, a indisciplina e desorganização político-partidária apenas iriam de modo carbonário alçar um voo livre e cego das ações estudantis, juvenis, que se extinguiram rapidamente. Mas a luta motivada pelas emoções e desejos sexuais libertários contribuiu intensamente para o clima de revolucionarização da juventude e do mundo universitário.

Alain Touraine, admitia, de forma indiscutível, que Maio de 68 marcou a transição de um mundo industrial operário para um mundo urbano universitário.

Provavelmente, meio século depois é bem possível que hoje os protagonistas da insurreição demonstram um certo alívio pelo fracasso da revolução que pregavam, ao tempo em que ainda celebram o impacto das transformações que conquistaram contestando o Poder nas ruas.

Ocorreram mudanças na vida político-partidária com a emergência de novas forças políticas progressistas, combinadas com a decadência de uma sociedade patriarcal. Importantes transformações e reformas pedagógicas e curriculares no sistema de ensino nas universidades e liceus. Admitiu-se a liberdade de expressão e de conhecimentos heterodoxos no mundo estudantil.

Um dos grandes legados, talvez o maior de Maio de 1968, foi ter reeditado as históricas contribuições e os valores humanos revolucionários que a França sempre creditou com generosidade à Humanidade. As lutas pela Liberdade, Igualdade e Fraternidade serão sempre ícones sagrados da consciência humana.

Entre outras importantes conquistas, as universidades e os liceus enquanto aparelhos ideológicos do Estado, segundo Louis Althusser, passaram a conviver e aceitar as contradições políticas e sociais e as liberdades de expressão em seus ambientes acadêmicos. Foi esmagado o monolitismo político ideológico. A Universidade de Vincennes em Paris foi implantada como fortim e concessão aos docentes e alunos de esquerda. Vivi de perto esta rica experiência.

O discurso elaborado que não houve legou apenas as palavras de ordem e/ou as sentenças inspiradas no ardeur de la jeunesse, seus desejos, la joie de vivre, a liberdade, a sexualidade livre. Clichês que apenas se cristalizaram nos muros.

Foram reeditadas as vozes e os escritos sobre a liberdade pronunciadas na França desde a Revolução Francesa.

Pronunciou-se uma forte e dinâmica cultural no imaginário dos jovens franceses. E novas relações sociais e trabalhistas emergiram com força. O poder decisório centralista nas fábricas, nas universidades e nas instituições públicas foram fraturados pela admissão de novos sistemas de gestão e cogestão, mudando internamente a relação de forças entre os protagonistas.

CONSTELAÇÃO DO MAL, por Juca Pirama

Bolsonaro e sua constelação de estrelas cadentes

Engana-se quem pensa que as atitudes dos ministros do governo Bolsonaro não têm nada a ver com o presidente. Todos foram escolhidos a dedo por Bolsonaro & Filhos. Os critérios de escolha: a) identidade total de ideias e pensamento; b) obediência cega; c) nível cultural jamais superior ao do chefe (o que por si já é muito baixo).

O ex-deputado Luiz Henrique Mandetta, primeiro ministro da Saúde do governo Bolsonaro, feriu aqueles critérios que poderiam lhe garantir – se obedecidos – longa vida no governo. Mas ele tomou o partido do bom-senso e da ciência no combate ao coronavírus e foi condenado por crime de lesa majestade por tentar medidas para salvar vidas humanas.

Como se fosse pouco, o então ministro começou a aparecer ‘demais’ na mídia, organizando e dando transparência às ações do Ministério da Saúde em favor de medidas sanitárias contra a expansão do vírus e suas trágicas consequências. Mandetta logo despertou ciúmes incontornáveis na mediocridade de quem não suporta a inteligência e a competência.

Desempenho e popularidade de Mandetta decretaram sua morte no cargo. E assim o ortopedista foi substituído por um oncologista – Nelson Teich, o Breve – igualmente defenestrado por não induzir a população a se contaminar nem a tomar remédios comprovadamente ineficazes contra a Covid 19. Com a demissão de Teich, o que era muito ruim ficou ainda mais pior.

Ao longo desses dois anos e meio, a população vem assistindo a medidas inéditas e esdrúxulas por parte dos ministros bolsonaristas. A maior parte delas com elevado teor prejudicial para a ordem vigente das coisas no Brasil. A começar pelas ordens desastrosas cumpridas pelo obediente general Eduardo Pazuello, o terceiro a assumir o Ministério da Saúde em plena pandemia.

As pazuelladas provocaram o caos com a eliminação do comando central do órgão no enfrentamento da crise, forçando estados e municípios a adotarem as suas próprias políticas de saúde para deter a escalada do morticínio em curso. O desmantelo não parou por aí, todavia.

Vieram em sequência a sabotagem ao Programa Nacional de Imunizações (PNI), até então modelo para o mundo, e a demora (deliberada, tudo indica) na compra de vacinas que teriam salvado a vida de mais de 400 mil brasileiros, segundo dados do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) amparados em estudos de renomados epidemiologistas.

Não dá pra esquecer também a ausência de logística no Ministério sob a chefia de um militar que se diz especialista em logística e as aquisições equivocadas tanto de remédios ineficazes para o tratamento da grave virose que acomete a nação quanto de testes de imunidade importantíssimos para a monitoração da grave doença.

Todas essas medidas vêm nos afetando de forma perversa e são responsáveis por significativo contágio, gravidade da epidemia e consequente aumento da mortalidade.

Desmonte ambiental e educacional

O ex-ministro Ricardo Salles, do Meio Ambiente, desde sua posse passou a agredir e a desmontar toda a estrutura de controle do meio-ambiente, especialmente a fiscalização. Tais medidas desmantelaram o ICMBio, INPE e todo o combate ao desmatamento e à exploração ilegal de nossas florestas, rios e recursos minerais.

Com Salles, madeireiros, latifundiários, grileiros, contrabandistas de madeira e garimpeiros clandestinos fizeram a festa. Sentiram-se à vontade não apenas para desmatar a Amazônia como para extrair e vender madeira, além de poluir cursos e reservas de água da região com mercúrio, invadir terras indígenas e até matar índios.

O agora presidente da República, desde quando deputado federal inexpressivo, sempre foi a favor dessas atrocidades contra um dos maiores patrimônios naturais do mundo que pertence ao Brasil. A rigor, portanto, Ricardo Salles apenas cumpriu uma velha agenda bolsonarista.

Já no Ministério da Educação, Bolsonaro nomeou primeiro o colombiano Ricardo Velez, que mal sabia falar português e nada fez durante o seu curto período à frente da pasta. Depois, substituiu-o por Abraham Weintraub, um cara que é a cara do seu líder: grosseiro, semiletrado (apesar de professor universitário), mal-educado, intelectualmente paupérrimo e afeito a cafajestices.

Com semelhantes ministros e os desastres em série no Mec, o presidente concorreu para o retrocesso da educação do Brasil em pelo menos duas décadas.

Diplomacia faz do Brasil pária no mundo

Bolsonaro nomeou Ernesto Araújo para comandar a diplomacia do Brasil, respeitada por todas as nações do planeta até o advento do bolsonarismo no poder. E o chanceler nomeado conseguiu em apenas dois anos isolar o nosso país, promovendo intencionalmente o Brasil à categoria de nação pária do mundo.

Na Secretaria-Geral da Presidência, Bolsonaro colocou o deputado Onix Lorenzoni, também oriundo dos porões do Baixo Clero parlamentar, como Jair Bolsonaro. Desde o início do governo, Lorenzoni vem saltitando de cargo em cargo, sem largar a rapadura, demonstrando fidelidade capachal e dando forma às ideias mais absurdas do chefe.

Um Chicago boy humilhado na economia

Para comandar a economia e tirar o país da estagnação, Bolsonaro nomeou o falastrão Paulo Guedes, que nunca teve liberdade para aplicar algum programa econômico viável para o Brasil. A única coisa que conseguiu, além de autodenominar-se liberal, é a venda a preço de banana de alguns dos maiores ativos da cadeia produtiva de energia do país. De refinarias a subsidiárias da Petrobrás, passando pela Eletrobrás, o país está à venda. Baratinho baratinho.

Guedes também é o ministro que mais demonstrou aversão a servidores públicos e o mais determinado em favorecer seus pares ricos, banqueiros em especial, juntamente com seus próprios interesses interesses financeiros. Daí seu esforço para segurar o emprego, mesmo sendo semanalmente humilhado pelo presidente e a fritura operada por seus filhos e Olavo de Carvalho, o pornofônico guru de todos eles.

Deu ruim para Sérgio Moro na Justiça

O ex-ministro da Justiça Sérgio Moro era juiz quando mandou prender o ex-presidente Lula, afastando-o da eleição de 2018. Garantiu assim condição sine qua non para o sucesso eleitoral do candidato Jair Bolsonaro.

Pouco depois que assumiu o cargo, Moro elaborou projeto de lei que, entre outras mudanças, isentava de responsabilidades o militar que matasse durante a sua atuação, garantindo impunidade para eventuais chacinadores fardados. Sem contar o afrouxamento do controle de armas e munições, exigido por Bolsonaro e encaminhado pelo então ministro.

A proposta de Moro foi rejeitada, mas plantou a semente da desobediência dentro das polícias de todo o Brasil, agravando a letalidade policial em ações que tiveram jovens pobres e negros como vítimas preferenciais, parcelas da população pelas quais Bolsonaro manifestou desprezo por toda a sua vida pública.

Terra e Damares, bolsonaristas típicos

O primeiro ministro da Cidadania de Bolsonaro foi o deputado Osmar Terra. Sujeito que sempre que fala deixa dúvidas sobre seu caráter, na realidade é um médico antiético, que induziu o presidente a promover a desobediência sanitária e o estímulo a práticas terapêuticas ineficazes contra a Covid, além de forçar uma criminosa imunidade de rebanho – não por vacinação, mas por infecção – que levou à morte milhares de pessoas.

Terra é um bolsonarista padrão, de uma padronização onde cabe também a pastora Damares Alves, ministra da Mulher e da Família, evangélica fanática, pensamento estreito, intelecto limitado, que tolera tudo o que o seu criador apresenta de nefasto em troca de duvidosa “proteção à família”. Até onde se vê, a única família protegida no Brasil sob jugo bolsonarista é a família Bolsonaro.

Já o primeiro ministro do Turismo do atual governo, Marcelo Álvaro, deputado federal por Minas Gerais, desde o início acusado e investigado por crimes eleitorais (uso de candidatas mulheres como laranjas em esquema de desvio de recursos públicos via fundo eleitoral), demorou dois anos para ser demitido.

Antidemocrata na Segurança Institucional

O general Augusto Heleno, do Gabinete de Segurança Institucional, é a mais expressiva personalidade militar no governo Bolsonaro. Ele é o retrato do pensamento saudosista do militar antidemocrata pegando carona no bolsonarismo, com a união do que há de pior nas duas categorias antidemocracia e saudosismo da ditadura.

Heleno é o principal articulador do golpismo com o qual Bolsonaro ameaça a democracia sempre que se vê acuado. Ou seja: todos os dias. O general é o padrinho do militarismo entreguista, do aparelhamento das Forças Armadas, da Polícia Rodoviária Federal, da Polícia Federal e das polícias militares.

Com baú com tudo na Comunicação

Fábio Farias, ministro das Comunicações, é um perigo pelo que representa de inteligência e amplo conhecimento na área a serviço da obediência conveniente. Foi guindado ao cargo no qual pode, por exemplo, vitaminar a verba publicitária destinada ao Sistema Brasileiro de Televisão (SBT) do sogrão Sílvio Santos.

Por último, mesmo sem ser o derradeiro, não podia deixar de ser notado nesse passeio pela Esplanada dos Ministérios o cidadão que atende pelo nome de Sérgio Camargo, presidente da Fundação Palmares, um negro assumidamente racista, extremamente agressivo contra movimentos sociais e organizações que combatem o racismo e defendem direitos da população negra.

Ninguém se engane: até agora tudo foi feito seguindo rigorosamente um roteiro escrito a oito mãos por Bolsonaro e seus filhos. Não se queixem apenas da qualidade dos ministros. Eles formam o primeiro time dessa constelação do mal porque são, cuspidos e escarrados, cópias fiéis de Bolsonaro.

A ERUPÇÃO IMPREVISÍVEL E A BRUTALIDADE DO ESTADO, por Francisco Barreto

Policiais reprimem manifestação em Psris (Foto: Superinteressante)

Polícia reprime manifestação em Paris 68 (Foto: Superinteressante)

Medidas drasticamente repressivas em maio de 1968 provocaram a reação imediata dos alunos de uma das mais renomadas universidades do mundo, atingiu a Sorbonne, em Paris.

A polícia reprimiu os estudantes com violência durante vários dias e as ruas de Paris viraram cenário de batalhas campais. Os Boulevares Saint Germain e St. Michel foram os ádrios sangrentos da violência. Os CRS não hesitaram em bater com uma fúria violenta que apenas tinha paralelo à época da ocupação nazista e do Governo de Pétain e Vichy.

O balanço dos conflitos na noites de 10/11 de maio de 68: por muita sorte, nenhum morto, apesar dos 22 feridos em estado grave, parte de um total de 367 feridos – 251 policiais e 102 estudantes. Um total de 460 jovens foram presos, deixando 188 carros destruídos, mobiliário urbano danificado, fachadas de prédios incendiadas e um trauma histórico em Paris.

A reação brutal do governo só ampliou a importância das manifestações: o Partido Comunista Francês anunciou seu apoio aos universitários e uma influente federação de sindicatos, a CGT, convocou uma greve geral para o dia 13 de maio. A violência foi o estopim. Mostrou a brutalidade da repressão do Estado. Os CRS já tinham uma história maculada pelo sangue derramado na guerra da Argélia no massacre de Argel. Toda esta violência indignou as famílias francesas.

Da fagulha estudantil o movimento cresceu tanto que possibilitou a emergência de uma greve de trabalhadores PCF/CGT, que passaram a conduzir o processo reivindicatório que balançou o governo do então poderoso presidente da França, Charles De Gaulle.

A santa fúria dos insurgentes de 68 passou aderir a um adicional objetivo ao defenderem e elevar as condições de vida dos trabalhadores. A revolta foi além do que ocorria nas universidades e liceus contra um mundo autoritário com uma visão de vida ultrapassada. Os jovens operários que se lançaram na revolta, fazendo ataques às dinâmicas autoritárias.

Os operários se uniram aos universitários e promoveram a maior greve geral da Europa, com a participação de cerca de 10 milhões de pessoas. Isso enfraqueceu politicamente o governo francês. O general De Gaulle depois renunciou e se refugiou em Colombey- Deux Églises.

“A noite das barricadas não foi só em autodefesa, mas um dos símbolos de liberdade que ficará para sempre na história”, disse Cohn-Bendit, líder máximo do movimento.

No auge do movimento, quase dois terços da força de trabalho do país cruzaram os braços. Denunciada de início pelos partidos tradicionais de esquerda como uma revolta de “jovens burgueses”, aos quais acabariam virando aliados de ocasião.

Houve de fato uma grande greve operária, a maior do pós-guerra com ocupação de grandes indústrias.

A revolta também ocorreu nas indústrias e foi promovida pela geração nascida no pós-guerra. Eles disseram à geração anterior, que participou da guerra: “Nós não queremos o mundo que vocês organizaram”.

Para os estudantes havia a consciência de que um mundo novo tinha que nascer. E de fato as transformações reformistas deram um novo e consciente rumo à sociedade francesa. Foram igualmente abaladas as bases de uma esquerda sectária e míope submissa ao mundo soviético e chinês.

ODE ÀS JOVENS ALMAS LIBERTÁRIAS, por Francisco Barreto

Maio de 1968: entenda o movimento cultural - Direitos Brasil

(Imagem: Direitos Brasil)

Embora houvesse também um enorme mal estar entre os jovens do beau monde, estes usufruíam de uma sociedade opulenta, e tinham suas vidas em seus dias passados agradavelmente em leituras, aulas, estudos e conversas em cafés do Quartier Latin. Ao passo que, a 20 ou a 30 quilômetros do beau-monde parisiense, embora fossem seres constitutivamente iguais, era apenas uma juventude marginalizada, nascida de outra classe social. Segregada em periferias, em fábricas, em linhas de produção, voltando para casa à noite com a perspectiva de dias seguintes absolutamente iguais, até a derradeira decrepitude.

Os jovens trabalhadores, igual aos pais segregados, se concentravam nas banlieus parisienses: os subúrbios ou cidades dormitórios. A sua segregada localização no espaço urbano, a estrutura da jornada de trabalho e as clivagens socioculturais impediam o bem estar aos estudantes e operários. Aos imigrantes, mais grave, eram destinados afavelamentos chamados de “bidonvilles”. O chauvinismo xenofóbico mesclado de racismo é um traço brutal da sociedade francesa. Emannuel Mounier dizia que a França nunca foi capaz de suportar o extremado amor que o mundo tinha por ela.

Paris, durante o século 19, foi palco de grandes convulsões sociais com grandes repressões e trucidamentos das massas de populares. A Comuna de Paris de 1871 foi a mais sangrenta. Em seguida, entra cena o Barão de Haussmann que nas últimas décadas século 19 impõe em Paris um traçado urbanístico de grandes e esplêndidas avenues e boulevares que escoimassem e reprimissem os ímpetos revolucionários do populacho lumpen.

Reforma urbana que passou a permitir deslocamentos repressivos rápidos e asfixiantes das cavalarias e das infantarias. O cenário parisiense atual, afora o monumental e arquitetural imobiliário urbano, tem em sua gênese um urbanismo ideologicamente repressivo.

As lutas que se manifestaram em Maio de 1968 estavam inseridas ao contexto interno universitário, eram inicialmente intracorporis ao mundo acadêmico. Corporativistas, portanto. Tinham um viés, embora de natureza ideológica relativas ao âmbito restrito ao conteúdo do ensino, conhecimento transmitido e distante da realidade, submetido à uma pedagogia que não permitia relacionamento e cumplicidade entre professores/alunos.

O começo de tudo foi uma série de conflitos entre estudantes e autoridades da Universidade de Nanterre. Em 22 de março. No inicio de maio, a administração decidiu fechar a escola e ameaçou expulsar vários estudantes acusados de liderar o movimento contra a instituição.

Em 1968, além de ideológicos, ocorreram embates políticos abrangentes pelas categorias universitárias, que ao lado de outras camadas sociais mobilizaram-se em torno de objetivos políticos e humanos, tais como democratização, defesa das liberdades individuais ou coletivas, da expressão de liberdades sexuais, denúncia contra as guerras e a solidariedade internacional com o Tiers Monde.

As motivações afetivas, idílicas de um mundo libertário, de uma sociedade em que defendiam que todos deveriam ser felizes, longe das contradições de um mundo segregado entre o Capital e o Trabalho. Entre os poucos que compravam e os muitos que vendiam a sua força de trabalho.

A luta motivada pelas emoções e desejos libertários onde “en passant” os clichés com vieses existencialistas e pinceladas anarco-estudantis expressas pelo matiz “Interdit d´Interdire”. Estava muito longe de ser uma luta de classes.

UMA JUVENTUDE LIBERTÁRIA: PERPLEXIDADES E INSURGÊNCIAS (I), por Francisco Barreto

Crédito:  Jacques Marie

Universitários e policiais se enfrentam nas ruas de Paris (Foto: Jacques Marie/IstoÉ)

Durante quase seis anos vivi exilado, a partir do início de 1969. Pude vislumbrar o que significaram as causas e as consequências das insurgências de 1968. Aqui e agora, 50 anos depois, exponho a minha limitada percepção do que ainda guardo, do meu sentir e ver, sobre a rebeldia juventude em defesa de princípios libertários. São registros esparsos da minha memória.

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RECEITAS DE LIVRO, por Babyne Gouvêa

Dona Flor e seus bem-casados (Foto: Divulgação)

Muitos leitores escolhem um livro pela apresentação. Mas isso não é suficiente para senti-lo delicioso. É preciso folhear bastante a essência escrita, principalmente na hora de bater os olhos no conteúdo da guloseima.

O ideal é, além de peneirar a imaginação incorporar o ingrediente da concentração marinada, refletindo em um ambiente untado de sossego. No bolo de narrativas literárias não bata a massa escrita sem o fermento da disposição.

Como escolher uma receita para alimentar a alma de sabedoria? Alçar voo, e não assar, e imaginar o resultado do sabor. As sugestões a seguir terão ingredientes como a composição intelectual de Machado de Assis, a narrativa polvilhada com questões sociais, de Graciliano Ramos, e o coquetel de regionalidade populismo e graciosidade de Jorge Amado.

Preparar boas doses de estudos dos romances e contos com pitadas românticas na caracterização dos personagens, poderá resultar em obra como ‘Helena’, livro indicado para uma boa noite de sono.

Despertar com energia, nada mais indicado do que ler ‘Vidas Secas’, com uma narrativa besuntada por Graciliano na problemática do homem. O ingrediente principal está revestido de denúncia sobre a miséria do sertão nordestino.

Indica-se para uma relaxante sesta a leitura do também machadiano ‘Memórias Póstumas de Brás Cubas’. Nesse livro recheado de realismo, o leitor irá saborear a habilidade do escritor na análise do comportamento humano. Porções de hipocrisia estão adicionadas às boas atitudes dos personagens, cabendo a quem lê detectar os temperos da vaidade e egoísmo misturados na narrativa.

Um final de semana de lazer merece um relax lendo um estilo sem floreios, direto e simples, a exemplo de ‘São Bernardo’, do velho e bom Major Graça. A cobertura de situações e personagens mistura a interioridade humana com as reações psicológicas e as relações humanas. O resultado é uma fórmula pronta de crítica e denúncia de questões sociais.

Para umas férias divertidas, nada melhor do que ler ‘Gabriela Cravo e Canela’ e ‘Dona Flor e seus Dois Maridos’, de Jorge Amado. A mistura dos ingredientes duais compromisso e prazer, alegria e seriedade, trabalho e malandragem, resultarão numa saborosa definição do nosso povo.

Depois de degustar o legado do romantismo, realismo e regionalismo dos mencionados escritores, o leitor sentirá motivos para divulgar as deliciosas receitas literárias, sem jamais deixá-las em banho-maria

NEM TÃO LARGO ASSIM

Foto copiada de Rota Principal

Sobre a Prefeitura da Capital mexer no Largo de Tambaú, tenho uma boa notícia, uma má e outra mais ou menos.

A boa: a obra não será desmanchada, como temia. A má: carros voltarão a trafegar por onde apenas gente deveria andar.

A mais ou menos: carro no trecho reaberto só a 30 km/h e tão somente das 8 às 16h de segunda a sábado, no sentido praia.

Bom mesmo seria manter o espaço exclusivo das pessoas, mas a mudança é defendida por argumentos aceitáveis.

Argumentos expostos na manhã de hoje (2) por George Morais, superintendente de Mobilidade Urbana do município.

O QUE DIZ

1. Antes de abrir o Largo aos veículos, Prefeitura fará melhorias em calçadas, estacionamentos e ruas do entorno (Antônio Lira, Índio Arabutan e José Augusto Trindade);

2. Abertura exclusiva para veículos de pequeno porte em horário no qual o Largo é notoriamente subutilizado;

3. O investimento realizado será respeitado e aproveitado, sem quebra ou desmanche do material empregado, inclusive do piso atual;

4. O projeto original previa a circulação de veículos e foi concebido para suportar o tráfego de veículos leves.

NO MAIS…

George Morais informa ainda que as mudanças têm o apoio dos comerciantes locais e de quem trabalha com turismo.

Bem, trata-se de readequação prevista, ventilada e cantada desde a reassunção cicerista na Prefeitura de João Pessoa.

Sob a lógica da nova ordem, desafortunadamente não há como a mobilidade humana prevalecer sobre a urbana.

Uma mobilidade que vai estreitar o Largo por ser  – em essência e na prática – prevalentemente automotiva.

ENTRE AMIGOS, por Babyne Gouvêa

(Imagem meramente ilustrativa copiada de Campo Grande News)

Dois companheiros de bar voltam a se encontrar e dessa vez escolhem mesa afastada das poucas existentes no recinto. Fazem um trato estilo ‘beba com moderação’ para a lucidez fluir.

Lédio e Ariza costumam discutir política em seus encontros, mas  resolvem introduzir a saúde mental na pauta. Iniciam a conversa com as lamúrias de Lédio pedindo auxílio ao amigo, insistindo em dizer que está perdendo o juízo.

– Que despropósito é esse, camarada?

– A coisa é meio complicada. Escute só… Votei em 2018 no candidato que venceu a eleição, mas ele continua em campanha e se comporta feito doido. Ou sou eu que estou doido?

– Fique tranquilo. Doido que é doido não admite ser doido. Não é o seu caso. Portanto…

– Semanalmente, ele está aglomerando em algum lugar do país. Estimula a população a não usar máscara em plena pandemia e, mesmo não sendo médico, passa remédio inútil contra a Covid.

– Pois é, amigo, diante de coisas assim fico aqui pensando como você se sente vendo ele debochar dos doentes de covid sofrendo com falta de ar.

Lédio fica sem ter o que dizer. Ariza não dá trégua e emenda:

– Outra curiosidade minha é saber se você e outros eleitores dele ainda acreditam sinceramente que as rachadinhas começaram com os filhos e não com o pai?

Sem responder, Lédio pede uma pausa a Ariza e um aperitivo ao garçom. É atendido. Não pelo velho companheiro, que prossegue:

– E aí, meu, o homem ainda é um mito ou você já percebeu que ele mente tão sinceramente que acredita no que mente?

Lédio bebeu seu drinque de um gole. Olhou Ariza nos olhos, apertou-lhe o braço e fez menção de se levantar.

– Vá não, rapaz – apelou Ariza.

– Amigo, você não faz ideia do quanto me arrependo e me envergonho. E fico me perguntando se não estava louco quando dei meu voto e defendi tanto esse… E você falando nessas coisas, assim, desse jeito, aí é que eu fico mal.

– Tudo bem, amigo, tudo bem. Fique. Vamos falar de outra coisa. Vamos falar de futebol, então.

– Bem, nesse caso…

– Assistiu ao jogo da Seleção contra o Equador? Viu? Sei não…esse time chinfrim está a cara do Brasil nessa Copa América. Quer dizer, essa Cova América que seu presidente trouxe pra cá no pico da pandemia.

Lédio levantou-se bruscamente. Tirou uma nota de 20 reais do bolso, jogou sobre a mesa e saiu do bar.

Ligeiro, bufando pelos sete buracos da cabeça.