A REVOLUÇÃO QUE NÃO HOUVE, por Francisco Barreto

‘A Liberdade guiando o Povo’, pintura de Eugène Delacroix, traz em destaque a figura de Marianne, ‘Personificação Nacional Francesa’ (Reprodução do quadro exposto no Museu do Louvre, Paris)

O ambientalismo e a emancipação feminina foram importantes legados de Maio  de 1968. A Marianne de 68, a líder mulher guiando o povo, segundo Delacroix, um dos símbolos da República Francesa, não se fez presente. Foi a partir da revolta popular estudantil que a sociedade francesa começou a despertar para a igualdade de gêneros e o feminismo.

Ainda que não tenham tido destaque entre os líderes do movimento, as mulheres foram essenciais. Simples estudantes ou militantes, elas estavam entre os insurgentes, participaram de assembleias e dos protestos, mas seu papel ainda era “subalterno”. Outro aspecto importante: em tempos de liberação feminina, em Maio de 68 a caminhada feminista foi essencialmente a de contradizer a dominância cultural masculina.

A visão iluminada de Simone de Beauvoir e Flore de Tristan no século 19 contribuíram ao seu tempo com a bravura protagonizando a lucidez e o desejo das mulheres francesas.

Havia muitas mulheres no front em 1968. E, a partir de 1970, muitos grupos feministas foram criados. A partir de Maio de 68 houve uma tomada de consciência feminina sobre como os homens bloqueavam o caminho das mulheres. Maio de 68 não foi um movimento feminista, mas contribuiu para o despertar do feminismo na França, que ganharia força na década seguinte.

A partir de Maio de 68 houve uma ascensão da mulher que mudou muito o protagonismo delas nos lares e nas ruas. Pouco a pouco, elas avançaram no domínio de seus corpos, na contracepção e na independência de seus desejos. Foi o início de uma enorme revolução de gênero incomensurável. Com o importante advento da condição das mulheres na sociedade, o mundo cultural, do trabalho e da família tiveram grandes transformações.

Cinco décadas depois daqueles eventos ainda é preciso entender o que ainda resta daquela ruptura cultural bem-sucedida e da frustrada revolução política nos três meses que inflamaram a sociedade.

Na França, um movimento de grandes proporções paralisou o país e cristalizou o momento da ruptura de toda uma geração de jovens com os valores patriarcais dominantes na 5ª Republica, onde De Gaulle era até então o maestro incontestável.

Provavelmente, meio século depois, é bem possível que hoje os protagonistas da insurreição demonstrem ainda um certo alívio pela não revolução, ao mesmo tempo celebram o impacto das transformações que conquistaram contestando o Poder nas ruas. Os lideres estudantis Krivine e Geismar já fizeram reflexões neste sentido.

De Maio de 68 não emergiu uma 6ª Republica Social-Comunista que só teria sido possível com uma transição estrutural de novas formas de Poder, mas importantes mudanças políticas públicas conjunturais ocorreram.

O operariado, muito longe da juventude insurrecta, em 27 de maio de 1968 realizou uma negociação tripartite (governo, sindicatos de trabalhadores, sindicatos de empresários) pacificando as suas contradições não antagônicas mediante o Acordo de Grenelle.

O acordo resultou avanço em direitos dos trabalhadores, tais como estatuto dos empregados e dos cadres, elevação do salário mínimo, regimes de cogestão, reconhecimento das seções sindicais nas empresas com a proteção dos delegados, liberdade de expressão na empresa e diminuição da jornada de trabalho. Ganhos consideráveis.

No final de Maio, o presidente De Gaulle dissolveu a Assembleia Nacional e convocou eleições para junho. Um milhão de franceses foram às ruas dando apoio a De Gaulle. O processo eleitoral que se seguiu, plebiscitário, deu esmagadora vitória ao partido da “ordem” e Michel Pompidour, fiel escudeiro gaullista, ascendeu ao Poder.

Os bons ventos de Maio de 68 e seu extraordinário legado estarão sempre em nosso imaginário. Aqueles jovens libertários não lograram fazer uma revolução, mas foram exemplares, relembrando que foi na França que historicamente floresceram os mais fecundos sentimentos em defesa das liberdades públicas.

A “nouvelle vague” estudantil durou 30 dias e fez profundas fendas na anacrônica sociedade francesa. A ‘Marselhaise’, em toda a sua beleza, invadira as ruas de Paris e mais uma vez iluminou a consciência do mundo jovem.

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