CARTÃO DE VACINAÇÃO, por Eurípedes Mendonça

Comprovante de vacinação da cidade de São Paulo (imagem da Internet)

O cartão de vacinação é um documento que descreve e comprova sumariamente um ato profissional de vacinação e habilita o portador a, caso cabível, tomar as doses complementares da vacina. Por ser um documento profissional deve ser assinado (e não rubricado), conter o número de registro profissional do vacinador e respeitada a sua confidencialidade/privacidade.

CARTÃO DE VACINAÇÃO OU DE VACINA?

Há uma variação na nomenclatura do documento. O nome legal é cartão de vacinação (Portaria 69/21, do MS). Pelo fato de constar além dos dados da vacina (fabricante, nome e lote), há informações sobre o vacinado e o vacinador, logo é impróprio chamá-lo de cartão de vacina. Também por seu alcance mais amplo, não é apropriado denominar-se apenas um “comprovante de vacinação”. Aliás, há também diferença entre cartão, carteira e caderneta.

Cartão de vacinação de João Pessoa (Internet)

CUIDADOS AO DIVULGAR O CARTÃO DE VACINAÇÃO

É natural que muitos vacinados queiram demonstrar sua emoção exibindo o documento legal nas mídias sociais. Porém, para evitar o uso indevido de dados pessoais do vacinado (CPF por exemplo) e do vacinador por quadrilhas de golpistas, recomenda-se que sejam OCULTADOS.

DEZ FALHAS APONTADAS NO PROCESSO DE VACINAÇÃO

Há várias denúncias envolvendo a vacinação. Alguns exemplos:

1) simulação de injeção;

2) pseudo-vacinadora;

3) aplicação de vacinas vencidas;

4) erros de aviamento de sua prescrição (1ª dose e 2ª dose de vacinas diferentes);

5) evidente falta de diálogo entre o Ministério da Saúde e as secretarias de saúde municipais consubstanciado no descumprimento de dispositivos legais na elaboração e preenchimento do cartão de vacinação;

6) Prioridades não padronizadas nacionalmente;

7) Desrespeito às prioridades (fura-filas);

8) Terceirização do preenchimento dos dados do cartão de vacinação (o recomendável é que o próprio vacinador preencha e assine);

9) Vacinador(a) não higieniza as mãos entre as vacinações;

10) Idosos vacinados em pé, posição embora prevista pelo manual do Ministério da Saúde (deveria ser uma excepcionalidade pois pode acarretar, entre outros, quedas e até a morte).

Helô Pinheiro (Foto: Reprodução Instagram)

Helô Pinheiro, a Garota de Ipanema, vacinada aos 75 anos em São Paulo (Foto: Instagram)

Os fatos mencionados justificam que seja valorizado o correto e adequado preenchimento do cartão de vacinação, até como possível prova material junto aos conselhos profissionais, às policiais e à Justiça, associada à filmagem (proibida nos Estados Unidos).

FALHAS DETECTADAS NOS CARTÕES DE VACINAÇÃO

Em decorrência, o autor – à luz da Portaria MS 69/21 (ver quadro 1)  fez uma análise de alguns cartões de vacinação e identificou as seguintes não conformidades:

1) Omissão do documento de identificação e data de nascimento (Fortaleza e SP);
2) Preenchimento do nome incompleto do vacinado (não pode abreviar o nome);
3) Omissão do campo nome da vacina, apenas o fabricante, levando à confusão notadamente quando o Butantan tiver duas ou mais vacinas;
4) Informação imprecisa do serviço de vacinação (às vezes, apenas o código, e, de outro lado, a norma não estabelece como preencher nos casos extramuros, a exemplo de ginásios e drive thru);
5) Impossibilidade de identificação do vacinador (falha gravíssima, pois dificulta a imputação de responsabilidade, posto que em muitos casos apenas há um rabisco, rubrica ou só o prenome, infringindo o Manual de Vacinação do MS).

Apenas nos cartões de São Paulo havia a aposição do carimbo do vacinador. Outra importância deste último dado é a proteção contra pseudo-profissionais (vide caso em Belo Horizonte, onde uma falsa enfermeira é acusada de ter vendido uma falsa vacina a empresários do setor de transporte da capital mineira).

NOVE ITENS QUE OBRIGATORIAMENTE DEVEM CONSTAR NO CARTÃO DE VACINAÇÃO ANTI-COVID 19

I – dados do vacinado (nome completo, documento de identificação e data de nascimento);
II – nome da vacina;
III – dose aplicada;
IV – data da vacinação;
V – número do lote da vacina;
VI – nome do fabricante;
VII – identificação do serviço de vacinação;
VIII – identificação do vacinador(a);
IX – data da próxima dose, quando aplicável.

RECOMENDAÇÕES

As normas de vacinação – salvo melhor juízo – não contemplam orientações para o preenchimento do cartão por parte de estagiários ou estudantes dos cursos de graduação da área da saúde. Daí, seria interessante que nos cartões de vacinação fosse registrado o local (braço direito ou esquerdo) conforme recomenda o Manual do MS, a fim de identificar a ocorrência de evento adverso local e associá-lo à respectiva vacina.

Mas temos novidade: está sendo lançado o cartão de vacinação digital, incluindo o registro da nacionalidade e do gênero.

Já o cartão de vacinação dos EUA traz em destaque – em dois idiomas – uma mensagem alertando sobre a importância de sua guarda. Não exige o nome completo. Logo…

Não esqueça de guardar e preservar o seu cartão de vacinação.

Que todos sejam vacinados!

  • Eurípedes Mendonça é médico

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CARTA AO MEU IRMÃO, por Babyne Gouvêa

Imagem: Wikipedia

Estava aqui, plena madrugada, pensando em você, meu irmão querido, e me lembrando de tudo o que você me ensinou.

Iniciei as memórias com a sua fase do rock, está lembrado? Vestido como Elvis Presley, incluindo o topete fixado com brilhantina e, com alguns talheres, batia nas panelas penduradas na cozinha, fazendo o som da bateria. A nossa mãe ria, como uma grande fã. Eram momentos plenos de felicidade.

E o Let’s Twist Again, lançada por Chubby Checker? Você me dando aulas da nova dança para eu exibir no colégio toda orgulhosa diante das colegas? E olha que eu assimilava bem as suas orientações.

Ah, querido, as lembranças da sua coleção de vinil na radiola portátil contribuíram muito para os meus interesses musicais, mantidos até hoje.

Como esquecer a primeira vez que escutei La Vie En Rose, de Edith Piaf e Louis Guglielmi, e interpretada por Louis Armstrong? Lembro, inclusive, da capa do disco exibindo Armstrong com o seu trompete e um plástico protetor que, de tanto zelo, você não admitia retirá-lo.

Você foi o responsável por me apresentar à voz magistral de Frank Sinatra, chamado intimamente por você de Frank. Lembra como eu reagi ao ouvir Nat King Cole? Sabe que está bem vivo na minha memória esse instante de exaltação diante da beleza da voz desse imortal cantor? Se eu fosse enumerar os tantos prazeres musicais que você me proporcionou, não terminaria essa carta.

Entre uma canção estrangeira e outra nacional, você me chamava para ouvir Celly Campello e o seu Estúpido Cupido. Cantava para os meus amigos da rua da minha infância, com os movimentos do twist. Estendi esse aprendizado às minhas amigas do colégio e toda envaidecida dizia que o instrutor tinha sido o meu irmão mais velho.

Quando veio a Jovem Guarda você se esquivou, não tinha tanto interesse, preferia escutar a Bossa Nova. Nesse momento, conciliei a Bossa Nova e a Jovem Guarda, era seguidora dos dois movimentos; a primeira discórdia musical entre nós, mas o respeito continuou. Você, também, não foi fã ardoroso dos Beatles, ao contrário de mim, que sempre os acompanhei.

Lembro do seu ciúme quando fui ao cinema assistir aos filmes dos quatro cabeludos. Eu ria com essa situação, dizendo que era a hora de você acompanhar a sua irmã caçula.

Ah, meu irmão, quantas lembranças boas. O seu Jeep Candango que, de tão desconfortável, derrotou os seus rins, segundo as suas explicações, atribuindo ao veículo a causa dos seus cálculos renais. Só você mesmo desenvolveria essa teoria nos seus instantes de desabafos hilários. Quem lhe conhece fará toda a cena no  imaginário.

Não conheço um contador de histórias melhor do que você. Um conto desagradável você tem a capacidade de transformá-lo em risível, leve, levando graça a quem o escuta.

E aquele acontecimento em Ilhéus, hein? Já estou rindo, só recordando os seus gestos interpretando o protagonista da história, mostrando o local recém-operado que, por discrição, prefiro omitir. Só com você poderia acontecer esse fato.

Não quero me estender muito, abomino ser cansativa, mas não poderia deixar de enaltecer o seu espírito amoroso e solidário, motivo de lhe engrandecer e ser amado por todos de seu convívio.

Estou com saudade. Saia desse lugar que não combina com você. Eu e um grupo enorme de pessoas que amam demais você estamos aguardando a sua saída para podermos retomar os nossos dias felizes.

Sinta-se beijado pela sua irmã caçula, 

Babyne

CASA DE FAMÍLIA, por Ana Lia Almeida

Foto: Ana Patrícia Almeida

Continuo lá, com D. Laura. Os meninos crescidos, estudando, ficou melhor para mim. Nessa idade, você sabe, não dá mais para ficar correndo atrás de criança pequena. Já vou fazer o quê? Quarenta e… Sete! Não ria não, Aleide, jajá você também vai começar a esquecer. É tanta idade que a gente vai parando de contar. O tempo corre, também, repare que já faz mais de ano que a gente é amiga de ônibus, encontro marcado aqui, toda semana.

D. Laura está bem, sim. Esse pessoal vive bem, por mais que não achem. Sempre tem um grande problema que pra gente é pequenininho, é ou não é? Eu bem queria os problemas desse povo. Inventou crise de pânico com a mania de limpeza dela, foi pra médico de cabeça e tudo. Não pode ver uma sacola de supermercado que começa a suar frio. Sobra sempre para mim. É um tal de água sanitária em maçaneta, passar pano na casa três vezes por dia, banho de álcool nas compras, um aperreio só. Hoje, mesmo, minha filha, não foi moleza, a casa estava uma bagunça, ainda bem que tinha lugar aqui pra sentar porque minhas varizes vão estourar.

Você acredita, Aleide, que dia desses sonhei que eu era D. Laura tendo um piripaque desses que ela tem de vez em quando? Eu estava na sala da casa dela, é uma sala meio cafona, mas cafonice organizada, de gente que tem dinheiro. É um tal de quadro de foto de família misturado com santo e time de futebol na parede, que nem em casa de pobre, mas cheio de moldura dourada, não sabe? E a mobília da avó dela: uma mesinha de centro de madeira com um jarro de flor natural, que ela manda comprar toda semana; com mais dois cinzeiros chiques pra ninguém fumar, que ela é asmática; e também tem um troço de madeira, alto, que não serve para nada, só pra apoiar um calendário da igreja dela, com a Virgem Maria olhando praquelas janelas de vidro nas paredes de madeira.

“Rústico”, ela diz, D. Laura. Eu acho é brega, mesmo. Se eu tivesse dinheiro ia querer uma casa toda moderna, os móvi tudo novinho, jamais uns troços daqueles.

Pois eu estava lá, no sonho, bem sentada no sofá listrado, olhando para as flores, quando vi que o jarro branco da avó dela estava todo empoeirado, como se a empregada, que não era eu, lógico, tivesse esquecido de limpar. Aquela sujeira me descontrolava, subia um nervoso pelas pernas até a cabeça, eu começava a me tremer todinha. Eu caía no chão de tanto me tremer, quando acordei.

Trabalhar em casa de família não é fácil não, viu, Aleide? Tem uma hora que a gente endoida com as esquisitices deles. Vá com Deus, minha amiga, daqui a pouco chega meu ponto também. Só eu que falei hoje, depois você me conta as coisas do salão. Até pra semana, amém.

DESATANDO OS NÓS, por Bethania Nóbrega

(Imagem: Hierophant)

A vida na sua imperfeição nos ensina que relacionamentos perfeitos não existem, mas toda história pode mudar e onde houver dor pode vir a existir amor através do perdão, que é o remédio que falta pra desatar muitos dos nós dessa vida.

Essa história fictícia que vou contar é entre um pai e um filho machucados com o que a vida lhes causou. Fala de sentimentos e mostra o quanto é importante a gente falar e não deixar que o tempo passe. Por que será que temos tanta dificuldade de falar de sentimentos pro outro?

Penso que, nessas coisas de relacionamento, “o coração tem razões que a própria razão desconhece”. Enfim, o tempo não volta, mas sempre dá pra tentar, a partir do perdão, o recomeço de uma nova história.

Desatando os nós

Estava tudo certo
Já foi, já passou
O tempo não traz
O tempo não é capaz
De se mostrar diferente
Do que existiu
Esse amor de agora
Não nos cabe
Ele se modifica ao sabor
Dos seus sentimentos
Não quero ser infantil
Não sou mais criança
Aceitar seus erros é fácil
Seus sentimentos não
Seus olhos não
Me enganam mais
Retorcidos e enxaguados
De mágoa que a vida lhe causou
E você me diz que a culpa é minha
Foram suas, as escolhas
Eu fiquei com as consequências
Que o destino me deixou
Não lutemos mais
Pois só o perdão
Pra desatar esse nó
Em nós

@bethania_nobrega

DESABAFOS RECORRENTES, por Babyne Gouvêa

(Imagem: Portal Gama)

Tentei calar, mas não consigo. A Covid chegou à minha família, de forma preocupante. A indignação com o (des)governo renasce, estava em banho-maria. O sentimento de impotência toma conta de mim, devorando-me, gritando no fundo do âmago que não sou nada, mesmo pagando os impostos em dia. Que egoísmo é esse que me faz ficar isolada sem prestar assistência a quem precisa?

A confusão de sentimentos me consome, ora falo com um devido médico pedindo misericórdia para salvar um familiar, ora me concentro em orações rogando piedade aos deuses. Choro, não estou preparada para enfrentar encantamentos de quem adoro, idolatro, de quem amo perdidamente.

Volto a pensar nas declarações do abutre travestido de governante, negando a compra de vacinas. A indignação me corrói ao pensar nas suas observações diante das sucessivas mortes: do seu pedestal soltando pilhérias e sendo ovacionado por seus abutrezinhos. Esses pensamentos só fazem aumentar em mim a sensação de uma cidadã inerte, sem conseguir se locomover para lutar em defesa do coletivo, afastando do governo essa figura maléfica.

No momento, por estar sendo investigado em uma CPI, o governante nefasto procura transferir responsabilidade apenas para o seu anterior ministro da saúde, eximindo-se de culpa. É uma fraqueza de caráter, mais uma. E a falta de condições para ser um administrador continua com uma das máximas: suspender a pesquisa alegando falta de verba, com cancelamento do censo num visível negacionismo social e econômico. Merece respeito uma medida dessa ou é opinião de uma cidadã revoltada?

Tento ler, mas não consigo assimilar nada; tento assistir a vídeos de plataformas de compartilhamento, e me deparo com uma informação, verdadeira afronta ao cidadão consciente. A notícia versa sobre a devastação da economia brasileira com a Lava Jato, segundo a economista Rosa Maria Marques. Ela afirma, em artigo publicado no livro Relações Obscenas, que houve um desmantelamento da construção civil e do petróleo e gás. Vai além, falando sobre o impacto negativo que a operação Lava Jato trouxe à economia do país: um prejuízo de R$ 142,6 bilhões para a economia brasileira em apenas um ano; estimando-se que, nos três primeiros anos, ocorreram mais de 2,5 milhões de demissões ligadas às empresas investigadas pela Operação Lava Jato ou a suas fornecedoras.

Sem vacinas para imunizar a sociedade; com blindagem do governo de todos os lados; gastos do governo despencando com a pandemia em 2021; discurso do governante-mor apresentando dados imprecisos no combate ao desmatamento na Cúpula do Clima. Esses são exemplos desanimadores para uma cidadã fragilizada em busca de um alento para se encorajar diante de tantas adversidades.

A NOIVA DA OLIGARQUIA, por Babyne Gouvêa

homem prendendo uma mulher na cama em simulação de estupro

Crédito: IStock/@adl21

Dias atrás, a escritora Ana Adelaide Peixoto, grande amiga, foi merecidamente laureada com o Troféu Maria da Penha – prêmio em homenagem a quem se destaca por ações que beneficiam, valorizam e protegem as mulheres. Esse fato me provocou um imediato reflexo, levando-me à infância. Vejamos adiante.

Entre o final da década de 50 e início de 60, residia em uma das principais avenidas da cidade uma jovem esbelta e bonita que chamava atenção por onde passava. Costumava caminhar de sua casa até uma praça bem frequentada, onde moradores do bairro se divertiam e descansavam em seus jardins floridos. O trajeto ganhava a beleza do andar de movimentos naturalmente sensuais daquela moça. Além de tudo, deixava no ar um cheiro marcante de almíscar por onde passava.

Ela tinha o hábito de subir ao coreto do largo e tentar inocentemente brincar com os músicos da Banda Municipal, que ali tocavam. Em seguida, descia e era seguida por galanteios masculinos e pilhérias da criançada, mas não perdia o rumo da caminhada. O motivo da chacota: a moça levava sobre a cabeça uma cesta carregada de pedras em substituição a peixes que dizia vender.

Ninguém sabia que peixe não havia, a não ser uma criança muito astuta e desconfiada que resolveu bisbilhotar conversas adultas sobre a moça. Descobriu, então, que aquela que provocava anseios nos rapazes tinha sido violentada sexualmente pelo próprio noivo e amigos dele. À vítima de tamanha brutalidade de seres tão bárbaros e cruéis restaram o trauma e sequelas mentais evidentes por toda a vida.

A criança que fez tal descoberta não tinha, em razão da idade, compreensão suficiente do vocabulário usado pelos familiares mais velhos no relato daquele triste caso, mas a esperteza contribuiu para discernir que se tratava de algo grave. Merecia atenção e indagações, portanto, da curiosidade infantil e suas preocupações.

A moça da avenida foi ultrajada exatamente por quem lhe havia prometido casamento, um herdeiro da elite local. O crime foi abafado na sociedade, como sempre ocorre quando a violência contra a mulher é praticada por membros dos meios social e econômico mais abastados.

Ressalte-se que o fato ocorreu há cerca de sessenta anos, atestando que a mulher é subjugada desde épocas remotas, muitas vezes por seu companheiro. É importante, pois, sempre denunciar a violência sofrida pelas mulheres, mesmo quando muitas preferem silenciar por temer retaliação.

A pobre moça dessa história, de tão abalada, não teve como conduzir a sua vida normalmente, privando-se, inclusive, de desenvolver qualquer atividade profissional. Além disso, suas amizades sumiram com desculpas preconceituosas e as respectivas famílias julgaram e condenaram sumariamente pessoa tão carente de amparo. E o noivo estuprador, por sua vez, seguiu impune e fez carreira política. 

Formada a compreensão de tudo o que acontecera, a criança que desvelou a barbárie lamentou muitíssimo não ser adulta para poder defender aquela criatura delicada e vulnerável, vítima da misoginia e de uma oligarquia que tudo fez para proteger o seu monstro.

Mas aquela criança, uma menina, cresceu, amadureceu. Jamais esqueceu as imagens da mulher devastada, delirante e anônima. Imagens que tanto marcaram a sua infância.

APESAR DE TUDO… por Robson Nóbrega

Os últimos quatro anos reinseriram o Brasil no Mapa da Fome. Hoje, 116 milhões vivem sob insegurança alimentar (Foto: RBA)

Fiz o texto a seguir em resposta a um vídeo fake, mais uma montagem grosseira da fábrica de mentiras e ódio instalada no Brasil desde 2018. A ‘obra’ me foi enviada por um professor doutor da UFPB, ainda bolsonarista. Expõe palavras e imagens editadas para mostrar suposto posicionamento de Lula e Dilma contra as igrejas evangélicas. Evangélico que sou, sei bem distinguir entre a verdade dos fatos e o fundamentalismo fascista.

***

Boa noite, meu irmão, meu caro doutor.

Pensei que depois de tantos desmandos, de tantos cortes de verbas das universidades, de tanta violência contra a soberania das instituições federais de ensino superior (com nomeação de reitores biônicos)…

Depois de tanta destruição da cultura, de tanto ataque aos direitos trabalhistas, à aposentadoria, às reservas ambientais; depois de tantos assassinatos de indígenas, de tanto estímulo às queimadas na Amazônia, da entrega do Pré-Sal e da Base de Alcântara…

Pensei que depois da inflação galopante (com reajustes constantes de combustíveis, alimentos, remédios), das quase 400 mil mortes pela Covid (com discursos explícitos e atitudes criminosas contra o uso de máscara, distanciamento social e também contra vacinas); depois de tanto incentivo ao uso de cloroquina e outros medicamentos comprovadamente ineficazes contra o novo coronavírus…

Pensei que depois da coligação com o que há de mais corrupto na política, aí incluído o famigerado Centrão; depois dos palavrões, da homofobia, da misoginia, do racismo, da própria corrupção em família, do apoio a milícias armadas e tantos outros desmandos…

Jamais imaginei que o nobre mestre – com inteligência acima de muitos mortais – fosse capaz de divulgar vídeo com montagem tão grosseira que tenta jogar os evangélicos contra os governos petistas, pois foi justamente nos governos do PT que inúmeras igrejas evangélicas floresceram e foram implantadas.

Pensei mesmo que você, caro doutor, estivesse arrependido do seu voto em 2018. Vejo que não, infelizmente. Embora pareça ser aquela coisa de não dar o braço a torcer, enquanto o Brasil padece sob tanta desumanidade.

Uma pena, pena mesmo, querido mestre. Mas, apesar de tudo, desejo com absoluta sinceridade a paz do Senhor na sua vida e na vida dos seus.

Com respeito, seu amigo e admirador,

Robson