A NOIVA DA OLIGARQUIA, por Babyne Gouvêa

homem prendendo uma mulher na cama em simulação de estupro

Crédito: IStock/@adl21

Dias atrás, a escritora Ana Adelaide Peixoto, grande amiga, foi merecidamente laureada com o Troféu Maria da Penha – prêmio em homenagem a quem se destaca por ações que beneficiam, valorizam e protegem as mulheres. Esse fato me provocou um imediato reflexo, levando-me à infância. Vejamos adiante.

Entre o final da década de 50 e início de 60, residia em uma das principais avenidas da cidade uma jovem esbelta e bonita que chamava atenção por onde passava. Costumava caminhar de sua casa até uma praça bem frequentada, onde moradores do bairro se divertiam e descansavam em seus jardins floridos. O trajeto ganhava a beleza do andar de movimentos naturalmente sensuais daquela moça. Além de tudo, deixava no ar um cheiro marcante de almíscar por onde passava.

Ela tinha o hábito de subir ao coreto do largo e tentar inocentemente brincar com os músicos da Banda Municipal, que ali tocavam. Em seguida, descia e era seguida por galanteios masculinos e pilhérias da criançada, mas não perdia o rumo da caminhada. O motivo da chacota: a moça levava sobre a cabeça uma cesta carregada de pedras em substituição a peixes que dizia vender.

Ninguém sabia que peixe não havia, a não ser uma criança muito astuta e desconfiada que resolveu bisbilhotar conversas adultas sobre a moça. Descobriu, então, que aquela que provocava anseios nos rapazes tinha sido violentada sexualmente pelo próprio noivo e amigos dele. À vítima de tamanha brutalidade de seres tão bárbaros e cruéis restaram o trauma e sequelas mentais evidentes por toda a vida.

A criança que fez tal descoberta não tinha, em razão da idade, compreensão suficiente do vocabulário usado pelos familiares mais velhos no relato daquele triste caso, mas a esperteza contribuiu para discernir que se tratava de algo grave. Merecia atenção e indagações, portanto, da curiosidade infantil e suas preocupações.

A moça da avenida foi ultrajada exatamente por quem lhe havia prometido casamento, um herdeiro da elite local. O crime foi abafado na sociedade, como sempre ocorre quando a violência contra a mulher é praticada por membros dos meios social e econômico mais abastados.

Ressalte-se que o fato ocorreu há cerca de sessenta anos, atestando que a mulher é subjugada desde épocas remotas, muitas vezes por seu companheiro. É importante, pois, sempre denunciar a violência sofrida pelas mulheres, mesmo quando muitas preferem silenciar por temer retaliação.

A pobre moça dessa história, de tão abalada, não teve como conduzir a sua vida normalmente, privando-se, inclusive, de desenvolver qualquer atividade profissional. Além disso, suas amizades sumiram com desculpas preconceituosas e as respectivas famílias julgaram e condenaram sumariamente pessoa tão carente de amparo. E o noivo estuprador, por sua vez, seguiu impune e fez carreira política. 

Formada a compreensão de tudo o que acontecera, a criança que desvelou a barbárie lamentou muitíssimo não ser adulta para poder defender aquela criatura delicada e vulnerável, vítima da misoginia e de uma oligarquia que tudo fez para proteger o seu monstro.

Mas aquela criança, uma menina, cresceu, amadureceu. Jamais esqueceu as imagens da mulher devastada, delirante e anônima. Imagens que tanto marcaram a sua infância.

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