VACINAS DE VENTO? por Eurípedes Mendonça

Eurípedes e o famoso verso de Pinto de Monteiro, em Monteiro, no Cariri Paraibano

Confesso desconhecer o porquê de a mídia denominar de “Vacina de Vento” aquela em que o vacinador, inescrupulosamente, não injeta o conteúdo vacinal no músculo do braço do paciente.

A falha é que o criminoso vacinador não aspira a vacina para o interior da seringa, que logo fica apenas com o ar na parte compreendida entre o bico e o êmbolo da seringa. A seguir, injeta-o, em vez de vacina, na enganada e vulnerável vítima.

Não existe vento e sim ar atmosférico no interior de uma seringa. Recorrendo aos conhecimentos de Física ministrados no ensino médio, fica patente que a manchete “Vacina de Vento” não tem sustentação cientifica. Explico: no interior de uma seringa, cujo conteúdo é inexistente, ou seja, não foi colocado nela a vacina, inexiste vento e sim ar atmosférico.

Simples assim, como me ensinou o experiente professor Pelágio Nerício. Perguntado, ele se empolgou e começou a discorrer sobre os oito tipos de vento. Pra ser sincero, só me interessei pela paraibana brisa, notadamente por encontrá-la em João Pessoa.

Pelágio e os melhores dicionaristas concordam: “Vento é o ar atmosférico em movimento natural”. Logo, ensina o docente, a diferença entre vento e ar atmosférico é a movimentação da matéria. A diferença é mais de natureza física do que química. A citação da palavra ‘matéria’ ativou minhas conexões neuronais e lembrei-me de recorrer a um verdadeiro Professor de química, no caso José Carlos Godoi, pois, apesar de habilitado pelo Mec nesse campo do conhecimento, não me considero um professor de química.

Segundo o professor Godoi, a Química atesta que o ar e o vento são compostos da mesma matéria. Fisicamente, a diferença é a presença de movimento, presente no vento e ausente no ar atmosférico. E arrematou Godoi: “Logo, se um vento fosse introduzido numa seringa, imediatamente perderia o movimento, perderia sua identidade. Mudaria de vento para ar”. Assim, se essa matéria (que pesa 1,43g/L) fosse introduzida no músculo deltóide do paciente, seria sempre ar e nunca vento.

Conclui-se, portanto, que do ponto de vista científico – na química e na física – a expressão ‘vacina de vento’ é imprópria. O recomendável seria, indubitavelmente, ‘vacina de ar’. Mais precisamente, ar atmosférico.

VACINA DE VENTO OU VACINA AO VENTO?

Espero ter convencido o leitor de que cientificamente é impossível a existência de vento numa seringa. Quem insistir precisará de uma urgente assistência psiquiátrica (onde estaria o dr. Joao Leonardo Ribeiro Moraes?), pois configurar-se-ia um delírio patológico.

Só há uma maneira de manter o vocábulo “vento” no interior de uma seringa, usando a linguagem poética e os recursos do nosso vernáculo. Já dizia o fantástico Pinto do Monteiro, da cidade onde nasce o Rio Paraíba. Ele proclamava, orgulhoso: “Poeta é aquele que tira de onde não tem e bota onde não cabe”. Traduzindo: na prosa, tudo pode!

Mas nem precisa forçar a barra, usando a liberdade poética, para “salvar a existência de vento dentro da seringa”. Basta a mídia substituir ‘vacina de vento’ por ‘vacina ao vento’. Ou seja, uma simples saída preposicional. Mas diria o leitor: “Não seria trocar seis por meia dúzia?”.

Peço licença ao compositor pernambucano Accioly Neto e ao sanfoneiro monteirense Flávio José para argumentar a favor, tomando como fundamento a linda música “Espumas ao vento”. Basta o primeiro verso:

Sei que aí dentro ainda mora um pedacinho de mim
Um grande amor não se acaba assim
Feito espumas ao vento.

Vamos interpretá-lo à luz da temática da vacinação. ‘Um pedacinho de mim” seria a vacina anti-covid; “ainda mora”, habitar o corpo humano; e, “feito espuma de vento”, é mesmo que desaparecer, morrer, ou seja, ao vento, o que reforça a ideia de efemeridade. Logo, vacina ao vento sinalizaria para uma vacina que não ficou, que não foi injetada no organismo, que acabou, enfim, tal e qual diz o verso de Accioly Neto.

Concluindo, literariamente falando, “Vacina, ao vento!”, com virgula e ponto de exclamação, seria um nome cultural e possível candidata à substituta.

Mas a ciência é soberana. Os professores José Carlos Godói e Pelágio Nerício deram o respaldo à tese do autor de que a mídia troque o “Vacina de Vento” por “Vacina de Ar” e, como opção cultural, “Vacina, ao vento!”.

Aos professores do Colégio das Lourdinas de João Pessoa, Godói e Pelágio, e ao meu professor de psiquiatria João Leonardo, rendo as minhas homenagens.

Que os ventos soprem a nosso favor e todos sejam vacinados! Deus nos proteja.

  • Eurípedes Mendonca é médico.

COVID MATA UMA CAMPINA A CADA 6 MESES, por José Mário Espínola

Sexta-feira última, dia 30 de abril, a cidade de Campina Grande teria amanhecido vazia. Pelas ruas, somente gatos e cachorros vadios circulavam, errando em busca de alimento.

No Parque do Povo definitivamente silencioso, sanfonas, triângulos e zabumbas seriam nada mais do que ecos fantasmagóricos de um passado recente. No passeio da Rua Maciel Pinheiro, que já foi o mais movimentado da cidade, nada além de capim seco e poeira.

No Parque da Criança não mais se ouviriam risos infantis, mas tão somente o barulho do vento, como nos vilarejos fantasmas dos filmes de caubói. E todas as pessoas que por lá se exercitavam teriam desaparecido.

O Campus 1 da Universidade Federal de Campina Grande, orgulho do nosso Estado, transformado em cidade universitária deserta, não mais produzia tantos programas de computação que têm ajudado a melhorar o mundo e a salvar vidas.

Enfim, no dia 30 de abril já não haveria mais ninguém na cidade, pois foi justamente nessa data que o Brasil ultrapassou a cifra dos 400 mil mortos pela epidemia de covid 19. O equivalente a uma Campina Grande completa.

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Há pouco mais de um mês, completávamos os 300 mil mortos. Na ocasião, os brasileiros dotados de sensibilidade e piedade ficaram consternados.

Aqueles indiferentes ao sofrimento da nação, os dotados de psicopatia, não chegaram a se manifestar, tão grande a indiferença. Pelo menos não comemoraram. Talvez não.

Os números frios revelam uma mega tragédia, inédita no nosso país. Pois nunca se morreu tanto e tão rapidamente.

Desde a primeira morte, a 17 de março do ano passado, são 402 mil mortos em 408 dias. Média de 985 mortos a cada 24 horas. O equivalente à queda de 3 aviões Airbus A380 lotados, todos os dias, ao longo de pouco mais de um ano, fazendo desaparecer nesse período toda a população de uma Campina Grande.

Mantida essa média, alcançaríamos o meio milhão de mortos aproximadamente no dia 7 de setembro. Todavia, a média atual é de 2.400 mortos por dia, o que anteciparia o 500.000º morto para o dia 11 de junho. É como se caíssem 6 Airbus A380 todos os dia, só aqui no Brasil.

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A ciência vem demonstrando que a velocidade de novos casos de morte por covid 19 pode ser modificada por diversos fatores. Pode ser retardada com a adoção de medidas sanitárias, das quais se destacam o uso de máscaras, a higienização e o distanciamento social. Tudo isso associado à vacinação em massa.

Temos a prova de que isso é possível quando observamos a evolução da doença em alguns países, como aconteceu no Reino Unido, em Israel e na Nova Zelândia.

Nem precisamos ir tão longe: quando ainda não havia acesso às vacinas anti-covid 19, a cidade de Araraquara, no interior paulista, impôs o isolamento social e demais medidas sanitárias. Conseguiu reduzir internações hospitalares, ocupação de leitos de UTI e novos óbitos por covid 19. Paralelo a isso, o resto de São Paulo e outros estados, como o Amazonas, “ardiam em chamas” com o aumento estúpido de mortos pela terrível doença.

Todas as medidas exaustivamente recomendadas contra a covid estão ao alcance das decisões de autoridades da saúde. Mas não é tão simples assim: os cuidados sanitários têm que ser adotados por todos.

Por outro lado, a taxa de óbitos diários pode ser acelerada. É o que atualmente está acontecendo no Brasil. É o que estamos observando especialmente entre os mais jovens, que desprezam o perigo aglomerando-se, falhando no uso das máscaras e nas medidas de higiene.

A mudança na atitude da população é possível, desde que mude também a atitude das autoridades da saúde. Isto requer uma campanha intensa e decisões duras por parte dessas autoridades, principalmente do Governo Federal, não só da parte do presidente da República como de seu Ministério da Saúde.

O próprio presidente, entretanto, numa atitude genocida, dificulta como pode o processo de imunização, desobedece todas as regras sanitárias e incita a população à desobediência às determinações da OMS, dando o mau exemplo à população.

Quanto às vacinas, o Governo Federal, responsável maior pelo Plano Nacional de Imunização (PNI), falhou feio ao não reservar e comprar em tempo hábil as doses necessárias para vacinar a população, o que poderia frear a marcha do extermínio em massa.

O PNI já foi modelo de excelência para o mundo. Foi desmantelado na titularidade anterior do Ministério da Saúde, causando enorme prejuízo de vidas para o Brasil. Existem evidências que o ex-ministro da Saúde evitou a aquisição das vacinas oferecidas para não desagradar o presidente da República, que sempre se posicionou contra a vacina, ao ponto de ministros seus se vacinarem escondidos, na calada da noite. Talvez em garagens de empresas de ônibus. Ambos, presidente e ex-ministro, são diretamente responsáveis por essa chacina que vem acontecendo no Brasil.

O PNI está agora passando por processo de recuperação, iniciado pela nova administração do Ministério da Saúde, que age orientado pela ciência, acendendo uma nova esperança para a população brasileira.

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Observando todos os cuidados, não só da parte da população mas, principalmente, dos governos federal, estaduais e municipais, poderemos, enfim, evitar a perda de uma Campina Grande a cada seis meses.

DESABAFOS RECORRENTES, por Babyne Gouvêa

(Imagem: Portal Gama)

Tentei calar, mas não consigo. A Covid chegou à minha família, de forma preocupante. A indignação com o (des)governo renasce, estava em banho-maria. O sentimento de impotência toma conta de mim, devorando-me, gritando no fundo do âmago que não sou nada, mesmo pagando os impostos em dia. Que egoísmo é esse que me faz ficar isolada sem prestar assistência a quem precisa?

A confusão de sentimentos me consome, ora falo com um devido médico pedindo misericórdia para salvar um familiar, ora me concentro em orações rogando piedade aos deuses. Choro, não estou preparada para enfrentar encantamentos de quem adoro, idolatro, de quem amo perdidamente.

Volto a pensar nas declarações do abutre travestido de governante, negando a compra de vacinas. A indignação me corrói ao pensar nas suas observações diante das sucessivas mortes: do seu pedestal soltando pilhérias e sendo ovacionado por seus abutrezinhos. Esses pensamentos só fazem aumentar em mim a sensação de uma cidadã inerte, sem conseguir se locomover para lutar em defesa do coletivo, afastando do governo essa figura maléfica.

No momento, por estar sendo investigado em uma CPI, o governante nefasto procura transferir responsabilidade apenas para o seu anterior ministro da saúde, eximindo-se de culpa. É uma fraqueza de caráter, mais uma. E a falta de condições para ser um administrador continua com uma das máximas: suspender a pesquisa alegando falta de verba, com cancelamento do censo num visível negacionismo social e econômico. Merece respeito uma medida dessa ou é opinião de uma cidadã revoltada?

Tento ler, mas não consigo assimilar nada; tento assistir a vídeos de plataformas de compartilhamento, e me deparo com uma informação, verdadeira afronta ao cidadão consciente. A notícia versa sobre a devastação da economia brasileira com a Lava Jato, segundo a economista Rosa Maria Marques. Ela afirma, em artigo publicado no livro Relações Obscenas, que houve um desmantelamento da construção civil e do petróleo e gás. Vai além, falando sobre o impacto negativo que a operação Lava Jato trouxe à economia do país: um prejuízo de R$ 142,6 bilhões para a economia brasileira em apenas um ano; estimando-se que, nos três primeiros anos, ocorreram mais de 2,5 milhões de demissões ligadas às empresas investigadas pela Operação Lava Jato ou a suas fornecedoras.

Sem vacinas para imunizar a sociedade; com blindagem do governo de todos os lados; gastos do governo despencando com a pandemia em 2021; discurso do governante-mor apresentando dados imprecisos no combate ao desmatamento na Cúpula do Clima. Esses são exemplos desanimadores para uma cidadã fragilizada em busca de um alento para se encorajar diante de tantas adversidades.

SONHAR É PRECISO, por Babyne Gouvêa

Ilustração

(Imagem: Getty/BBC)

Com o aparecimento de vírus tão letal, um pensador passou a administrar o sentimento que tomou conta dele – a saudade do cotidiano – e procurou diversas formas de conviver com tal situação.

No início, difícil, muito difícil. Medos, quebra de rotina, indecisões sobre certo ou errado… O banzo que lhe envolvia seria o causador de suas agonias e hesitações, avaliou. Resolveu, então, enfrentar o que lhe angustiava dando um alô ao imaginário, seu melhor aliado, e apelou à alucinação que lhe apresentou um leque de alternativas para saber lidar com tantas aflições.

Essa opção funcionou como idealizadora de desejos aparentemente absurdos, mas possíveis de se concretizar, embora morador de uma nação carente de civilidade num grau que beira o irracional. Começou a fazer conjecturas.

Quem sabe uma transformação radical e repentina no comportamento da população, deixando todos menos desiguais e vulneráveis. Que tal governantes despertando para o seu verdadeiro papel na sociedade, dispostos a proporcionar educação, moradia e alimentação dignas às crianças, por exemplo?

Os pensamentos fluíram em torno dos cidadãos tendo acesso rápido aos serviços essenciais de saúde, ousou imaginar também todos os cidadãos se direcionando exclusivamente às atividades e condutas assertivas com generosidade e empatia. 

A sua fértil imaginação arriscou uma vida em sociedade sem comprometer a capacidade das gerações futuras de suprirem as suas próprias necessidades, contando com a sabedoria dos seus conterrâneos sobre a importância de aderirem à sustentabilidade ambiental. Os pulmões do planeta seriam poupados.

Todos esses modelos têm sido imaginados pelo pensador no período de isolamento imposto pela Covid. Um tanto romanceada, é verdade, mas a sua viabilização seria compensatória depois de um longo momento de tormento e incertezas. Segundo ele, esse estado onírico tem funcionado como enorme facilitador de dias tão sofridos. Afinal, concluiu, sonhar é preciso!

  • Babyne Gouvêa é Biblioteconomista

O BOM E JUSTO COMBATE DE LÚCIA, por Waldir Porfírio

Lúcia Rocha (imagem do Instagram do autor)

Lúcia Rocha, minha camarada do PCdoB por várias décadas, foi mais uma vida ceifada pela Covid. Ainda não me acostumei nessa normalidade anormal que estamos vivendo. O coração sangra com cada amiga ou amigo devorado pelo vírus e as lembranças vêm como turbilhão de momentos que estivemos juntos.

Gostaria de prestar minha homenagem a esta guerreira, uma das heroínas da luta do povo brasileiro. Natural da Piauí, Lúcia Rocha, ou Marilú, iniciou sua militância na Bahia no movimento estudantil e como membro da organização Ação Popular, que combatia a ditadura civil-militar. Em 1968, já formada em História pela UFBA, sob os horrores do Ato Institucional nº 5, ela foi para Recife onde trabalhou numa clínica e no Conselho Regional de Assistentes Sociais.

Após a sua incorporação ao Partido Comunista do Brasil, em 1973, viajou com nome clandestino para o interior do Maranhão para dar apoio aos militantes da Guerrilha do Araguaia. Havia feito um curso de parteira e trabalhava na pequena cidade de Santa Luzia (MA) ajudando mães pobres nos serviços de parto. Era conhcecida e querida pelo povo do lugar como “Branca”.

Sabendo que as forças da repressão estavam circulando na região próxima à cidade e que sua vida corria perigo, andou três léguas a pé até pegar um ônibus em Santa Luzia (MA). Numa das barreiras policiais, avistou o carrasco torturador e assassino Delegado Freury. Passado este momento de desespero em ser reconhecida, continuou a viajem até Picos (PI), onde morou por um ano.

Com as prisões, torturas, assassinatos e delações de vários camaradas, e procurada pelos agentes da repressão, Lúcia Rocha transitou com nomes falsos pelos Estados de São Paulo, Pará, Ceará e Pernambuco, trabalhando em várias empresas e indústrias até o advento da anistia em 1979.

Chegou à Paraíba em 1982, quando, no ano seguinte, casou-se com o dirigente comunista José Rodrigues Costa. Aqui, Lúcia Rocha fez parte da direção estadual do PCdoB, trabalhou no jornal O Norte e na CAGEPA, onde aposentou-se. Foi uma militante exemplar na frente sindical e de moradia. Mas, o seu legado, foi no movimento de defesa das mulheres, quando fundou a União das Mulheres de Cruz das Armas e a União Brasileira de Mulheres (UBM), sendo, desta última, presidenta na Paraíba.

Passou a sua história para seu filho amado, Ramon Rocha, companheiro de todas as horas de agrúrias e alegrias, orgulho que manifestava em todas as nossas conversas.

Deixo meu abraço fraterno ao meu amigo Ramon, que conheço desde criança, à família de Lúcia Rocha, aos camaradas do PCdoB, às companheiras e companheiros que estiveram nas barricadas de luta por um mundo melhor e justo.

Waldir Porfírio é historiador

QUEM MATOU CIDA SARINHO?

Cida Sarinho morreu ontem (12) em hospital de João Pessoa (Foto copiada do ParlamentoPB)

Cida Sarinho partiu muito cedo e eu não consigo acreditar que haja uma razão para isso, que a sua morte foi apenas por um vírus, esse que provavelmente nasce da hipocrisia que ela combatia, das desrazões humanas que maltratam o que nos é mais essencial e nos constitui, os recursos naturais.

Eu sei que ela e milhares de pessoas poderiam ainda estar vivas se não tivéssemos um governo que, desde as primeiras mortes, governa para o sucesso do vírus. Talvez alguém me acuse de politizar esta perda irreparável, mas, inclusive por respeito a ela, não cometerei o equívoco de separar o inseparável.

O atendimento à saúde, à educação e a promoção da vida, principalmente para as comunidades mais carentes, o público jovem, os idosos e as mulheres, foram, durante toda a sua vida profissional, objeto de muita dedicação técnica, política e afetiva.

Uma Assistente Social de verdade desaprende rápido a separar essas três coisas, pois descobre, também rapidamente, que a técnica não basta, que a política não basta e que é com a massa dos afetos que ela, mesmo sabendo que jamais conseguirá de forma plena, tentará tapar todos os buracos, curar todas as feridas e promover vida, dignidade e alegria no coração das pessoas mais carentes.

Quem não conheceu Cida Sarinho e quiser ter notícias dela, vá até a Favela do S, até o Gervásio Maia, no Baixo Roger e tantas outras comunidades da periferia de João Pessoa. Em qualquer desses lugares procure por uma mulher que transformou a vida de dezenas de adolescentes e que também perdeu outras dezenas para a violência, a miséria e as drogas (na realidade brasileira, a (o) Assistente Social que não aprende a perder não consegue jogar nem descobre a importância de um gol, mesmo quando o placar fecha em 10 a 1).

Procure mulheres violentadas pela própria história, que conseguiram, através do trabalho de Cida Sarinho, conquistar dignidade e autoestima, encontre também outras tantas que não conseguiram, mas que reconheciam Cida nas ruas, vinham abraçá-la e muitas vezes, mais uma vez, chorar de alegria ou de tristeza nos seus ombros.

Pois foi essa mulher, que viveu intensamente tantas vidas, que nunca perdeu a chance de investir seus próprios recursos para sanar uma necessidade mais radical ou para pagar um lanche para adolescentes famintos, essa mulher que lutava diariamente pela igualdade de direitos e de oportunidades, que transformava a sua indignação em atitude e força de trabalho, essa mulher intensa em tudo e em tudo que exercia apaixonada, que morreu do que sempre combateu: a incompetência na gestão dos recursos e das políticas públicas.

Não posso garantir que Cida Sarinho estaria viva se, há um ano, tivéssemos iniciado um esforço de combate ao Covid, coordenado pelo governo federal, que potencializasse os recursos regionais de forma racional, proativa, multidisciplinar e com respaldo técnico e científico. No entanto, certamente estaríamos poupando milhares de vidas e livrando da dor e da perda milhares de famílias. Talvez esta dor não estivesse agora na casa de Iago, Caíque e Jéssica, na casa de Osvaldo e de Rosa, na casa de Méa, de Déa, de Helena, de Mariinha, de tantos de nós. Muito provavelmente Cida, sim, estaria viva.

O que todos sabemos é que o presidente, desde a primeira oportunidade, em meados de fevereiro de 2020, negligencia, ignora, escamoteia, tergiversa e ironiza o poder letal do Covid 19 e, como um subverme institucional, fragiliza o Ministério da Saúde e subtrai o poder de reação natural e de articulação das instituições públicas de saúde de todo o país.

Se tivéssemos um Presidente, as chances de Cida e das milhares de pessoas que morreram até agora teriam sido muito maiores. Este raciocínio também é válido para as que serão infectadas amanhã, para as que amanhã morrerão e, inclusive, para as pessoas que discordam de mim agora e morrerão em breve do mal que defendem. Os brasileiros não têm, mas o vírus tem um presidente pra chamar de seu. Muitos vermes também têm.

Cida e mais 2.151 pessoas morreram, neste dia 12 de março de 2021, pela ação do Covid 19 e pela incompetência insana e genocida do verme mor que preside o nosso país. Se ele fizesse o que tinha e tem que ser feito, se ao menos não atrapalhasse quem quer fazer, muitos milhares de vidas estariam sendo poupadas, mas se não fossem tantas e apenas uma vida fosse salva, todo o esforço já teria sido válido.

Um governante não tem direito de errar, mas é humano e erra. O que não se pode perdoar ou admitir é a insistência no erro, mesmo com as pessoas caindo mortas ao seu lado, sob sua ironia e insensatez. Um governante é para a sua comunidade, para o bem dela e só o bem da população justifica o poder que ele concentra. Não vivemos em uma monarquia da idade média, não estamos a serviço do rei. Se há um déspota no poder a democracia está vilipendiada, o povo está sob o poder de um governo criminoso.

Luz e paz para Cida Sarinho, justiça para todas as pessoas que morreram e que morrerão por consequência da mediocridade na política e na gestão pública brasileira.

Texto de Gilson Renato

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Incrível, mas na Paraíba a Justiça é acionada para dar prioridade ao prioritário

Imagem meramente ilustrativa copiada do Diário do Nordeste

Incrível, mas na Paraíba a Justiça teve que ser acionada par dar prioridade a quem realmente é prioritário. Assim, decisão da juíza federal Wanessa dos Santos Lima, proferida ontem (15) em João Pessoa, deve salvar milhares de vidas ameaçadas pela desídia ou incompetência de autoridades federais, estaduais e municipais.

Doutora Wanessa atendeu a um pedido feito em conjunto pelo Ministério Público Federal (MPF), do Trabalho (MPT) e da Paraíba (MPPB). Ela decidiu que de agora em diante o que vier ou tiver de vacina contra a Covid terá que ser aplicada, primeiro, nos idosos. A priorização beneficia todos com 60 anos ou mais, ou seja, quem tem menos chance de sobreviver ao coronavírus.

Enquanto esse grupo não for totalmente vacinado, com exceção de quem está na linha de frente da guerra contra a Covid, qualquer outro não poderá receber as doses disponíveis. Para garantir que sua ordem será obedecida, a juíza também mandou suspender a vacinação de profissionais de saúde que não estão no front da pandemia.

Fez bem. Fez bem porque em alguns municípios, João Pessoa entre eles, a vacina pouca estava sendo dada a uns poucos, idosos ou não. Ah, e outra medida de bom senso adotada pela Doutora Wanessa assegura a segunda dose àqueles que furaram a fila ou foram contemplados no privilégio concedido a pessoas já privilegiadas.

Fez bem, Doutora. Fez bem porque são vidas humanas, afinal, merecedoras de completar o ciclo de imunização iniciado com a primeira dose. Sem a segunda dose, o desperdício da vacina será consumado e o risco de contágio renovado para os beneficiados pelo acesso aos seus iguais que se julgam mais iguais do que todos os outros.

  • Com informações da Sala de Imprensa do MPF-PB

REPRESENTADO, OUTRA VEZ, por José Mário Espínola

Imagens de médicos vítimas da Covid-19 são projetadas em prédio de SP

Imagens de médicos mortos pela Covid projetadas em edifícios paulistanos (Crédito: Metrópoles)

No início da década passada, as entidades médicas brasileiras travaram uma luta desigual no Congresso Nacional, pois até então o exercício da nossa profissão ainda não tinha sido regulamentado por lei.

Diferente das demais profissões de saúde, por descuido das gerações médicas anteriores nunca havia sido apresentado um projeto vitorioso, na Câmara Federal e no Senado, para regulamentar uma profissão tão antiga e prestigiada.

Em sua longa trajetória no Congresso, originalmente recebeu no Senado a denominação PL 268/2002, do senador Benício Sampaio, do PPB do Piauí. Após demorada evolução, foi aprovado por unanimidade no Senado e seguiu para a Câmara do Deputados, onde passou a ser denominado PL 7703/2006.

Ao longo de sete anos, o PL 7703/2006 sofreu todo tipo de agressões por parte das representações das outras 13 profissões de saúde. Tal hostilidade baseava-se em equívocos estimulados por dirigentes suspeitos que comandaram outros profissionais – dentistas, enfermeiros, psicólogos, fisioterapeutas, nutricionistas, assistente social, biólogo, biomédico, farmacêutico, fonoaudiólogo, profissional de educação física, terapeuta ocupacional e técnico e de radiologia – numa verdadeira guerra santa contra aquilo que foi denominado Ato Médico.

Esses dirigentes das profissões citadas convenceram seus liderados que a aprovação da Lei do Ato Médico os transformaria em meros subordinados aos médicos e esses, por sua vez, limitariam as atividades daqueles profissionais.

Tamanha má vontade para com a classe médica parecia ter raízes históricas, originadas em comportamentos inadequados e arrogantes de médicos do passado.

Hoje, os tempos são outros e as novas e atuais gerações têm relações em que predomina o respeito mútuo aos outros profissionais de saúde, encarando a sua atividade como um trabalho de equipe, onde o bem comum é a saúde plena do paciente sob os seus cuidados.

Esse verdadeiro ranço encontrou eco no Congresso, todavia, mais exatamente na Câmara dos Deputados. Isso fez com que a lei atrasasse, demorando 11 anos até ser aprovada e sancionada.

Antes de ser aprovado, o projeto foi distorcido e politizado, especialmente por representantes do Partido dos Trabalhadores, com destaque para o então deputado paraibano Padre Luiz Couto, influenciado pelos representantes das outras profissões, com destaque para os psicólogos e fisioterapeutas.

Por causa disso, o projeto sofreu cortes substanciais nas prerrogativas da profissão médica. Teria sido pior, não fosse o denodo com que o seu relator, o senador paraibano Cássio Cunha Lima, defendeu a conservação do texto original, que continha definição justa das atividades exclusivas da formação do médico, que de modo algum cerceava atividades das outras profissões.

Aprovada com ressalvas na Câmara Federal, retornou ao Senado, onde foi aprovada por unanimidade. Finalmente, em 10 de julho de 2013, a então presidente Dilma Rousseff sancionou a lei, mas, mal assessorada por seu ministro, o “médico” Alexandre Padilha, vetou dispositivos essenciais do texto aprovado pelo Senado, amputando assim a Lei do Ato Médico.

Pois bem: a luta heroica e desigual das nossas entidades representativas, com destaque para o Conselho Federal de Medicina (CFM) e Associação Médica Brasileira (AMB), foi renhida e mobilizou todos os médicos do Brasil.

Os cortes que a presidente Dilma, do Partido dos Trabalhadores, realizou na nossa Lei, e a concomitante luta da classe médica brasileira contra a aprovação da regulamentação do Projeto Mais Médicos, que escancarou as nossas fronteiras à invasão de profissionais que se diziam médicos, sem que pudesse ser realizada uma comprovação, visto que foi proibida a revalidação do diploma para esses “médicos”, fizeram com que os nossos colegas aprofundassem o seu repúdio ao PT e seus representantes.

Na eleição para presidente acontecida em 2018, sem ter bom-senso nem autocrítica, o PT lançou um candidato próprio. Isso provocou uma reação dentro da categoria médica, que compreensivelmente não havia esquecido as feridas abertas pelo Mais Médico e a Lei do Ato Médico. A eleição tornou-se, então, plebiscitária para a maioria em peso da nossa categoria. Cresceu a ojeriza ao candidato do PT, tendo os nossos médicos por maioria esmagadora abraçado qualquer um que fosse adversário do candidato do PT.

Quis o destino que um doido esfaqueasse o candidato da extrema-direita, um apagado político sem nenhum projeto expressivo na sua vida. A comoção nacional provocada pelo gesto do tresloucado, muito bem explorada pelas redes sociais que disseminam intrigas e ódio, teve o efeito de uma catapulta em sua candidatura.

Dentro da classe médica essas redes exploraram muito bem a aversão da categoria ao PT e tudo aquilo que o representasse. Essas redes souberam manipular muito bem o sentimento dos médicos brasileiros, fazendo com que contribuíssem fortemente para eleger Jair Bolsonaro presidente da República, numa eleição democrática. Até aí, tudo bem.

Em primeiro de janeiro de 2019, o cidadão tomou posse do cargo de presidente do Brasil. Foi o último ato importante por ele realizado. Pois, desde então, ele deixou de trabalhar e passou a ser um fazedor de piadas, comportando-se como um moleque adolescente no Palácio do Planalto, levando a vida sem seriedade, delegando o trabalho verdadeiro a seus ministros e ao seu vice-presidente, Hamilton Mourão.

A vida era uma festa até que o mundo mudou. E o Brasil foi assolado pela pandemia, que já ceifou a vida de mais de 200 mil brasileiros.

Em nenhum momento o presidente assumiu a liderança de ações que pudessem reduzir o impacto inevitável causado pela doença, na população e nas consequências econômicas.

Antes pelo contrário, ele sempre que pôde estimulou a desobediência às determinações das autoridades de saúde; por puro e ridículo ciúme demitiu o ministro da Saúde, que estava fazendo a coisa certa, terminando por nomear um incompetente em políticas de saúde, tão somente porque ele não lhe faz concorrência; ajudou a disseminar falsos e inócuos tratamentos, sem nenhuma comprovação científica, mobilizando recursos importantes desperdiçados na fabricação de remédios por ele eleitos como tratamento eficaz para a covid 19, e que nenhum estudo sério comprovou a sua eficácia; demorou a tomar (ou não tomou) atitudes que pudessem ajudar a reduzir o número de mortes causadas pela doença. Em resumo: negou a ciência, a lógica e estimulou o caos da ignorância, colaborando para a perda de mais de 200 mil vidas.

Ao longo dessa marcha para o desastre o que fizeram as nossas entidades de saúde? Partiram em defesa da medicina? Tomaram o partido da ciência? Nada disso. Colaboraram com a pregação da ignorância, da politização da ciência. Aplaudiram a alquimia.

Agora que o caos está instalado, cala-se num mutismo gritante, abandonando aqueles pelos quais fez o seu juramento de defesa. Deixou a classe médica e a ciência órfãs de representatividade.

Nem todos engoliram o canto de sereia do negacionismo oficial. Eis que médicos notáveis, cada um em sua respectiva época, com relevantes serviços prestados à nação e aos brasileiros que padecem, lançaram um manifesto lúcido, onde perguntaram às entidades médicas, representadas pelo Conselho Federal de Medicina:

– Onde estão vocês, que apoiaram a anticiência e a oficialização do atraso, dando as costas para a sociedade que deveriam defender? O que defendem agora?

Medicina é pura ciência. Medicina não é partido nem religião. Ao politizarem a medicina e a ciência, as entidades nacionais não representaram a totalidade da classe médica.

Eu nunca mais havia sentido que as minhas instituições de classe me representavam. Agora, sim, após tantos anos, voltei a me sentir novamente representado.

José Mário Espínola
Ex-Presidente e ex-Corregedor do Conselho Regional de Medicina da Paraíba (CRM-PB)

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  • A fotografia que ilustra o artigo, copiada do site Metrópoles, mostra imagens de médicos mortos pela Covid projetadas em edifícios paulistanos