A GUERRA DO SENTA A PUA, por Frutuoso Chaves

Uma assinatura de Getúlio Vargas chega perto dos 80 anos. É a da Portaria 4.744 que em 9 de agosto de 1943 criou a Força Expedicionária Brasileira, a FEB d’A cobra vai fumar. A providência permitiu o desembarque de mais de 25 mil brasileiros na Segunda Guerra Mundial.

Todas as unidades da Federação, Paraíba no meio, estavam representadas nos oito sucessivos escalões de oficiais e soldados despachados para a Itália. E foi de uma garganta paraibana que surgiu o “Senta a Pua”, brado de guerra de 400 integrantes da nossa Força Aérea, a FAB tantas vezes reverenciada.

O envolvimento direto do Brasil nos atos de guerra decorreu de acertos entre Getúlio e Franklin Roosevelt, o presidente dos Estados Unidos desembarcado em Natal, naquele janeiro de 1943. As tropas nacionais, depois disso, ganhavam treinamento, armas e munição, enquanto o País recebia grana alta e assistência técnica para a criação da Usina Siderúrgica Nacional.

Natal foi um Paraíso na Terra para os contingentes da Base que Tio Sam montou em Parnamirim. Local estratégico em virtude da aproximação com a África e com importantes frentes de batalha na Europa, esse recanto do Nordeste via o pouso e decolagem de uns 300 aviões por dia, ao que li.

E, tanto quanto isso, via os primeiros biquinis (oficiais americanos aqui chegavam com suas famílias) e as primeiras coca-colas, antes que o restante do Brasil disso tomasse conhecimento. E advinhem quem, em território nacional, mascou os primeiros chicletes?

A grande retribuição – pelo menos, aos solteiros – ficava por conta da campinense Maria Boa, a dama da noite natalense, para desespero dos boêmios locais que não ganhavam nem gastavam em dólar. Em razão dos relevantes serviços que suas meninas prestavam aos visitantes, ela chegou a ter o nome estampado num B-25, o avião poderoso que fazia estragos nas tropas de Hitler, Hiroito e Mussolini.

Mas vamos ao “Senta a Pua”, expressão de uso ocasional, ainda hoje, entre os mais velhos. Significa “mete o pé” ou “baixa o cacete”. E assim já era nos anos de 1940, de turbulência universal, quando foi tomada do paraibano Firmino Ayres, então um tenente-aviador em serviço na Bahia.

Firmino não chegou a embarcar para o teatro da guerra. Tampouco eu, que nem era nascido. Teve ele, porém, a expressão – usada para apressar o motorista – inscrita na fuselagem de um P-47 Thunderbolt, uma das importantes armas contra o nazifacismo. A irreverência, o jeito desengonçado, a aversão à polidez e o costume de tratar todo mundo por “Zé” fizeram de Firmino Ayres uma figura notável. Isso, certamente, ajudou na adoção, pelos companheiros de farda, daquilo que mais traduzia seus modos.

Autor de antiga homenagem ao 22 de Abril, Dia da Aviação de Caça, o então senador Romeu Tuma (PTB-SP) transcreveu, no Senado Federal, o artigo “O mais longo dos dias”, do tenente Alessandro Silva. Ao que foi dito, o “Senta a Pua” aportou no Panamá com três voluntários baianos ao 1º Grupo de Aviação de Caça, que ali fazia treinamento antes do embarque definitivo. Dali, seguiu para os Estados Unidos, onde os voluntários teriam o primeiro contato com os P-47. Já na Itália, a expressão ganhava força e se transformava no brado de guerra dos brasileiros.

Segundo o relato, o capitão Fortunato Câmara de Oliveira foi quem imaginou o símbolo composto pelo avestruz de boné, a pistola e o Cruzeiro do Sul. A ave, tanto por sua velocidade quanto pelo estômago de ferro, justamente aquilo de que a moçada precisava para digerir a comida servida a bordo do UST Colombie, o navio de transporte até a Europa.

Boa parte dos paraibanos lembra-se de Firmino Ayres, já brigadeiro, como chefe de Polícia do governador João Agripino. Era a época das greves estudantis e do Ato Institucional nº 5, o mais draconiano dos instrumentos da ditadura militar.

Dom José Maria Pires havia obtido do governador o compromisso de que a Polícia não reprimiria uma passeata da meninada em protesto contra a prisão de estudantes. Mas não foi o que aconteceu. O grupo terminou disperso a golpes de cassetete quando se aproximava do Ponto de Cem Reis, no Centro de João Pessoa, relembrou-me, tempo atrás, o amigo Gonzaga Rodrigues.

Ao ver que uma baioneta cortara a blusa de uma colegial a ponto de arranhar-lhe o peito, Gonzaga foi ao gabinete do governador, alarmado: “Sua Polícia está espancando estudante”. E saiu dali convicto de que Polícia nenhuma, naquela ocasião, obedecia a qualquer comando que não fosse o do Exército. A guerra era outra, mas a essa última eu fui com a farda do Liceu Paraibano.

A TOQUE DE VARA, por José Mário Espínola

Imagem copiada de oxerecife.com.br

Ronaldo sempre foi um cara manso, tratável. Solteiro, não existia amigo melhor, mais compreensivo, mais solidário. Casado, revelou-se excelente pai, amigo dos filhos, mesmo quando atingiram a idade cretina, chegando à adolescência.

Nunca perdeu, porém, o amor por um esporte: o bom papo em torno de uma boa dose de cuba libre. Especialmente se fosse uma garrafa de rum Montilla, com direito a pirata, coca-cola, gelo e limão.

Casou-se com Isaura, pessoa maravilhosa, personalidade marcante, excelente esposa, mãe e avó. Esteio da vida de Ronaldo, base do seu sucesso profissional. E gênio de Susassuna!

Dono de uma imensa “carteira” de amigos, principalmente entre seus inúmeros primos, Ronaldo não perdia a oportunidade de botar o papo em dia. E às vezes se metia em enrascadas por causa deles. Como naquele sábado, anos ’60, quando tarde da noite roubaram o piano da casa da tia para fazer serenatas.

Foi um sucesso! As notas do piano preencheram a noite de João Pessoa, em cima de uma caminhonete, de casa em casa das meninas escolhidas. Que ficaram deslumbradas com tanta sofisticação romântica… Foi a primeira e única vez que piano foi instrumento de serenata em nossa cidade.

Mas, ao final da madrugada, veio um momento que tirou qualquer vestígio de fogo do rum que haviam tomado: chegou a hora de devolver o piano à sala da tia! Agindo num silêncio de suspense hitchcockiano, quase conseguiram o feito sem o conhecimento da tia. Pois, quando estavam entrando com o piano pela porta da sala, eis que ela acende a luz: “Para onde vocês pensam que vão LEVAR esse piano, seus cabritos!”

Foram salvos pela semântica errada da tia. Ela falou “…para onde vão LEVAR…” e não “de onde vêm TRAZENDO…” O primo respondeu: “Ah, mãe! A gente ia só dar uma voltinha com ele. Já não vamos mais, a senhora num deixa, né?!” E assim dessa escaparam!”

Pois bem, essa foi só uma das milhares de façanhas inacreditáveis de Ronaldo e seus primos. Voltemos à sua vida de casado.

***

Isaura até que não se importava muito com as bebidas de Ronaldo. Cansou de reclamar. Só não gostava do olho malandro dele. Pois era mestre na arte de flertar. Mas nunca passava disso, um flerte.  Certa manhã de sábado, Ronaldo acordou com vontade de comer caranguejo. Quando ia saindo apareceu Isaura:

– Pra onde você pensa que vai?!

– Ah, Isaura! Eu só vou até o Mercado Central comprar uma corda de caranguejos…

– Se lembra que me prometeu passar o fim de semana sem tocar em álcool? Homem, já esqueceu o que o Dr. Ricardo falou dos seus exames? Colesterol maior que 300, triglicerídeo de 1.200? Homem, você quer ter uma trombose? Ficar troncho em cima de uma cama, se obrando e se urinando? Quem você pensa que vai te limpar? Essas vagabundinhas que tu vive olhando?

– Ora, Isaura, eu só vou comprar uma corda de caranguejos pro almoço! Mais nada!

– Vê lá com quem vai se encontrar. Já me disseram que Tonhinho está de volta.

E lá se foi Ronaldo para o mercado. No caminho, recebe uma ligação. “Vixe Maria! É Tonhinho. Logo ele?” E foi só dar um abraço no primo querido. Que azar: lá no terraço de Tonhinho encontrou Otávio, Cesário, Tarcísio… Não deu outra: logo alguém abriu uma garrafa de Rum Montilla. Carta Ouro, ainda mais!

De lá saíram pra casa de outro primo, e mais outro, e até para outros lugares menos publicáveis. O dia inteiro foi assim, avançou durante a noite. De repente Ronaldo se tocou: o dia seguinte já estava amanhecendo. Pensou, aflito: “Tô lascado! Desta vez Isaura vai me matar, tirar meu couro e fazer um tamborim!”

Pensou, pensou… E teve uma ideia! Aí uma luz surgiu na sua mente. “Isaura gosta muito de caranguejos”. Lembrou-se que nos domingos tem a feira da Torre, onde também é possível achar caranguejos. Foi até a feira, comprou o que queria, tomou um táxi e foi pra casa carregando uma corda de caranguejos presos pelas patas.

Abriu e fechou o portão com cuidado para não fazer barulho. Soltou todos os caranguejos no terraço. Pegou uma vara e só então tocou a campainha. Isaura abriu a porta com sangue nos olhos: “Bicho safado! Cachorro da moléstia! Cabra severgonhe! Saiu ontem pra comprar caranguejos e só chega agora, seu cabra-de-peia!”.

“E fui, mulher! Isaura, minha filha, olha só quantos caranguejos! Você não tem ideia do trabalho que deu tangê-los com uma vara até chegar aqui em casa!”.

***

Cortinas, rápido!

NUNCA MAIS SEREMOS OS MESMOS, por Francisco Barreto

Astor Piazzola e orquestra executando ‘Adiós, Nonino’. Veja vídeo ao final da crônica. Imagem: YouTube

A nefasta e mortal escuridão pandêmica nos atingiu profundamente. Dilacerou a nossa alegria de viver de modo plural. A peste nos atingiu brutalmente como fortes ventos a estibordo e a boreste. Este se alternou ruidosamente, balançando o minguado convés, e nos obrigou a nos escudar na escuridão dos porões de uma nau sem rumo e sem prumo. Nos refugiamos nos sentimentos mais primitivos dos humanos: o pavor. Condutas reprimiram o nosso caminhar. Os gestos afetuosos dos olhares das proximidades físicas para com os outros foram severamente banidos. Nos tornamos meros objetos, tais como fotos esmaecidas dependuradas nas paredes. Dias, meses e anos passamos a sermos enclaves afetivos.

Tivemos sentimentos de dor, de misericórdia, a saudade dos amigos e das pessoas que foram despejadas nas UTIS. Enfrentaram a morte tais como destroços afundados por tempestades, sem direito a tábuas de salvação ou uma mão amiga. Estas tábuas inexistentes foram apelidadas de vacinas. Muitos amigos se foram. Sucumbiram nas turbulências do oceano da tristeza. Os que sobreviveram foram indulgenciados pela solidão e pela benéfica proteção do duro isolamento. Mergulharam em si mesmos e trilharam sem rumos veredas de traumas emocionais. Passaram a viver longe, muito longe de suas referências afetivas.

Sombrias e distantes lembranças dos doces olhares, dos abraços, esmagados por uma impiedosa não convivência. Muitos aderiram aos álibis pandêmicos e assim se tornaram náufragos e não mais emergiram para o afeto. Avós, pais e filhos, amigos fraternos, vivos e distantes, foram quase sepultados e ressurgiam de modo fragmentar graças às novas e gélidas tecnologias. Não são raros aqueles que por consciente adesão ao silêncio não acenaram impetuosamente aos seus. Muitos são os que não sentiram que duas das mais graves sequelas que são a tristeza e o abandono. Esses poderão ter sido vitimados pelo vírus do desafeto.

Não somos mais os mesmos. Encolhemos nos nossos rudes individualismos. Muitos dos nossos, mutuamente, nos esquecemos deles. Nos apequenamos na dimensão humana que o afeto e o amor nos inspirava. A solidão há que ser admitida como nos disse um dia Georges Moustaki, o genial poeta e musicista egípcio-francês:

Pour avoir si souvent dormi

Avec ma solitude

Je m’en suis fait presqu’une amie

Une douce habitude

Ell’ ne me quitte pas d’un pas

Fidèle comme une ombre

Non, je ne suis jamais seul

Avec ma solitude

Moustaki nos ensinou que “a solidão passa a ser quase uma amiga, um doce hábito, fiel como uma sombra, não estou nunca só, tenho a minha solidão”. Hoje, como ontem no exílio, inspira-me novamente a recorrer a Moustaki. Quantos de nós passamos longas noites face a face com a solidão, apenas nós dois. E, nas minhas noites invadidas por lembranças dos filhos, dos amigos, dos netos, escuto-os solfejarem aos meus ouvidos, baixinho e distante, a eterna melodia de Piazzolla – Adiós Nonino.

Não sou mais, nunca mais seremos os mesmos.

VÃO DESCULPANDO AÍ… por Frutuoso Chaves

Capa do LP – Disco de Ouro – da banda Pholhas lançado em 1977 pela RCA Victor

Roupas coloridas, semblantes risonhos, fragrâncias no ar. O conjunto de duas guitarras, um órgão, um contrabaixo, uma bateria e um cantor iniciava o longo repertório com músicas alegres, os sucessos da época apropriados à dança solta e livre.

Qualquer par, então, servia aos requebros e trejeitos. Afinal, ninguém se enroscava naqueles começos de baile quando, não raramente, o salão acomodava grupos de quatro ou cinco na comunhão da mesma música e mesmo ritmo. E não se corria o risco de abrir a festa sozinho. “Vamos lá?”… Assim combinado, uma turminha inteira ia, ao mesmo tempo, à pista de dança com suas calças boca de sino, camisas apertadas e semiabertas, minissaias e sapatos à Luís XV. Sim, plataformas para machos.

Lá para as tantas, com o acúmulo das garrafas já vazias de cerveja, uísque ou guaraná em cada mesa, na conformidade das proibições, ou dos gostos e bolsos, a banda reduzia o volume da bateria e o das guitarras. O cantor, por sua vez, respirava fundo, ordenava a mudança de compasso e punha tons de veludo na voz para a interpretação das músicas lentas, sentidas.

A partir de então, um par qualquer já não mais servia. Era chegado o momento de tomar coragem e convidar para a dança aquela menina antevista desde o ingresso no clube ao lado dos pais.

Pouquíssimos decifravam aquelas letras de canções americanas, em sua maioria. Ou porque o salão quase inteiro não falasse inglês, ou porque, em sua totalidade, não entendesse o que saía da boca do cantor, um intérprete de idioma próprio, exclusivo: o embromês.

Mas não importava, pois o que se queria mesmo era aquela garota nos braços, era aquele perfume, era o roçar de bochechas e corpos. O que se pretendia, enfim, era a eternização daqueles momentos. E, sem mais pensar, dançavam-se dores e tragédias com a alma nas nuvens.

Poemas deprimentes assim não percebidos, cantos de dor e agonia, reclamos ao céu e ao inferno embalavam, desse modo, aqueles jovens corações no tempo da incultura, da inconsequência e do alheamento agravados pela ebulição dos hormônios.

É disso que lembro sempre que sou informado da morte de qualquer intérprete de antigos sucessos ainda repetidos nas trilhas de programas no rádio, os do tipo “painel de recordações”. Estes costumam passar nas altas horas em benefício, por assim dizer, de uma espécie de gente para quem o avanço da idade agudiza a impressão das grandes perdas. É para os idosos com suas insônias, ausências e saudades que tais canções ainda ecoam nas madrugadas.

Basta morrer alguém cujo canto embalou minha juventude e tudo isso me vem à mente. Assim me ocorreu, por exemplo, quando o premiadíssimo B.J. Thomas deixava o palco e a vida. Tão logo obtive a triste notícia, surgiram-me os acordes do seu inesquecível “Rock Lullaby”, a história de uma menina de 16 anos e de seu filho, ambos postos a enfrentar um mundo indiferente e cruel. Ela assustada, mas com uma modinha, um acalanto, para o filho em prantos: “Vai ficar tudo bem”. Uma criança a embalar a outra, no dizer do autor. Dele mesmo que, na fase adulta, diante das agruras da vida, pedia: “Mãe, deixe-me ouvir aquela velha canção”.

Perdão, meu camarada, aquele perfume e aquele vestido fininho embotavam-me a percepção dos teus versos e da tua dor. E perdoa, pelos mesmos e compreensíveis motivos, os da minha geração. Até porque dançávamos com igual insânia “Bridge over troubled water”, um louvor à dedicação, ao companheirismo e ao amparo sem limites.

Ah, sim. Aproveito a oportunidade para também pedir desculpas, em nome de todos nós, a Bitão, a Hélio Santistebam, a Osvaldo Malagutti e a Paulo Roberto Fernandes, os Pholhas de tantos e tantos bailes, pelo absurdo da excitação em “My mistake”, o drama de um sujeito que, traído, matou a mulher e foi em cana. Vão desculpando aí.

• Frutuoso Chaves é jornalista e escritor 

CRASE EM CRISE, por Babyne Gouvêa

Tirinha com dica de crase

Basta! Não sei por que nem sempre sou bem utilizado no nosso idioma. Praticamente, todos os dias me vejo omitido ou substituído por um colega de acentuação.

Saio por aí me procurando em placas de anúncio. Fico feliz quando me encontro no lugar certo: casa à venda. Logo em seguida bate a tristeza visualizando um ‘vendo à prazo’. Só pode ser chacota comigo. Deduzo.

Olhem bem o que me fazem. Como se não fosse suficiente ser usado erroneamente antes de palavra masculina, vejo-me escrito à direita: ás vezes. Confesso que dói. Pergunto por que o acento agudo é protagonizado no meu lugar.

Não quero rivalizar com o acento agudo, embora não negue o antagonismo existente entre nós dois. Quero colocar os pontos nos is.

No caso supracitado, bastava fazer a contração da preposição a com o artigo definido feminino plural as (a + as = às). Desta forma, o ás substantivo nomeando uma das cartas do baralho não teria sido usado no meu lugar.

Ah, é oportuno colocar que, embora eu me posicione à esquerda, não há cunho ideológico nesta direção. Mais um motivo para não me ignorar.

Sugiro não acentuar no caso de dúvida. Fico enciumado quando me vejo sendo trocado, de forma equivocada, por meu colega agudo , dono de uma posição à direita. Nessa altura, admito o double sense ideológico.

Esclareço que o sinal gráfico que marca a crase (`) é chamado de acento grave, ou seja, o canhoto diagonal que vos fala.

Serei bem claro para evitar dúvida. Crase não é acento. Com muito prazer explico que crase é a junção de duas vogais iguais (a + a), tanto na escrita quanto na fonética.

Aproveito o ensejo para agradecer, em nome da Língua Portuguesa, àqueles que me usarem corretamente. Farão jus à graça sedutora do nosso vernáculo.

  • Homenagem ao Dia Internacional da Língua Portuguesa, a transcorrer em 5 de maio próximo

Ex-prefeita recupera direito de ir e vir sem restrições

Márcia: livre para ir, vir e fazer campanha com a mesma liberdade dos demais candidatos (foto copiada de blogdobgpb.com.br)

Divulgada ontem (19), decisão proferida no último dia 12 pelo ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), restabeleceu plenamente o direito de ir e vir da professora Márcia Lucena sem as restrições que lhe foram impostas há mais de dois anos pela Justiça da Paraíba.

Ao deferir pedido da defesa da ex-prefeita do Conde no processo da Operação Calvário, Gilmar Mendes também livrou Márcia de ter que pedir formalmente a juiz ou desembargador do Estado autorização até para ir ao médico fora do município que dirigiu do início de 2017 ao final de 2020.

Márcia Lucena também poderá, doravante, viajar livremente para qualquer canto da Paraíba onde possa e queira – em pé de igualdade com os demais candidatos – fazer campanha por um mandato de deputada estadual sob a legenda do PT, partido ao qual se filiou em setembro do ano passado.

A ex-prefeita foi beneficiada por extensão de habeas corpus concedido em 8 de março deste ano ao advogado Francisco das Chagas Ferreira. Segundo entendeu o ministro, ele e Márcia sofriam constrangimento ilegal de medidas cautelares que perderam o sentido após dois anos de paralisia do processo da Calvário.

Tais medidas consistiam, entre outras, no uso de tornozeleira eletrônica e recolhimento noturno. Foram requeridas ao desembargador Ricardo Vital de Almeida, do Tribunal de Justiça da Paraíba, pelo Grupo de Atuação Especial Contra o Crime Organizado do Ministério Público da Paraíba (Gaeco/MPPB).

Promotor e protagonista da Operação Calvário, o Gaeco acusou Márcia de, enquanto secretária de Educação do Estado no governo Ricardo Coutinho, ter contratado irregularmente organizações sociais para gerir o sistema estadual de ensino. Mas tal contratação, sustenta a professora, ocorreu bem depois de ela ter deixado o cargo, em 2014.

Outra acusação do Gaeco contra Márcia, a de que ela teria articulado a contratação de OS para a saúde do Conde, bate de frente com o argumento da defesa segundo o qual jamais foi firmado qualquer contrato com qualquer organização, ainda que a então prefeita estivesse autorizada pela Câmara Municipal a fazer a terceirização que não houve.

LIÇÃO DO BEM-TE-VI, por Babyne Gouvêa

Bem-te-vi (imagem copiada de vídeo do YouTube, reproduzido abaixo)

“Com estas florestas de arranha-céus que vão crescendo, muita gente pensa que passarinho é coisa só de jardim zoológico….”

… e assim o belo texto ‘História de Bem-te-vi’, da grande escritora brasileira Cecília Meireles, sugere que os edifícios se erguem nas cidades e provocam o distanciamento entre as pessoas e os pássaros. Na narração, há sessenta anos, a ilustre das letras manifesta preocupação com a preservação dos pássaros, especificamente a do bem-te-vi.

Acrescentou ao texto o canto entrecortado da ave, como outro motivo de receio de extinção. Hoje, o Bem-te-vi continua cantando a sua melodia completa ou intervalada, são e salvo. Não entendo de ornitologia, mas a convivência com esta espécie me permite fazer tal afirmação.

O Bem-te-vi tem as penas das costas em tons de marrom, o peito bem amarelo e a cabeça exibe uma linda faixa branca. Possui um bico preto, longo e resistente, perfeito para a sua alimentação.

Fiel vizinho, um Bem-te-vi resolveu fazer um ninho em local de difícil acesso da minha morada. Curiosa, resolvi acompanhar a construção do berço dos seus filhotes. Ao longe.

Diariamente, ele anunciava aproximação com o seu canto característico – o som do seu nome. Silenciava quando transportava pedacinhos de galhos secos das casuarinas da casa vizinha para a sua obra. Numa precisão digna de projeto arquitetônico preenchia o círculo.

Bastava alguém se aproximar, mesmo sem intenção de observar o labor, ele voava e ficava espreitando a distância aguardando a área ficar livre. A trajetória do seu trabalho árduo conquistou a minha atenção.

Passaram-se dias, a cama foi erguida e as visitas ao ninho mais frequentes. Após certo tempo comecei a ouvir o som bem típico de aves recém-nascidas. Queria me confraternizar com a mãe, embora fosse presunção da minha parte.

Coloquei alimentos em alguns pontos estratégicos para a mãe conduzir às suas crias. Simplesmente ignorou. Fiquei desolada com a esnobação à minha oferta.

Ficava espiando os movimentos de ida e saída do ninho, atentamente. Até que um dia, logo cedo da manhã, percebi um dos bebês da ave em estado de vulnerabilidade. Impossível o alcance para socorrê-lo.

Para a minha tristeza e da mãe veio a óbito. A genitora abandonou o local, radicalmente. E passou a frequentar o lado oposto da casa, cantarolando. Um canto inconfundível: parece que ele está falando seu próprio nome. Presume-se que a origem do nome popular do pássaro é onomatopaica, com base no som que o pássaro faz quando está cantando.

Impressionante a capacidade de superação do Bem-te-vi. Não se deixou abater. Continuou no espaço lateral da casa voando livremente e, para a minha satisfação, tomou a iniciativa de produzir outro ninho. Agora, em lugar seguro.

Empolgada com a capacidade de subsistência do Bem-te-vi tranquilizo a estrela Cecília: ele gagueja ao cantar – Bem-Bem te-te, Bem-Te-vi-vi -, por estar sempre de bem com a vida. Uma das provas é o anúncio do nascer do sol com alegria.

Otimista, sigo a lição ornitóloga de manter o entusiasmo acima das adversidades. O ideal seria ter o Bem-te-vi largamente distribuído no país. Quem sabe, se cumprido à risca o conselho do pássaro, teríamos empatia entre os homens, nos dias atuais?

O MONÓLITO DO MAL, por José Mário Espínola

A aurora do Homem (2001, uma odisséia no espaço) - YouTube

Cena de ‘2001: uma odisseia no espaço’ (imagem copiada do YouTube)

Em seu mais célebre filme, ‘2001: Uma Odisseia no Espaço’ (2001: A Space Odissey – 1968), o diretor de cinema Stanley Kubrik lança mão de uma figura misteriosa: um imenso monólito negro luzidio, que surge em momentos decisivos na evolução da humanidade.

São muitas as explicações para a presença desse misterioso objeto, os críticos de cinema chegam a divergir quanto ao seu significado. A opinião mais coincidente é que, na história do filme, o monólito representa momentos da evolução da humanidade, atuando como uma influencia benéfica para saltos de progresso, sendo estímulos à evolução. Assim, seriam marcos evolutivos do homem, que coincidem as suas presenças quando o homem salta de um estágio atrasado para outro mais evoluído.

Na película, a primeira vez que o monólito aparece é no momento de uma guerra por água entre duas tribos de hominídeos. É quando um deles pega um osso, o fêmur de uma caça que está ao seu alcance. Inicialmente ele o utiliza para se defender, e logo depois para atacar. O hominídeo teria descoberto, assim, a primeira ferramenta: uma arma. Ao longo da sua evolução, ele se desenvolve a partir do domínio de instrumentos, ferramentas, até chegar ao estágio atual da humanidade: a roda, a escrita, a válvula, o transistor, o computador…

Depois o monólito reaparece numa escavação na Lua. Os cientistas descobrem que ele envia sinais direcionados para algum ponto na órbita de Júpiter. E constroem uma espaçonave moderníssima, dominada por um computador muito evoluído. Ao chegar à órbita de Júpiter encontram outro monólito.

A partir daí o herói-astronauta evolui para os mundos microscópico e macroscópico, ao mesmo tempo dominando o espaço, a velocidade da luz e o próprio interior.

***

Existem monólitos e falsos monólitos, que estimulam o que há de pior no homem. O de Kubrik estimula a evolução humana. Mas, para a infelicidade do homem, existem figuras monolíticas que são estímulos para a INVOLUÇÃO, verdadeiros atrasos para o estágio evolutivo alcançado a duras penas pelo homem.

Três anos atrás um bloco desses caiu no Brasil, e o seu estímulo vem fazendo o maior estrago em nossa civilização, despertando em alguns brasileiros o que têm de pior em sua alma. Desde então, por exemplo, médicos passaram a desconhecer a ciência, especialmente a ars curandi, a farmacologia e a clínica médica.

A partir da influência desse monólito a nossa ciência vem sofrendo um processo de involução: abandonados, sem verbas públicas, institutos deixaram de pesquisar e estão paralisando as suas atividades. As universidades, tratadas com recurso minguado, também estão abandonando as pesquisas.

Institucionalmente abandonadas, a educação e a cultura, tratadas à míngua, foram “estimuladas” a deteriorar-se, e ações foram tomadas para que as grades curriculares fossem modificadas obedecendo um programa de retrocesso nacional. A cultura tem sido perseguida, tratada a ferro e fogo.

O meio ambiente também está sofrendo um processo de degradação acelerada: sem a fiscalização dos institutos IBAMA e Chico Mendes, que tiveram reduzidos o números de fiscais, sendo drasticamente reduzida, vem acontecendo nítido avanço de ações agressoras, públicas e privadas, contra a natureza do Brasil. Matas estão sendo devastadas, rios poluídos por mercúrio. Peixes e animais morrendo, fortalecendo o processo de extinção. Ninhos são destruídos.

A sociedade brasileira vem correndo sérios riscos, especialmente comunidades indígenas, privadas de assistência e sofrendo ameaças físicas, com a morte de muitos índios.

O monólito também está estimulando a cultura da morte pelo governo federal e agindo como retrocesso para conquistas sociais e administrativas. Como fez com a ampliação dos pontos para infratores do trânsito, o que é um estímulo para o mau motorista. O mesmo acontece com o pretendido fim dos radares nas estradas, do cinto de segurança e, brevemente, quem sabe, das faixas para pedestres. Assim como a liberação de armas tem provocado mortes no trânsito.

Essa mesma cultura da bala estimula o culto à violência, policial e civil, ceifando muitas vidas, principalmente de jovens, pobres, negros e pardos. O preconceito também tem tido um incremento inédito, vitimizando principalmente crianças pobres e pardas. O mesmo está acontecendo com as comunidades negras de todo o país.

O Brasil era um exemplo de relações internacionais. Há três anos que as relações internacionais equivocadas e preconceituosas foram estimuladas para sofrer retrocesso, destinando o nosso país aos piores lugares do mundo. Tornando possível o desejo do atual monólito do mal: o Brasil tornar-se o pária das nações, desejo institucional revelado pelo ex-chanceler Ernesto Araújo.

Esse monólito do mal influenciou até os poderes paralelos. Os maus políticos, em sua imensa maioria identificada com o bloco Centrão, aproveitaram para locupletar-se ainda mais do que já o faziam. Um exemplo: criaram fundos financeiros não-fiscalizáveis e espalharam-se pelo serviço público em verdadeiros feudos, para lucrar e dificultar ainda mais os órgãos de fiscalização.

Outras instituições têm dado sinais de que também sofreram influência nefasta, retrógrada, desse monólito, como mostra o comportamento omissivo da Procuradoria-Geral da República. E como revelam os gastos das Forças Armadas e o aparelhamento político das polícias federais.

***

Assistindo às notícias da Guerra na Ucrânia, é possível fazer duas previsões. Uma é óbvia: que a guerra vai terminar, cedo ou tarde. E a Rússia parece que não vai levar. A outra é que a Ucrânia, que vem sendo destruída pela política de terra arrasada praticada pela Rússia, terá imensas dificuldades para reconstruir o país.

Traçando um paralelo com o momento político do Brasil, onde está acontecendo guerra do progresso contra o atraso recém-instalado, também é possível fazer duas previsões. A primeira é que esse grupo maléfico que ora está no poder terá um fim próximo. A outra é que a nossa nação e a nossa sociedade serão destruídas pela política de terra arrasada atualmente praticada e teremos muitas dificuldades para nos reerguermos.

Teremos que reconstruir o país, que sofreu um retrocesso de duas décadas em três anos, em todas as conquistas, sociais e econômicas. Mas a ciência e o progresso sairão vitoriosos!