Dias atrás li um texto do escritor Francisco Barreto que versava sobre uma das consequências da pandemia: “Já não somos os mesmos”. Concordo plenamente.
Abalou consideravelmente a vida nossa de cada dia – costumo parafrasear o escritor. O medo paira entre os sensíveis à praga. Praga perversa, transita insistentemente aguardando a hora do bote e fazer nova vítima. Finge desaparecer e ressurge sem pedir licença.
Chega travestida de variante X e gosta de esnobar os inferiores a ela. O seu poder brinca com os humanos. Os preocupados consigo e com os seus pares usam máscara, como forma de proteção mútua. Mas há, também, os que querem competir com quem é superior. Os fracos negam a hegemonia do vírus amaldiçoado e colaboram com a propagação de uma nova onda do mal.
Vacinas estão à disposição da sociedade, mas existe quem se oponha ao extermínio ou abrandamento daquele que nos persegue. A verdade é que o cotidiano mudou. Encontros com abraços calorosos se restringiram a toques dos dorsos de mãos. As viagens antes prazerosas se tornaram tensas. As relações foram duramente atingidas.
Jovens participam de festas aglomeradas sem pensar no amanhã. E seja o que Deus quiser! O refrão “a vida segue” se tornou comum. Entendo. Mas um pouco de cautela e bom senso faria diferença.
E a economia? Há meios de dar continuidade à economia sem necessidade do contato com o vírus. Vacina, máscara, distanciamento, higienização das mãos não constituem sacrifício ou dificuldade. Basta querer eliminar o contágio. Medidas simples para encolher a supremacia da mazela Covid.
Lamentavelmente, estamos órfãos de uma voz protetora. O cenário seria outro, caso estivéssemos acolhidos. Mandante demonstrando zelo pelos seus mandados é como um respeitado professor e seus obedientes alunos. Discípulos seguem as regras do mestre, do guia.
Concluo com um forte cansaço dessa malfadada Covid. O que fazer? Sonhar com dias melhores, sem medo de ser feliz.
NUNCA MAIS SEREMOS OS MESMOS, por Francisco Barreto
A nefasta e mortal escuridão pandêmica nos atingiu profundamente. Dilacerou a nossa alegria de viver de modo plural. A peste nos atingiu brutalmente como fortes ventos a estibordo e a boreste. Este se alternou ruidosamente, balançando o minguado convés, e nos obrigou a nos escudar na escuridão dos porões de uma nau sem rumo e sem prumo. Nos refugiamos nos sentimentos mais primitivos dos humanos: o pavor. Condutas reprimiram o nosso caminhar. Os gestos afetuosos dos olhares das proximidades físicas para com os outros foram severamente banidos. Nos tornamos meros objetos, tais como fotos esmaecidas dependuradas nas paredes. Dias, meses e anos passamos a sermos enclaves afetivos.
Tivemos sentimentos de dor, de misericórdia, a saudade dos amigos e das pessoas que foram despejadas nas UTIS. Enfrentaram a morte tais como destroços afundados por tempestades, sem direito a tábuas de salvação ou uma mão amiga. Estas tábuas inexistentes foram apelidadas de vacinas. Muitos amigos se foram. Sucumbiram nas turbulências do oceano da tristeza. Os que sobreviveram foram indulgenciados pela solidão e pela benéfica proteção do duro isolamento. Mergulharam em si mesmos e trilharam sem rumos veredas de traumas emocionais. Passaram a viver longe, muito longe de suas referências afetivas.
Sombrias e distantes lembranças dos doces olhares, dos abraços, esmagados por uma impiedosa não convivência. Muitos aderiram aos álibis pandêmicos e assim se tornaram náufragos e não mais emergiram para o afeto. Avós, pais e filhos, amigos fraternos, vivos e distantes, foram quase sepultados e ressurgiam de modo fragmentar graças às novas e gélidas tecnologias. Não são raros aqueles que por consciente adesão ao silêncio não acenaram impetuosamente aos seus. Muitos são os que não sentiram que duas das mais graves sequelas que são a tristeza e o abandono. Esses poderão ter sido vitimados pelo vírus do desafeto.
Não somos mais os mesmos. Encolhemos nos nossos rudes individualismos. Muitos dos nossos, mutuamente, nos esquecemos deles. Nos apequenamos na dimensão humana que o afeto e o amor nos inspirava. A solidão há que ser admitida como nos disse um dia Georges Moustaki, o genial poeta e musicista egípcio-francês:
Pour avoir si souvent dormi
Avec ma solitude
Je m’en suis fait presqu’une amie
Une douce habitude
Ell’ ne me quitte pas d’un pas
Fidèle comme une ombre
Non, je ne suis jamais seul
Avec ma solitude
Moustaki nos ensinou que “a solidão passa a ser quase uma amiga, um doce hábito, fiel como uma sombra, não estou nunca só, tenho a minha solidão”. Hoje, como ontem no exílio, inspira-me novamente a recorrer a Moustaki. Quantos de nós passamos longas noites face a face com a solidão, apenas nós dois. E, nas minhas noites invadidas por lembranças dos filhos, dos amigos, dos netos, escuto-os solfejarem aos meus ouvidos, baixinho e distante, a eterna melodia de Piazzolla – Adiós Nonino.
Não sou mais, nunca mais seremos os mesmos.
CPI É POUCO! por José Mário Espínola
Instalado no dia 20 de novembro de 1945, apenas seis meses após a rendição incondicional da Alemanha e fim da Segunda Grande Guerra na Europa, o Julgamento de Nuremberg estendeu-se por um ano, encerrando no dia 1º de outubro de 1946.
Ao longo desse período, o regime nazifascista foi exposto em sua mais profunda intimidade. O mundo (alemães inclusive) pôde acompanhar horrorizado como foi possível um psicopata seduzir e perverter a mente de toda uma nação.
Foi exposto todo o processo de nascimento, desenvolvimento e perpetuação de um plano sinistro que envolveu aquele país e trouxe consequências funestas para todas as nações do planeta.
Naquela corte, um tribunal penal internacional instalado só para esse fim, foram julgados os principais personagens do nazismo alemão: líderes, ministros, generais, políticos, médicos, empresários, aristocratas, eles foram em sua quase totalidade condenados a penas que variaram da prisão até a forca.
A maioria alegou em sua defesa que cumpria ordens de Adolf Hitler, o facínora que implantou um dos maiores regimes de terror da história. Semelhante a Josef Stalin na União Soviética e Pol Pot no Camboja. Para escapar do julgamento do homem, covardemente ele havia se suicidado poucos dias antes do fim da guerra.
Seus generais tentaram fugir também covardemente, usando todo tipo de estratagema. Alguns conseguiram escapar, a maioria para a Argentina e o sul do Brasil, onde havia muitos seguidores do nazismo. Outros, os mais capazes, foram cooptados pelos Estados Unidos e pela União Soviética, onde puderam desfrutar de uma vida de impunidade.
Os maiores líderes, os maiores responsáveis por esse regime de terror, escaparam do cumprimento da pena capital, de ser pendurado numa corda, ingerindo cápsulas de cianureto.
***
Seis meses após ter sido instalada no Senado, chega ao fim a Comissão Parlamentar de Inquérito aberta para investigar a atuação de autoridades brasileiras no enfrentamento da pandemia que assola o mundo desde fevereiro de 2020, especialmente no Brasil.
Nesses quase dois anos, o país assistiu horrorizado às revelações sobre o comportamento de líderes, ministros, militares, políticos, médicos, empresários, aristocratas, governadores, secretários, subalternos do terceiro escalão, durante a pandemia, muitos dos quais contribuíram para o agravamento da crise sanitária que estamos vivendo, com prejuízo de centenas de milhares de vidas e da economia.
Muitos desses implicados tentam fugir covardemente, alegando que cumpriam ordens. Ao final, ficou bem clara a responsabilidade do principal elemento, o líder maior, a quem pode ser atribuída a principal responsabilidade pelo agravamento da pandemia, com as consequentes mortes resultantes dela.
Ele pecou por ação e omissão, por imperícia, por imprudência e por negligência. Se médico fosse (e por felicidade nossa não o é), seria condenado tendo como base o artigo 1º do Código de Ética Médica (CEM):
- É vedado ao médico:
Art. 1º Causar dano ao paciente, por ação ou omissão, caracterizável como imperícia, imprudência ou negligência.
Um tribunal penal a ser instalado deverá apurar todas as responsabilidades, não somente os ilícitos praticados durante a pandemia.
Entre os ilícitos, crimes contra a saúde pública, pela ação de dificultar a prevenção e o tratamento da Covid, por agir contra as medidas sanitárias de usar máscaras e manter distanciamento social. E, especialmente, por vir combatendo de forma institucional a vacinação da população, único recurso para escapar da morte.
Se tivesse agido de forma oposta, teria evitado a maioria das mais 600 mil mortes de brasileiros, que enlutaram número igual de famílias, muitas das quais acreditaram nele.
Crimes contra a humanidade, bem caracterizados pela perseguição institucional a índios, quilombolas e todas as classes sociais de baixa renda. Crimes contra a natureza. Crimes contra a ordem econômica e social. Crimes contra a educação. Crimes contra a cultura. Crimes contra negros. E, finalmente, por tornar o Brasil um pária das nações do mundo.
Muitos outros crimes serão denunciados contra o cidadão-maior, seus filhos e comparsas. A maioria cometidos cumprindo um plano sinistro, obedecendo a um roteiro de filme de terror para a instalação de um regime nazifascista no Brasil. E boa parte favorecendo empresários desonestos e outros facínoras, como os mineiros que estão matando índios e poluindo os rios da Amazônia.
Esperamos que um dia sejam todos julgados antes que possam deflagrar um conflito pior, interno ou externo. Não por uma CPI, mas por um novo Nuremberg. Sem direito a cápsulas de cianuretos que lhes permitam fugir da responsabilidade.
DEZ GUERRAS DO PARAGUAI, por José Mário Espínola
Ao longo de sua existência como nação, o Brasil sofreu poucas tragédias que provocaram mortandades tão grandes em tão pouco tempo como a que estamos vivenciando.
Nos quase seis anos de guerra contra o Paraguai (dezembro de 1864 a abril de 1870), por exemplo, o Brasil perdeu 50.000 combatentes. Foi o evento em que o país perdeu mais habitantes em intervalo de tempo relativamente curto.
Durante a Segunda Grande Guerra, o Brasil perdeu, entre militares e civis, aproximadamente dois mil patrícios. O período foi de quatro anos, desde que o governo de Getúlio Vargas, pressionado pelos Estados Unidos, declarou guerra à Alemanha, após assistir ao torpedeamento de navios brasileiros repletos de civis, com milhares de mortos.
Dizem que aqueles navios foram afundados por submarinos americanos, mas eu não acredito. Acho que não passa de teoria da conspiração. Não sei.
Antes disso, na segunda década do século XX, ao final da Primeira Grande Guerra, o Brasil foi devastado pela pandemia de Gripe Espanhola.
Culpada pela morte de 50 a 100 milhões de pessoas no mundo, no Brasil a virose matou 35 mil, entre as quais Rodrigues Alves, então presidente da República.
Se compararmos a atual crise sanitária com a Gripe Espanhola, vê-se em comum um fator decisivo para o fim de epidemias do gênero: as medidas sanitárias caracterizadas principalmente pelo isolamento social e o uso de máscaras. Eram os únicos recursos disponíveis naquela época, pois ainda não existia vacina para a influenza.
O fato: desde que a covid 19 chegou ao Brasil em fevereiro do ano passado, nós estamos assistindo a um morticínio inédito, passados apenas 13 meses desde a sua primeira vítima fatal.
A epidemia teve no Brasil um pico de novas infecções e mortes em julho de 2020, seguido de uma nítida queda até novembro daquele ano, mesmo sem que ainda existissem vacinas contra a doença.
Alguns fatores fizeram elevar a contaminação e provocaram a exacerbação do número de casos: o relaxamento do isolamento rigoroso, seguido da liberação irresponsável nas campanhas eleitorais, nas festas do fim de ano, no veraneio e no carnaval. Todos controláveis e evitáveis.
Mas, quando pensávamos que estava sob controle, a pandemia recrudesceu e voltou a apresentar crescimento desordenado do infectados e mortos.
No cerne de tudo isso está a falta de um comando único por parte do Ministério da Saúde que promovesse um Programa Nacional de Controle e Erradicação da Covid.
Acrescente-se o mau exemplo de desobediência civil das medidas sanitárias dado pela maior autoridade do país, seu descaso com a gravidade da situação e banalização da tragédia. Tudo copiado por seus fanáticos seguidores, além da promoção institucional de tratamentos inúteis e o atraso intencional da aquisição de vacinas, que levou ao consequente atraso da vacinação em massa.
Não causa surpresa, portanto, a reagudização da mortandade que se transformou na maior calamidade de saúde que o Brasil já enfrentou.
Como se fosse pouco, desde que a crise sanitária teve início, quem deveria comandar a nação na guerra contra vírus tão letal aproveita-se para fragilizar política e socialmente a democracia brasileira e com isso tentar submeter o país a um novo ciclo de autoritarismo.
Existe na medicina uma expressão muito temida por urgentistas e cirurgiões: sangria desatada. Significa que o paciente está apresentando um quadro hemorrágico gravíssimo que está provocando um choque hipovolêmico e a qualquer momento poderá ocorrer a morte do doente. Essa expressão pode ser usada para demonstrar o quadro de gravidade e intensidade do extermínio em curso.
Chegamos à marca triste e inimaginável de 500.000 mortos. Nada menos que meio milhão de humanos que morreram com idades as mais variáveis possíveis, cidadãos que seriam muito úteis ao Brasil e ao Mundo. São dez vezes mais mortos do que em toda a Guerra do Paraguai.
Mantida a sinistra média de mais de 2.000 mortes por dia, em pouco mais de oito meses o Brasil terá perdido um milhão de vidas para a covid.
Ainda temos a esperança de que pessoas com juízo perfeito finalmente assumam o comando desse trem desgovernado em alta velocidade em que se transformou o Brasil. Assumam e consigam frear a locomotiva, antes que se precipite de vez no abismo.
Mas, para tanto, é preciso que haja estímulo e sensibilidade aos homens do bem com poder de comando do Brasil, para que promovam urgentemente as mudanças extremamente necessárias ao país para sairmos da crise.
Ou vão preferir esperar pelo milhão de mortos para tomar uma atitude?
TEORIA DA INVOLUÇÃO, por Rubens Nóbrega
Há mais de dois meses, desde quando a pandemia da covid começou a bater seguidos recordes de mortes no Brasil, um grupo de jovens participa de sucessivos embalos de quartas e sextas-feiras à noite numa mansão da Zona Oeste do Rio de Janeiro.
Festança regada a comes e bebes do bom e do melhor, mas sem qualquer distanciamento. Pelo contrário, quando chegam no grau, alguns só faltam se pegar no tapa e, vez em quando, num rala-e-rola. Tudo sem máscara, viu? E álcool, minha filha, só o que vem na bebida. Dose? Se for de vacina, nem pensar!
A esbórnia chama a atenção de todo o Brasil, revoltando alguns incomodados com a impunidade que protege aquela turma que se esbalda em tantas festas clandestinas. Afinal, por que não chega àqueles pândegos as medidas restritivas e os rigores da lei impostos por governadores e prefeitos à maioria?
“Por que a Prefeitura ou a Polícia não vai lá e acaba com essa farra?”, questionou ontem (27) indignado seguidor do líder da ‘liberdade do povo se aglomerar, não parar de trabalhar e se contaminar’. É da mesma galera que defende o ‘se morrer é menos gasto pra Previdência e ótimo pro mercado’.
Tal questionamento foi dirigido publicamente ao prefeito Eduardo Paes, do Rio. E pra não haver dúvida sobre a procedência do que aqui se afirma, reproduzo abaixo a indagação do revoltado e a resposta do alcaide carioca.
Por essa e muitas outras que venho ouvindo, lendo ou vendo nos últimos dois anos e meio, estou convencido de que se Darwin estivesse entre nós, hoje, certamente ele rebatizaria a sua tese sobre o aparecimento e desenvolvimento da raça humana.
Com certeza, o velho Charles adotaria a Teoria da Involução após estudar espécimes feito esse bovino interpelante.
ESSES MOÇOS…, por José Mário Espínola
Esses moços, pobres moços… Assistindo ao noticiário veio-me à mente a belíssima canção, composta pelo cantor e compositor Lupicínio Rodrigues, que faleceu em 27 de agosto de 1974, com apenas 60 anos de idade.
Conta a história que ele compôs essa música no ano de 1947, com o objetivo de convencer seu amigo Hamilton Chaves a não se casar, pois tinha APENAS 22 anos de idade. Lupicínio queria alertá-lo para as surpresas da vida, e aos 33 anos achava-se um bom conselheiro.
Desconheço se o seu amigo aceitou ou não o conselho. O fato é que, ao assistir às noticias da pandemia, me foi inevitável a conotação com a música e com a intenção de Lupicínio: o alerta para que alguém evite cometer atitudes irresponsáveis pelas quais depois venha a se arrepender.
Pois não deixa de ser alarmante, para mim, o crescimento exponencial do número de casos da doença covid 19. E quando nós olhamos mais detidamente o perfil epidemiológico, ficamos assombrados com a evolução acontecida nos últimos três meses.
Até novembro do ano passado, morria bem menos gente por covid 19. E dentre os que morriam era muito maior o número de pacientes idosos, acima dos sessenta anos em diante. Estes significavam pouco mais de dois terços dos óbitos e os pacientes falecidos abaixo dessa idade eram menos de um terço. Esse também era o perfil dos pacientes internados pela doença.
Hoje, a estatística mostra uma inversão: quase dois terços de pacientes relativamente jovens (pelo menos não-idosos) ocupam os leitos hospitalares e morrem, contra menos de um terço de idosos.
O que pode ter acontecido de tão forte nesse período que possa ter influenciado a mudança de um perfil epidemiológico?
A resposta básica me parece ser apenas uma: a sabedoria de Lupicínio! A mudança no comportamento dos jovens.
Desde o início da epidemia, os idosos foram aconselhados a se isolarem o máximo possível. E obedeceram. Os menos-idosos e os mais jovens, por sua vez, de forma coletiva nunca obedeceram à recomendação de se isolarem e usarem máscaras corretamente.
Como a princípio morriam menos, parece que lhes subiu à cabeça a sensação de serem super-heróis. Dificilmente usaram máscaras ou se isolaram. Logo vinha lá de cima o mau exemplo do presidente da República, Jair Messias(?) Bolsonaro, que sempre negou a doença e a ciência, e nunca apoiou ou ordenou o isolamento rigoroso, o bloqueio total, como fizeram líderes de países que tiveram melhor evolução que o Brasil.
Nesse ínterim, o isolamento dos idosos contribuiu para inverter a curva epidemiológica, que no início de novembro já estava quase totalmente achatada. A epidemia, então, parecia estar controlada e a caminho do fim. Viva!
Mas eis que o cão atentou as autoridades estaduais e municipais, que foram pressionadas pelos segmentos econômicos, estes liderados pelo presidente da República, que dá o mau exemplo promovendo aglomerações sem usar máscaras. Assim, afrouxaram o controle sanitário.
Para agravar, veio a campanha eleitoral e o que se viu foi um “liberou geral” totalmente irresponsável. Repito sempre: as autoridades municipais e estaduais jamais poderiam ter permitido concentrações, naquela campanha. E, bem antes da campanha eleitoral, no início da pandemia, o presidente da República deveria ter tido uma atitude responsável, tomado as rédeas do país e assumido o papel do verdadeiro líder que ele nunca foi. E decretado o isolamento social de forma rigorosa.
Na sequência da mobilização eleitoral vieram as comemorações das festas natalinas, as comemorações de fim de ano, os “chás de macumba,” como diz (com toda a propriedade!) o Dr. Lauro Wanderley. Depois chegou o veraneio, culminando com o carnaval.
São medonhas as concentrações organizadas por empresários criminosos, as festas diabólicas chamadas de “paredões”, que contam com a tolerância cúmplice das autoridades civis. A consequência é o agravamento quase descontrolado da pandemia no Brasil.
Como sou componente da categoria de idosos, voltam à minha mente as sábias palavras de Lupicínio Rodrigues:
“Esses moços, pobres moços…/
… não passavam, aquilo que eu já passei…/
…Saibam que deixam o céu por ser escuro/
E vão ao inferno à procura de luz…”
Infelizmente, no momento que estamos vivendo, a letra da bela música me faz lembrar as luzes estroboscópicas e o som infernal dos “paredões” que os jovens irresponsáveis estão protagonizando.
Triste Brasil, que se veste de luto aceitando passiva e covardemente as mortes dos seus entes queridos. Triste juventude, que não escuta mais as vozes da experiência…
***
ESSES MOÇOS
Lupicínio Rodrigues
Esses moços, pobres moços
Ah! Se soubessem o que eu sei
Não amavam, não passavam
Aquilo que já passei
Por meus olhos, por meus sonhos
Por meu sangue, tudo enfim
É que peço
A esses moços
Que acreditem em mim
Se eles julgam que há um lindo futuro
Só o amor nesta vida conduz
Saibam que deixam o céu por ser escuro
E vão ao inferno à procura de luz
Eu também tive nos meus belos dias
Essa mania e muito me custou
Pois só as mágoas que trago hoje em dia
E estas rugas o amor me deixou
Esses moços, pobres moços
Ah! Se soubessem o que eu sei
Não amavam, não passavam
Aquilo que já passei
Por meus olhos, por meus sonhos
Por meu sangue, tudo enfim
É que peço
A esses moços
Que acreditem em mim
AGRAVANTES DA TRAGÉDIA, por Babyne Gouveia
A irreverência parece lutar contra a razão. Esse é o comportamento de boa parte da população brasileira, que não acorda para a dimensão da tragédia atual. Haja indisciplina.
Vivemos um daqueles momentos da história onde a desarticulação prevalece em quase todos os sentidos. O governo sem coordenação, a economia sem direção, os desempregos registrando índices desastrosos, os preços dos combustíveis sendo reajustados frequentemente, os alimentos com valores alarmantes, ausência de planos para a saúde e para a educação, e a população nas baladas e em locais de agregação.
As pessoas perderam o senso e a vergonha e fazem aglomeração, festas e reuniões em bairros populares e em mansões, sem contar que estamos ouvindo queixas da vacina de ar, água ou com soro fisiológico. Perco a cada dia a confiança em dias melhores.
Pergunto em que pedaço da história a gente errou como indivíduo. Realmente, a pandemia trouxe à tona, de maneira evidente, o pior das pessoas, sejam governantes alheios às prementes necessidades da população, sejam os próprios cidadãos adotando condutas inconsequentes.
Sem uma essência empática comum a toda a nação vai ser difícil acreditar que podemos vencer ou ao menos controlar a pandemia e o morticínio diário que a Covid impõe a todo o país, no Brasil agravado pela calamidade administrativa no enfrentamento da maior catástrofe sanitária que se abateu sobre a humanidade.
- Babyne Gouvêa é biblioteconomista
UM MAU EXEMPLO, por José Mário Espínola
O Brasil apresentou ontem dois marcos internacionais, ambos tendo como principal causa a pandemia por covid 19, porém nenhum deles digno de comemoração.
Pela manhã, recuou três lugares entre os países de maior Produto interno bruto, o PIB, ficando em 12º lugar, atrás de Rússia e Coréia do Sul. Mas, para quem achou que essa era uma má notícia, precisa ouvir a segunda “conquista” internacional sobre o nosso país: à noite, o Brasil avançou um lugar e tornou-se o líder em mortes por covid 19 entre todos os países do mundo.
Essa liderança é a nossa preocupação maior, pois prejuízos do PIB depois serão compensados. Se houver competência para isso. O alto grau alcançado pela pandemia parece ser produto de uma fórmula diabólica: o mau exemplo dado pelas autoridades, especialmente pelo presidente da República, Sr. Jair Messias(?) Bolsonaro, seguido pelo comportamento irresponsável da grande maioria da população.
O primeiro não cansa de se esmerar em exemplo ruim para o povo: alta exposição sem máscaras, promiscuidade pública, negação da gravidade da doença, e negação da ciência, perseguindo e divulgando “tratamentos” ineficazes, como fez com a divulgação e aquisição e distribuição da cloroquina. E como está fazendo agora, ao anunciar que existe em Israel um spray milagroso no tratamento dessa doença.
Já o comportamento coletivo é o pior possível. Na ausência de uma figura respeitável, com o perfil de líder confiável que dê o bom exemplo, o povo faz o que acha melhor PARA SI, não se achando com o menor compromisso para com a coletividade. Nem se achando responsável para com a vida do próximo.
Os exemplos que nós assistimos são estarrecedores! Pessoas aglomeradas ou acumuladas, na maior promiscuidade social. A base desse relaxamento está no ano passado, mais exatamente no mês de novembro, quando autoridades, municipais e estaduais permitiram que acontecesse campanha política presencial. Jamais poderiam ter feito isso! Contaram com a leniência da Justiça, que fez vista grossa.
Depois da campanha, vieram as chamadas festas de fim de ano. Embalados pela sensação de liberdade, o povo se aglomerou em comemorações, íntimas ou coletivas. Daí para se aglomerar no carnaval foi um salto.
O vírus está aí, cobrando caro. Todos os dias milhares de brasileiros morrem, qual vários desastres aéreos por dia. Todos os dias perdemos um ente querido.
***
Ao longo da nossa formação nós somos expostos às influências. Na infância, do exemplo paterno e materno. Na juventude, sofremos a influência do nosso meio. Já adultos, passamos a ser influenciados por líderes políticos. Mais tarde, surgem outras influências, como a mídia.
A TV Globo e o SBT, por exemplo, exercem profunda influência sobre o comportamento da população, nem sempre de forma saudável. Já conseguiram fazer a opinião pública eleger alguns presidentes.
Mais recentemente, de uns sete anos pra cá, surgiu aquilo que está se demonstrando como a influência mais nefasta, pior que a TV Globo: as chamadas redes sociais. No entanto, essas, se bem utilizadas, poderiam ser decisivas para o comportamento mais saudável da população diante da epidemia. Mas dificilmente isso acontecerá enquanto o presidente da República, Sr. Jair Messias(?) Bolsonaro continuar exercendo a sua influência fatal.
Está muito difícil ver um final feliz.