O VELHO MACEDO, por Frutuoso Chaves

Imagem meramente ilustrativa copiada do site Prosa e Poesia

O pequeno grupo já estava formado e, como sempre, bem atento. Sem interromper o trabalho, Seu Macedo, sapateiro dos bons, deu sequência à conversa. Havia acabado de lembrar do que se passara com Antonio, o vizinho, nos idos de 1944. Precisamente, em 6 de junho, o Dia D do ataque aliado às tropas de Hitler, na França ocupada.

Não que a guerra na Europa tivesse algo a ver com aquilo que se preparava para narrar, uns 14 anos depois, aos ouvintes habituais, quase todos meninos de calças curtas. A data era citada apenas para situar o momento e a razão pela qual o Açude do Ronca perdera suas águas.

Antonio ali estava, vivinho da silva, para confirmar a história. Até porque foi com ele próprio que as coisas se passaram. O peixe que já havia desentortado uns vinte anzóis seus não escaparia desta vez. Afinal, iria abocanhar ferro inglês retirado de um pedaço de trilho da Gretueste (na verdade, Great Western) e malhado em brasa por Severino, ferreiro afamado na região.

Em 6 de junho de 1944, às 11 e 30 da manhã de um sol a pino, Antonio esperava em vão por uma fisgada. Parecia que o danado do peixe entendia que, agora, perderia a batalha, tal como Hitler. Eis que, de repente, lá vem o puxão. Pedro, o roceiro, ouviu os gritos de um Antonio arrastado de cima do paredão e correu em seu socorro. Cravou as duas mãos no cós da calça do amigo e passou, também, a ser dali arrastado para a água. O mesmo aconteceu com seis trabalhadores a caminho do eito. Todos se puseram em fila indiana, um a puxar o outro, na ajuda ineficaz ao pescador.

Guilherme punha toda a fé do mundo nos contos do avô, pois citavam nomes, local, data e hora das ocorrências. Tinham, enfim, jeito e cheiro de documento. Este último fora adaptado, sem que soubéssemos, de um enredo de Mazzaropi. O neto mais novo de Seu Macedo se agoniava, arregalava os olhos e, com isso, também divertia a plateia do velho sapateiro cativa e ansiosa por desfechos sempre surpreendentes e engraçados.

– O danado do peixe emperrou. Não saiu nem quando amarraram ao jipe de Hilário a linha daquele anzol grossa como uma corda de atracar navio. O jeito foi amarrá-la, também, no trem que partia da estação. Desta vez, o bicho saiu, mas saiu com açude e tudo.

– Não foi, Antonio?
– Foi, Seu Macedo.

As gargalhadas ecoavam até o Beco do Padre aborrecendo, como sempre, a velha Zefinha, dona da casa, mulher sisuda, sem o bom humor do marido. Também, sem a estima que a este dedicavam pobres e remediados, grandes e pequenos.

Mas até que era dada, ela mesma, a certas brincadeiras. Sentada numa cadeira de balanço, mandava a garotada perfilar-se para tomar, um após outro, o mais forte beliscão que um ser humano era capaz de aplicar em canelas alheias com os dedos dos pés. Não deixava de provocar risos, contudo, em razão da galhofa que de si próprio fazia aquele bando de cobaias em fila para a tortura: os primeiros zombando dos últimos.

O que a tudo isso agora me transporta é a foto de um antigo pé de ferro há pouco descoberta na Internet. O garoto que eu fui passava horas vendo aquele velhinho de bigodes longos a cortar, coser couros e pregar solas com o auxílio de uma máquina de costura robusta, apropriada ao ofício. A fazer uso, também, de modelos de madeira de todos os tamanhos a fim de moldar os calçados para a freguesia diversa em idade e altura.

Mas eu gostava mesmo era quando ele encaixava os sapatos no velho pé de ferro para fixar o solado e o salto. As marteladas enfiavam e retorciam as brochas, ato final do mais puro artesanato. Seu Macedo recorria, nessa fase do trabalho, à ajuda dos meninos que dele se acercavam. A pedido seu, procurávamos por pontas de pregos no interior de sapatos novinhos em folha. Em vão: todas estavam devidamente retorcidas pelas batidas do martelo contra o metal.

Pequeno, franzino e quase sempre presepeiro, ele contrastava, absurdamente, com a mulher de maus bofes. Quando vi aqueles avós de “A Era do Rádio”, filme de Woody Allen, foi dos avós de Guilherme que, de imediato, lembrei.

A GUERRA DOS MUNDOS, por Frutuoso Chaves

Cena de ‘Guerra dos Mundos’

Bombas no Leste Europeu. Sem sono, às 3 da manhã, busco pela Internet informações sobre “A Guerra dos Mundos”, a transmissão radiofônica do romance escrito pelo inglês Herbert George Wells com a qual o americano Orson Welles assustou muita gente nos Estados Unidos.

O aviso de que se tratava de uma ficção, feito no início da peça, fora perdido por grande parte dos ouvintes da Columbia Broadcasting System, a famosa CBS, naquele 30 de outubro de 1938. Resultado: levada a sério, a história de gente, prédios, tanques, navios e aviões pulverizados por armas de raio numa invasão de marcianos aterrorizou multidões.

Os jornais trouxeram, nas edições seguintes (com certo exagero, há quem diga), o saldo da histeria coletiva. Famílias em pânico nas ruas, outras em fuga das cidades e pedidos de socorro à polícia no transcurso do enredo posto no ar, em tons realísticos, com o auxílio luxuoso de atores e atrizes da Companhia Mercury Theatre on the Air.

Os mais apressados na crítica à estupidez humana devem atentar para o fato de que não eram dias fáceis aqueles. No setembro seguinte, Hitler iniciaria os bombardeios e tiros da Segunda Guerra Mundial. Eram tempos, portanto, de nações inteiras com os nervos à flor da pele. Essa fase negra seria encerrada, sete anos depois, com o acontecimento horrendo do primeiro (e único, até aqui) uso de bombas atômicas no extermínio de seres humanos.

O episódio de “A Guerra dos Mundos” tem registro no formidável “A Era do Rádio”, o filme que o bom e velho Woody Allen lançou em 1987. Na cena, a tia solteirona do pirralho no qual o cineasta projeta a própria infância é abandonada numa estrada deserta pelo namorado. O homem suspende os amassos que dava na moça e apavorado se embrenha no mato quando o rádio do carro interrompe a programação musical com a história da invasão do planeta por alienígenas. No dia seguinte, ao procurá-la, ouve dela: “Casei com um marciano”.

A narrativa de Woody Allen acerca de fatos passados, com a voz e o olhar de adulto, quase confere ares de documentário ao belo e saboroso filme. Isso e a lembrança de programas, jingles, histórias e personagens do rádio. Imperdível a cena em que a brasileira Denise Dummont interpreta Carmem Miranda. Em outra passagem, o menino “Woody” afana parte da coleta de dinheiro na rua em prol de Israel para comprar o anel do Vingador Mascarado. Descoberto o crime, toma uma sova do pai e do rabino.

O filme já impressiona em sua abertura. Uma dupla de ladrões invade no escuro uma casa onde não estavam os donos, interrompendo o roubo para atender alguém ao telefone a fim de que o barulho da chamada não acorde a vizinhança. Do outro lado da linha está um locutor, em programa de auditório, com teste ao vivo do tipo “qual é a música”. A orquestra executa as introduções para o atendente identificar cada canção. Um dos ladrões acerta tudo.

No retorno à casa, dia amanhecido, os proprietários se surpreendem com o arrombamento, o sumiço da prataria e a descarga de móveis e eletrodomésticos novíssimos de um caminhão de entregas, resultado do sorteio telefônico. Bem Woody Allen, não?

Ah, sim… Uma emissora brasileira, a Rádio Difusora AM, de São Luís do Maranhão, reeditou “A Guerra dos Mundos” no 30 de outubro de 1971, 33 anos depois da narrativa de Orson Welles. E, guardadas as devidas proporções, houve os que ali também se inquietassem com a invasão e o disparo de canhões de raios “Made in Marte”.

Naquela manhã, a emissora maranhense interrompia o programa “Paradão”, coletânea de sucessos musicais, para noticiar o ataque dos marcianos. O roteiro incluiu “informações da Rádio Repórter do Rio de Janeiro e BBC de Londres”, ruídos estranhos, entrevistas com “testemunhas”, diálogos atribuídos à torre de controle do Aeroporto Marechal Cunha Machado e conversa com o inexistente Professor Mário Cordelini, da equipe do Observatório Nacional.

O roteiro nordestino teve as assinaturas de Elvas Ribeiro (o Parafuso), Manuel José Pereira dos Santos (o Pereirinha), José Faustino dos Santos (o Jota Alves), Sérgio Brito, José Branco, Rayol Filho, Reynaldo Faray, Bernardo de Almeida e Fernando Melo. Mal o programa terminou, eles todos viram, aí sim, de fato, a invasão da área por homens do Exército que retiraram a emissora do ar por algumas horas.

“Outubro de 71 – Memórias Fantásticas da Guerra dos Mundos”, livro lançado em 2011 por Francisco Gonçalves da Conceição, conta essa história. Apoiada pelo Museu da Memória Audiovisual e financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa e ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Maranhão, a obra resulta de pesquisa acadêmica orientada pelo autor.

No outubro vindouro, a encenação radiofônica de Orson Welles completará 85 anos. Resta-nos torcer pela suspensão, antes disso, dos bombardeios que, diariamente, explodem casas e gente na Europa agravando a crise entre os detentores dos dois maiores arsenais atômicos do Planeta. Ou, então, que venham os marcianos. Nada, além deles, parece capaz de unir os donos deste mundo.

BRAVOS E IGNORADOS, por Francisco Barreto

Os tenentes de 1932 antes do embarque: Odon Bezerra (centro), Francisco Barreto Sobrinho (segundo à direita) e José da Silva Mariz (primeiro à esquerda), entre outros (Foto: Walfredo Rodrigues). Legenda do autor do artigo

A história da Paraíba, exceção a 1930, é um poço escuro que as gerações atuais e passadas se afundam e ignoram completamente a trajetória de nosso povo e de nossas lutas. A Paraíba pode não representar quase nada para este imenso país, mas temos aqui fincadas as nossas raízes e sem elas nunca existiríamos.

O encilhamento da cultura acadêmica não pode resumir o cultivo da historia à frieza dos enunciados livrescos. Um povo que não se debruça sobre a sua memória não é capaz de sentir na alma e no coração os feitos dos seus antepassados.

Apenas com mergulhos na profundidade de remotos tempos manteremos vivas as nossas consciências, longe da ignorância, refletindo sobre o presente e o futuro. Como um dia nos disse Jacques Bossuet: “A história é o grande espelho da vida; instrui com a experiência e corrige com o exemplo”.

Na essência, se não soubermos o que fomos, não desvendaremos o que seremos. Temos que recorrer sempre à história e não às estórias e às lendas, raramente vivenciadas. Dependendo de como a apreendemos são os relatos do passado, estes podem que nos engrandecer, oprimir ou deformar.

Não consigo deixar de mergulhar nos meus remotos baús, onde encontro felicidades e tristezas. As separo, para que os meus sonhos e lembranças me façam crer que vida não morre. Onde ignorância e inconsciência prevalecem, milhões de enxergam a vida apenas como catástrofe.

Remexendo os meus baús, deparei-me com os fatos históricos da Revolução Constitucionalista de 1932, quando São Paulo sozinho, insurrecto, quis dominar o Brasil. Ousadia extrema de um supremacismo ahistórico. O Brasil se ergueu e dominou a ferocidade de um pseudo domínio.

Em Maio de 32, foi proferido o grito insurrecional. Em 9 de Julho, os combates paulistas debutaram. Era a herança iracunda dos que faziam a politica do Café (SP) com Leite (MG). Sempre foi consagrado que apenas existia São Paulo e o resto. Nesta trajetória de dominação, a humilde e insignificante Paraíba foi à Guerra Paulista. Reuniu um punhado de bravos combatentes e escreveu uma história de luta.

O Interventor Gratuliano de Brito, decidido aliado de Getúlio Vargas, em 22 de Julho de 32 criou três batalhões formados por civis voluntários, comissionando todos com patentes de Oficiais Tenentes, Capitães ou Tenentes-Coronéis, exclusivamente para participarem dessas lutas. 

O 1º Batalhão Provisório foi comandado pelo Major João Costa. O seu subcomandante foi o Capitão Guilherme Falcone, comissionado no Posto de Major exclusivamente para esse fim. O comandante do 2º Batalhão Provisório foi o Tenente-Coronel Odon Bezerra. O 3º Batalhão Provisório foi comandado pelo civil Sindulfo Santiago, no Posto de Major. Foram recrutados e mobilizados 1.640 homens voluntários, além de membros efetivos da Polícia Militar paraibana.

O 2º Batalhão viajou no dia 7 de agosto e o 3° Batalhão embarcou em três etapas. O último embarque ocorreu no dia 14 de setembro, chegando ao Rio de Janeiro no dia 22 do mesmo mês. Os dois batalhões se uniram e formaram um regimento encaminhado para a Frente Sul, apresentando-se na cidade de Buri ao general Valdomiro Pinheiro. Foram para a linha de frentes dos combates.

Quando a tropa paraibana chegou ao Rio de Janeiro, a recebeu o José Américo de Almeida, então Ministro da Aviação e Obras Públicas do governo Vargas. No 2º Batalhão, comandado por Odon Bezerra, foram vários civis tenentes para o front, dentre eles Francisco Barreto Sobrinho, José da Silva Mariz, Botto de Meneses, João Lélis de Luna, Guilherme Falcone, Sebastião Maurício, Fenelon Primo, Vicente Firmino Guimarães, João Alves de Freitas, Vicente Chaves, João Farias, Gregório Leite, Moura Prunes e até um padre, José Trigueiro.

Os paraibanos lutaram nas frentes norte e sul. Outro ativo combatente foi o então Capitão – depois Coronel – José Maurício, comandante da nossa PM.

A tropa Paraibana enfrentou o inimigo juntamente com as demais unidades do regimento comandado pelo Coronel Dutra e na vanguarda em ações de apoio aos combates na cidade de Campinas até o dia 3 de outubro, quando foi encerrada a luta com a vitória forças leais a Getúlio.

No dia 7 de outubro, a tropa paraibana que lutou na Frente Norte seguiu para Jundiaí, de onde partiu para o Rio de Janeiro, onde se juntou ao contingente que combateu na Frente Sul para retornar ao Estado que representaram.

O tenente Francisco Barreto Sobrinho, meu pai, que havia combatido no 2º Batalhão sob o comando de Odon Bezerra, acabou sendo ferido com tiro de fuzil na perna direita nos cercos e combates entre as cidades de Itapetininga e Gramadinho.

No dia 22 de outubro daquele ano, segundo registros da época, em meio à grande manifes­tação pública, toda tropa desembarcou no Porto de Cabedelo, onde foi recebida por Gratuliano de Brito, autoridades e populares. Seguiram de trem e desfilaram nas ruas da Capital.

Em frente ao Palácio do Governo, os combatentes perfilaram-se e foram homenageados por arrebatados discursos. Após as homenagens, os batalhões provisórios foram extintos no dia 28 de outubro de 1932.

Esta é uma página em que se registra a História do valoroso combate dos paraibanos em defesa da unidade nacional, que não hesitaram em levantar a bandeira da Paraíba nos ferrenhos combates nas trincheiras e nas terras dos insurgentes paulistas.

Os paraibanos de várias gerações, em sua quase totalidade, desconhecem a sua história, ao que se credita à profunda ignorância e falta de educação de milhões de cidadãos em diferentes épocas. Daí a importância de sempre homenagearmos nossos heróis pela coragem e destemor com que defenderam as causas mais elevadas da nacionalidade.

DEZ GUERRAS DO PARAGUAI, por José Mário Espínola

Imagem: Wikipedia

Ao longo de sua existência como nação, o Brasil sofreu poucas tragédias que provocaram mortandades tão grandes em tão pouco tempo como a que estamos vivenciando.

Nos quase seis anos de guerra contra o Paraguai (dezembro de 1864 a abril de 1870), por exemplo, o Brasil perdeu 50.000 combatentes. Foi o evento em que o país perdeu mais habitantes em intervalo de tempo relativamente curto.

Durante a Segunda Grande Guerra, o Brasil perdeu, entre militares e civis, aproximadamente dois mil patrícios. O período foi de quatro anos, desde que o governo de Getúlio Vargas, pressionado pelos Estados Unidos, declarou guerra à Alemanha, após assistir ao torpedeamento de navios brasileiros repletos de civis, com milhares de mortos.

Dizem que aqueles navios foram afundados por submarinos americanos, mas eu não acredito. Acho que não passa de teoria da conspiração. Não sei.

Antes disso, na segunda década do século XX, ao final da Primeira Grande Guerra, o Brasil foi devastado pela pandemia de Gripe Espanhola.

Culpada pela morte de 50 a 100 milhões de pessoas no mundo, no Brasil a virose matou 35 mil, entre as quais Rodrigues Alves, então presidente da República.

Se compararmos a atual crise sanitária com a Gripe Espanhola, vê-se em comum um fator decisivo  para o fim de epidemias do gênero: as medidas sanitárias caracterizadas principalmente pelo isolamento social e o uso de máscaras. Eram os únicos recursos disponíveis naquela época, pois ainda não existia vacina para a influenza.

O fato: desde que a covid 19 chegou ao Brasil em fevereiro do ano passado, nós estamos assistindo a um morticínio inédito, passados apenas 13 meses desde a sua primeira vítima fatal.

A epidemia teve no Brasil um pico de novas infecções e mortes em julho de 2020, seguido de uma nítida queda até novembro daquele ano, mesmo sem que ainda existissem vacinas contra a doença.

Alguns fatores fizeram elevar a contaminação e provocaram a exacerbação do número de casos: o relaxamento do isolamento rigoroso, seguido da liberação irresponsável nas campanhas eleitorais, nas festas do fim de ano, no veraneio e no carnaval. Todos controláveis e evitáveis.

Mas, quando pensávamos que estava sob controle, a pandemia recrudesceu e voltou a apresentar crescimento desordenado do infectados e mortos.

No cerne de tudo isso está a falta de um comando único por parte do Ministério da Saúde que promovesse um Programa Nacional de Controle e Erradicação da Covid.

Acrescente-se o mau exemplo de desobediência civil das medidas sanitárias dado pela maior autoridade do país, seu descaso com a gravidade da situação e banalização da tragédia. Tudo copiado por seus fanáticos seguidores, além da promoção institucional de tratamentos inúteis e o atraso intencional da aquisição de vacinas,  que levou ao consequente atraso da vacinação em massa.

Não causa surpresa, portanto, a reagudização da mortandade que se transformou na maior calamidade de saúde que o Brasil já enfrentou.

Como se fosse pouco, desde que a crise sanitária teve início, quem deveria comandar a nação na guerra contra vírus tão letal aproveita-se para fragilizar política e socialmente a democracia brasileira e com isso tentar submeter o país a um novo ciclo de autoritarismo. 

Existe na medicina uma expressão muito temida por urgentistas e cirurgiões: sangria desatada. Significa que o paciente está apresentando um quadro hemorrágico gravíssimo que está provocando um choque hipovolêmico e a qualquer momento poderá ocorrer a morte do doente. Essa expressão pode ser usada para demonstrar o quadro de gravidade e intensidade do extermínio em curso.

Chegamos à marca triste e inimaginável de 500.000 mortos. Nada menos que meio milhão de humanos que morreram com idades as mais variáveis possíveis, cidadãos que seriam muito úteis ao Brasil e ao Mundo. São dez vezes mais mortos do que em toda a Guerra do Paraguai.

Mantida a sinistra média de mais de 2.000 mortes por dia, em pouco mais de oito meses o Brasil terá perdido um milhão de vidas para a covid.

Ainda temos a esperança de que pessoas com juízo perfeito finalmente assumam o comando desse trem desgovernado em alta velocidade em que se transformou o Brasil.  Assumam e consigam frear a locomotiva, antes que se precipite de vez no abismo.

Mas, para tanto, é preciso que haja estímulo e sensibilidade aos homens do bem com poder de comando do Brasil, para que promovam urgentemente as mudanças extremamente necessárias ao país para sairmos da crise.

Ou vão preferir esperar pelo milhão de mortos para tomar uma atitude?

A GUERRA RELÂMPAGO, por José Mário Espínola

Foto meramente ilustrativa. Crédito: Delirou Júnior/O Dia

Até a Primeira Grande Guerra, de 1914 a 1918, as batalhas eram mais estáticas. As tropas permaneciam a maior parte do tempo imobilizadas dentro de trincheiras cavadas no solo.

Apenas de tempos em tempos, as tropas arriscavam sair para o corpo-a-corpo. Nada disso, contudo, foi suficiente para evitar uma carnificina.

Na Segunda Guerra Mundial, de 1939 a 1945, a Alemanha trouxe novidades que mudaram totalmente a até então forma de se guerrear. A grande novidade foi, realmente, a que eles chamaram de blitz krieg ou guerra relâmpago.

Essa forma de combate se caracterizava pelo dinamismo, pela velocidade com que a Wermacht, exército alemão, atacava as tropas inimigas.

Ao mesmo tempo, simultaneamente, as tropas disparavam em carros de combate e tanques de guerra apoiados por aviões.

Usando a velocidade, a estratégia era ocupar posições cada vez mais profundas em território inimigo. As tropas se deslocavam por onde encontrassem mais facilidade, menos resistência. Igual ao deslocamento de um raio na atmosfera, quando a eletricidade se espalha pelas zonas menos resistentes da atmosfera. Daí a denominação blitz krieg, guerra relâmpago.

Em pouco tempo, os alemães tomavam amplas áreas de território inimigo. E, para alcançar sucesso, modernizaram a logística. Munição, combustível e alimentos seguiam logo atrás dos veículos de combate.

Depois disso as guerras nunca mais seriam as mesmas.

***

Os responsáveis por nossa forma particular de “guerrear” contra a covid-19, aqui na Paraíba, bem  poderiam aprender com a história como vacinar mais rápido a nossa população.

Atualmente, age como se estivesse na Primeira Guerra Mundial. Limitando a vacinação da população a “trincheiras” isoladas, três em João Pessoa, com filas quilométricas em locais inaccessíveis à maioria da população carente. Desta forma, conseguiu elitizar a vacinação, pois dificulta o acesso a quem more longe desses três locais, seja pela distância ou pela exiguidade de opções de postos.

Por outro lado, a nossa “guerra relâmpago” seria vacinar onde fosse mais fácil, e ao mesmo tempo.

Enxergo que essa facilidade é possível com a criação e multiplicação de postos de vacinação, ampliando o potencial de vacinar simultaneamente um número bem maior de pessoas, num período bem menor do que as atuais três ridículas filas permitem.

Se cada uma dessas 3 filas vacina 3 pessoas a cada 10 minutos, serão vacinadas 54 pacientes por hora. Já 20 filas vacinando simultaneamente 20 pessoas nos mesmos 10 minutos, em uma hora terão sido vacinadas 120 pessoas! Dá para imaginar quantos estariam vacinados, ao final de uma jornada de trabalho…

A sociedade organizada poderá contribuir muito para facilitar a vacinação. Conselhos de medicina, farmácia, enfermagem, fisioterapia, odontologia, psicologia, veterinária, corretores, engenheiros, arquitetos, corretores de imóveis, contadores. associações de professores, Ministério Público, juízes, Amatra, Polícia Federal, Correios e Telégrafo, Academia Paraibana de Letras, Instituto Histórico e Geográfico, igrejas de todos os credos…

Puxa vida! Em muito pouco tempo vacinaríamos todos os nossos idosos, profissionais de saúde, índios, maqueiros, massagistas, motoristas de ambulância, magistrados, promotores… Tudo isso conseguido simplesmente com a identificação das formas mais fáceis de atingir o público-alvo.

Para tanto, teremos de deixar de lado os nossos preconceitos. E todas as entidades civis reivindicarem as suas respectivas vacinações e assim poderem dar as respectivas contribuições para o sucesso de todos.

Muitas outras unidades do país já estão fazendo isso. E alcançando cobertura de vacinação bem mais eficiente do que a Paraíba.

Se, além de toda essa mobilização, o Ministério da Saúde conseguir melhorar a sua logística, tão deficiente até agora, o Brasil poderá alcançar ainda este ano o grau de imunização tão desejado para permitir diminuir o isolamento social e obtermos o retorno ao crescimento econômico já no próximo ano.

A GUERRA QUE NOS FALTAVA, por José Mário Espínola

Cemitério da Vila Formosa, em São Paulo, tem covas abertas à espera dos mortos pela covid-19 na pandemia de coronavírus - Nelson Almeida/AFP

Imagem: Nelson Almeida/AFP

A primeira vítima social da pandemia é a vaidade. Em seguida, vêm o egoísmo, o orgulho e o preconceito. Outras virão ao longo desse período de necessidade coletiva.

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