DIFÍCIL ACREDITAR | 13 agosto, 2020 11:46
Imagem meramente ilustrativa reproduzida do YouTube
Seus filhos jamais desconfiaram que quase tiveram outro irmão ou irmã e por muito pouco não foram os mais novos de uma prole maior.
Faltou um tantinho de nada para o pai deles aceitar proposta quase irrecusável. Uma bonita colega de trabalho propôs terem um filho, mas a criança seria totalmente dela, afetiva e materialmente, do parto à formatura, produção independente total.
Tratado feito mero doador de sêmen, diante da proposta fez cara de chocado, quase ofendido. Fez mais: para dar autenticidade à sua aparente repulsa, disse à proponente que era radicalmente contra “gravidez de laboratório, por não ser coisa de Deus”.
Sandra, eis o nome da colega, surpreendeu-o mais uma vez. “Eu também sou contra, mas tem nada a ver com religião. Sou contra porque é muito caro. A gente faz de forma natural, mas sem envolvimento algum, viu? É somente sexo e amizade, nada mais”, explicou ela.
Explicação de efeito imediato e visível no semblante e terminações mais enervadas do possível reprodutor. Deu trabalho disfarçar a excitação; muito mais, manter-se fiel à postura calculada, de ficar quieto e sério para não dizer logo um sim turbinado por um “só se for agora!”.
Conseguiu balbuciar “vou pensar e dou resposta”. Finda a conversa, reservada e quase sussurrada no cafezinho na repartição, ele saiu dali e foi direto contar a Moreira, melhor amigo e vizinho de birô, que “estava a ponto de ganhar, sem apostar, na Mega-Sena”.
“Quem, aquela gostosa? Não, não é possível. Deixa de ser mentiroso, rapaz. Se ela souber…”, gozou Moreira, emendando: “Sério que ela te chamou pra fazer filho? E tu não fosse? Ou foi e deu aquela brochada?”. Realmente, mesmo em confidência, a história era inacreditável.
Era tudo verdade, no entanto. Muito embora no íntimo o escolhido reconhecesse ser difícil alguém acreditar que ele fora eleito por aquela mulher atraente, bem sucedida e bem resolvida. Ainda mais assim, desobrigando-o de qualquer responsabilidade no pós-parto e além.
“Epa, peraí! Também tenho qualidades. Não sou um galã, é verdade. Muito pelo contrário. Mas tenho algum charme, sou confiável, inteligente, bom caráter…”. Passou o resto do dia moendo no juízo especulações do gênero. Queria se convencer de que não era descartável.
De qualquer modo, tão logo reencontrasse Sandra, perguntaria, sem enrolar nem arrodear: “Por que eu?”. Reencontrou, perguntou. O que ela falou deixou-o com mais dúvidas: “Só quero ter com alguém que não venha me aperrear ou cobrar depois qualquer coisa, a mim ou a meu filho”.
Ele pensou, pensou, pensou… E não topou. Botou na cabeça que ela escondia algo, que mais tarde aquela relação acabaria em pensão alimentícia. Engano. Ela nada queria nem precisava. Ganhava o suficiente para criar o filho sozinha, educá-lo e dar ao mundo uma boa pessoa.
Daquele momento em diante, nunca mais se falaram e até se evitaram. Dois meses depois, apareceu barriga em Sandra. Mais seis, ela deu entrada na licença-gestante, emendou férias acumuladas e ainda pediu prorrogação por motivo de saúde dela ou do bebê.
Discretamente, ele acompanhou todo aquele trajeto. Soube do nascimento de um menino e na véspera de retorno dela ao trabalho, de um pedido que Sandra fizera – no que foi atendida – para ser transferida e lotada em outro órgão. Passaram-se dois anos. Semana passada…
Esbarram-se no corredor de um supermercado. Sandra empurrando um carrinho; ao lado, uma criança, empurrando outro. Cumprimentaram-se fraternalmente. “Esse aqui é o Felipe”, apresentou ela. Ele olhou com admiração para o garoto. “Lindo menino, lindo mesmo”, atestou.
Despediram-se. Ela foi em busca de detergentes: ele, direto para o caixa. Onde chegou ligeiro, quase deixando escapar pela boca e bem alto a conclusão – ou descoberta – que acabara de formar em sua mente. “Poxa, o moleque é a cara do Moreira!”.