Recentemente, os nossos lares foram invadidos e tivemos a sensibilidade violentada pelas imagens de um homem espancado até a morte por dois seguranças de um supermercado.
DEMOCRACIA REMOTA, por Ana Lia Almeida
Não estou dizendo que não é pra ir votar. Daqui a pouco eu vou lá, sim, apertar no botão a minha pouca escolha entre o péssimo conhecido de sempre e a nova tragédia. Certamente estaria mais animada se votasse em São Paulo, em Porto Alegre, ou mesmo em Recife, mas aqui em João Pessoa a fedentina das cabines de votação se poderá sentir de longe, muito além das zonas eleitorais.
Ainda assim, jamais deixaria de votar, mesmo com medo da pandemia. Me impede a consciência das décadas em que meus pais não puderam fazê-lo, eles e seus amigos que pagaram com a própria vida por isso. A pouca escolha que nos resta nas urnas, afinal, é o outro lado da nossa pouca disposição em brigar pelo que nos cabe. Essa preguiça de lutar pelo que é nosso, essa covardia de aceitar as coisas mais absurdas como se fossem normais, essa cretinice de se apropriar individualmente daquilo que é comum a todo mundo.
Só quero dizer que estou farta dessa pouca democracia. Essa democracia remota, de apertar um botão de dois em dois anos e só. Farta dessa cidadania passiva, que, quando muito, faz um post no Instagram. Cansada de mandar ofícios e pedir licença, de saco cheio da paz.
Eu quero é gritar, de máscara, junto com o povo preto na frente do Carrefour. Gritar bem alto que mataram um homem e por isso não podem continuar fazendo compras como se nada tivesse acontecido. Atear fogo, mesmo, no poder desses machos ricos e brancos que passam por cima de tudo que não é deles. Quero revidar todas as muitas vezes em que somos atingidas pelo machismo, vingar as mortes das mulheres e todas as pessoas que sofreram por amar conforme sua própria vontade. Já chega, também, desse mundo em que o lucro vale mais do que as pessoas.
Por isso eu vou mesmo votar, daqui a pouco, de máscara, caneta e álcool em gel. Mas não me contento com isso.
CONSCIÊNCIA BRANCA, por Ana Lia Almeida
Claro que sou contra bater numa pessoa até a morte, mas precisava mesmo daquele vandalismo todo que mostrou na televisão? Correria, confusão, estilhaços por todos os lados, isso lá é coisa de cidadão de bem? Uns marginais, uns maconheiros, coitada daquela gente dentro do supermercado que só queria fazer sua feira em paz.
Não vá dizer que sou racista, tudo agora é esse mimimi. Logo eu, que trato tão bem o Seu Valdemar, no Natal sempre dou um panetone de chocolate pra ele levar pra ceia depois que larga lá do prédio. Eu perguntei pra ele, viu, se ele achava isso mesmo que estão dizendo, que o rapaz foi vítima de racismo.
Seu Valdemar, um negro muito inteligente e ponderado, também concordou que aquela tristeza poderia ter acontecido com qualquer um de nós, independentemente da cor da pele. Aliás, quer dizer que agora tem raça no Brasil? Não é tudo raça humana, todo mundo não é igual? Vejo todos verdes e amarelos, como o Presidente, e Seu Valdemar também pensa assim. Eles mesmos são preconceituosos, a turma do mimimi.
Outra coisa: essa tal consciência negra, eu não entendo. Tem um consciência branca, também? Porque daqui a pouco quem vai ficar sendo vítima de preconceito somos nós, se não tomar cuidado. Não tem pra quê, gente, a escravidão já acabou há trocentos anos, vamos ficar nessa, cultivando o ódio?
Os guardas erraram, sim, mas o que o Carrefour tem a ver com isso, meu Deus? Deixem o supermercado pra lá, como eu vou poder ir às compras em segurança com meu cachorrinho se podem tacar fogo lá dentro a qualquer momento?
Ana Lia Almeida, Cronista
RELEMBRANDO OS BONS COSTUMES, por Aderson Machado
Nasci e me criei na zona rural do município de Areia, Paraíba. E tenho muito orgulho em dizê-lo, porquanto para ser um cidadão não se faz necessário que a pessoa seja nascida na cidade. Ademais, fui criado em um regime onde havia bastante disciplina, imposta pelos meus genitores, evidentemente. E é bom lembrar que eles não tiveram muita instrução escolar, apenas sabiam ler e escrever o suficiente para o dia a dia.
NATAL PRECOCE, 2021CHEGANDO, por José Mário Espínola
Este é, realmente, um ano diferente. Pois não é que os ipês já começaram a florar?! Coisa que só deveria acontecer em dezembro, pela primeira vez as suas primeiras flores douradas deram o ar da sua graça em outubro.
LÁ COMO CÁ! por José Mário Espínola
Vez por outra converso com Velha Amiga. Sempre nos preocupamos com a saúde mútua, tanto física com (especialmente!) mental. Relembramos bons filmes, belas músicas, velhos amigos, e carnavais d’outrora. Damos boas gargalhadas, relembrando fatos e fotos da nossa infância. Embora façamos o possível para evitar, às vezes a conversa escorrega inevitavelmente para a política, quando abordamos temas que envolvam os tempos atuais.
A ÚLTIMA CERVEJA, por Aderson Machado
Firmino Victor Machado, meu saudoso e querido velho pai, viveu toda a sua longa vida a trabalhar. Mas, como ninguém é de ferro, nos finais de semana costumava tomar umas cervejinhas com amigos e parentes. Nessa história toda só havia um porém: só tomava cerveja natural; de preferência, tirada da grade mesmo!
NÓS TIVEMOS DE IR, por Ana Lia Almeida
Eu juro que não queria, mas tive de ir. Vocês sabem que eu estava quieta no meu canto, isolada. Por mim, teria ficado em casa com meu trabalho remoto e meus pratos pra lavar. Mas fui obrigada.
Sim, tinha muita gente. Como é bom, gente! Aqueles toques de cotovelo, aqueles sorrisos debaixo das máscaras, aqueles olhares de como é bom te ver por aqui na luta de novo. Sobrevivemos, logo lutamos.
Mas fomos todos obrigados. Fomos acordados de manhã logo cedo, não podemos mais nem dormir. Estava lá, inscrito na madrugada: INTERVENÇÃO! Vocês não tem escolha, não podem mais, não deixamos e pronto! Como assim, não deixam e pronto?
Por isso tivemos de ir. Fomos lá, gritar que não aceitamos. Se pensam que é assim, estão muito enganados. Esses cretinos! Agora sim, vão ver a balbúrdia.
Já aceitamos demais, demais mesmo. Já chega das suas genitálias podres quando invadem os nossos debates. Não estamos interessados nisso, queremos dialogar, conhecer, construir. Mas estão nos perseguindo, nos desprezando, acabando conosco.
Ainda mais agora, todo mundo sem poder sair de casa. Covardes! Pois arriscamos a própria vida, porque não tem vida que preste sem escolha. Foi por isso que fomos, e iremos de novo.