A ÚLTIMA CERVEJA, por Aderson Machado

Firmino Machado, pai do autor

Firmino Victor Machado, meu saudoso e querido velho pai, viveu toda a sua longa vida a trabalhar. Mas, como ninguém é de ferro, nos finais de semana costumava tomar umas cervejinhas com amigos e parentes. Nessa história toda só havia um porém: só tomava cerveja natural; de preferência, tirada da grade mesmo!

A explicação para esse fato é muito simples. Como meu genitor sempre morou e trabalhou na zona rural, numa época em que não havia energia elétrica, as bebidas, de uma maneira geral, eram todas naturais. Quer dizer, não eram geladas. Dessa forma, o meu pai se acostumou a ingerir bebidas na temperatura ambiente. Desde criança, evidentemente.

Após chegar energia elétrica à nossa casa e, por conseguinte, a disponibilidade da geladeira, mesmo assim o meu progenitor continuou irredutível: não aceitava beber nada que fosse gelado. Nem mesmo água! A propósito, dizia alto e bom som: “Eu não gosto de nada gelado, e não é agora que eu vou mudar de opinião. De jeito nenhum”. Nesse caso, fazer o quê? Tínhamos que aceitar, de bom grado, essa sua preferência.

Afinal de contas, quando chegou energia elétrica em nossa propriedade, ele já tinha mais de oitenta anos! Então, tornar-se-ia difícil convencê-lo de que o gelado era uma coisa boa, para não dizer que fazia parte da modernidade.

Diante do exposto, devo dizer que quando eu ia beber com ele uma cervejinha, ao chamar o garçom tinha que fazer dois pedidos: uma cerveja gelada para mim, e uma natural para o meu pai. É claro que os garçons, a princípio, estranhavam essa atitude. Podiam até pensar que o meu genitor estava com a garganta inflamada ou coisa que o valha. Qual nada. Era esse mesmo o ritual toda vez que nos encontrávamos para saborear a “loira gelada”, pelo menos para mim.

Ainda em se tratando de beber, o velho Firmino contava que em toda sua vida de bebedeira nunca bebeu mais do que três cervejas por vez. Aliás, esse fato aconteceu apenas em um determinado dia. Portanto, inferimos daí que ele bebia moderadamente, ou melhor, socialmente. Era do tipo que sabia quando começar e terminar. E que ninguém ousasse pedir para ele beber mais um gole, que ele não o fazia.

Na verdade, o meu velho não fazia da bebida um fim, senão um meio de passar o tempo, divertir-se e jogar conversa fora com os seus pares. Nada mais que isso.

Em se tratando de beber, eu não sei dizer, evidentemente, quando, onde e com quem meu pai bebeu a sua primeira cerveja. Isso não importa nem vem ao caso, até porque ele mesmo talvez não se lembrasse desse fato, deveras remoto, e muito menos os seus detalhes.

Entrementes, no dia 1º de julho de 1996, meu pai perdeu sua fiel esposa, depois de 61 anos de uma boa convivência. Ele tinha quase 96 anos de idade. A partir desse fato, ele perdeu o sentido de viver, ficou desgostoso da vida e a depressão tomou conta dele.

Apesar desse estado de coisas, no dia da missa de 7º dia do falecimento de minha querida e inesquecível mãe, em 8 de julho de 1996, eu e ele fomos à beira mar, mais precisamente à praia de Tambaú, e lá ele pediu para tomar uma cerveja.

Para não fugir à regra, chamei o garçom e pedi-lhe duas cervejas: uma bem gelada para mim, e outra tirada da grade – a pedido do meu próprio pai -, que a ingeriu rapidamente, como sempre o fazia.

Apesar de ter uma boa saúde, Seu Firmino foi vencido pela depressão, e com menos de um ano depois, já bastante fragilizado, no dia 27 de maio de 1997, faleceu.

Portanto, aquela foi, a bem da verdade, a sua última cerveja!

  • Aderson Machado é Engenheiro Civil e Bacharel em Letras
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