– A nossa querida chegou!
Era assim a recepção a minha mãe ao chegar à casa de suas cunhadas, as minhas tias Gouvêa. Cinco mulheres maravilhosas, solteiras, cada qual com as suas peculiaridades. Mas todas de forte personalidade.
Tinham algo em comum: a mania por limpeza. Um tanto misofóbicas. Alguém longe do seu convívio estranhava esse hábito. Fazia um grande favor quem as cumprimentava sem estender a mão. Dois beijinhos laterais nem pensar.
Respeitávamos os costumes mantidos por todas elas. Como do atavismo ninguém escapa muitos da família herdaram uma certa misofobia. Fico imaginando as minhas tias queridas convivendo com a atual pandemia. Já haviam sobrevivido à gripe espanhola; não, não desejaria essa terrível condição de vida para pessoas tão bondosas!
As nossas visitas à sua casa se davam com uma ida inicial ao lavatório. Pronto, com as mãos lavadas podíamos começar a conversar com boas risadas e um cafezinho em bule de ágata no final da tarde. Costumavam cear nesse horário, já que dormiam cedo. Em suas camas rezavam o terço diariamente fazendo as suas preces pelos parentes, e abaixo delas em cima do taco guardavam o seu dinheiro – era o lugar ideal para algo tão sujo.
Os assuntos conversados diziam respeito aos familiares; adoravam receber notícias levadas por nós – fazíamos o elo delas com o mundo. Não saíam de casa, apenas uma delas visitava a irmã casada. Embora vivessem confinadas sob o mesmo teto, tinham uma concepção bela e leve da vida.
Uma delas gostava de ler Dante Alighieri, poeta italiano da literatura medieval. Com boa dicção e eloquência ela descrevia o poema épico “A Divina Comédia” desse autor. Ficava imaginando uma viagem ao inferno, purgatório e paraíso com discussões detalhadas sobre a temática do livro. Também lia Luís de Camões, poeta português, e se encantava ao falar sobre a epopeia “Os Lusíadas” versando sobre a viagem de Vasco da Gama às Índias. Além de ler, gostava também de escrever poesias. Ao declamá-las, levava os sobrinhos ao delírio enfatizando cada estrofe dos seus poemas.
Eram mulheres puras e crédulas, vulneráveis a pessoas aproveitadoras de sua ingenuidade. Havia quem narrasse uma situação fictícia para atrair comiseração, elas acreditavam e se tornavam vítimas certas. Eram extorquidas e não se davam conta, ficavam felizes em praticar uma boa ação; católicas fervorosas tinham uma vivência sem mentiras – essa palavra não existia no seu vocabulário.
Elas não se adequariam aos dias atuais, certamente. A limpeza delas não residia apenas no físico, mas sobretudo no caráter. Os exemplos de retidão deixados por elas são seguidos pelos familiares.
Como exalavam beleza e suavidade as minhas tias! Afáveis e corretas, eis os adjetivos que melhor qualificam as Gouvêa. E lembrando delas me transporto emotivamente para a Casa das Cinco Mulheres.