Imaginem alguém acreditar em que uma descarga elétrica provocada, simultaneamente, sobre células de um boi e de um tomate acarretaria a fusão genética das duas substâncias. A Veja acreditou. Reproduziu, como se fora verdade, em 1983, uma brincadeira da New Scientist com seus leitores, a propósito do 1º de Abril, o Dia da Mentira.
E o fez sem se aperceber das “pistas” deixadas pela revista britânica a fim de que o público matasse, ele mesmo, a charada. Por exemplo, os autores do experimento seriam os cientistas alemães Barry McDonald e William Wimpey (referências às duas famosas redes de lanchonetes) e o centro acadêmico onde esse invento teria vindo ao mundo seria a Universidade de Hamburgo.
Pois bem, a Veja reproduziu a “notícia” certa de que a ciência criara um fruto com casca à semelhança do couro bovino e com discos de proteína animal em seu interior. E celebrou: “A experiência dos pesquisadores alemães permite sonhar com um tomate do qual já se colha algo parecido com um filé ao molho”.
O desmentido, com o pedido de desculpas aos leitores, somente foi feito em 6 de julho, após a gozação de meio mundo. Hoje, a mais alardeada “barriga” do jornalismo brasileiro é verbete de enciclopédia. Procurem por “Boimate”. De todo modo, eram melhores aqueles tempos nos quais a Veja mentia por ingenuidade, ou incompetência, e não por perversidade.
PIOR DO QUE PESCADOR! por José Mário Espínola
A Mentira é uma nuance da personalidade que surge na infância e pode desenvolver-se na juventude. É encarada como natural no jovem, uma forma de comunicar-se, pois muitas vezes leva uma mensagem oposta ao que ele está realmente querendo dizer.
Embora seja aceita como parte da evolução da personalidade da criança e do adolescente, deve ser trabalhada para que não se torne um adulto mentiroso contumaz. Quando não devidamente tratada, a mentira pode se tornar um hábito, um desvio da personalidade. E assumir um distúrbio patológico.
Psicólogos dizem que há a verdade dos fatos e a verdade do sujeito. Psiquiatras se preocupam quando a Mentira se revela uma manifestação mais profunda da personalidade. Existem exemplos e exemplos de Mentira, na História. Existem mentirosos e mentirosos.
Temos desde o inocente Pinóquio até genocidas como Adolf Hitler, que tinha Josef Goebels como ministro da Propaganda, para quem uma mentira dita mil vezes se torna verdade. E, a partir desses exemplos podemos concluir que a Mentira, quando dita, pode não ter nenhuma repercussão ou ter consequências desastrosas.
O folclore tem exemplos diversos de mentirosos. Um dos mais conhecidos e simpáticos é o Pescador. São conhecidas e divertidas as histórias caracterizadas pelo exagero, classificadas como histórias de pescador. Chico Anísio, por exemplo, criou Pantaleão, típico mentiroso encontrável em todo o Brasil que se amparava na esposa Terta, submissa ou esquecida. Mas ele mente por puro folclore.
Na minha juventude havia um amigo nosso que era mentiroso apenas para se mostrar e socializar-se, para impressionar os seus ouvintes. Certa vez ele contou, lá no Clube Cabo Branco, que nos Estados Unidos inventaram um cigarro à prova d’água. E um amigo endossou, dizendo que mergulhou numa praia de Miami e queimou-se na piola de um desses cigarros.
Esses são exemplos simpáticos de mentirosos contumazes.
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Mas existe o mentiroso patológico, que mente naturalmente (rimou!), sem sentir que está mentindo, pois é uma coisa natural para ele. Ele diz uma mentira num dia, no dia seguinte desmente com outra. No terceiro dia desmente as duas com uma terceira mentira.
O patológico mente por doença. Por ser portador de algum distúrbio de comportamento. Ele deve ter começado a mentir na infância e não foi bem orientado. Emendou mentindo na adolescência, já apresentando sinais de desvio da personalidade. Pode mentir até mesmo por haver entrado mentindo na vida adulta e não ter sido tratado.
Mentir, para alguém assim, é algo natural, pois já faz parte da sua natureza. Assim como a sua indiferença (ou até mesmo por sentir prazer) pelo sofrimento ao sofrimento alheio. Pelo seu descaso com a situação de inferioridade em que alguém se encontre.
Indivíduo com tais características mente por não possuir valores éticos ou morais. Por nunca se achar errado, despido de remorso ou arrependimento. Geralmente é pessoa fria, sem sentimento. Ele mente, também, pelo fato de não ser minimamente honesto.
Mente ainda quando a mentira faz parte de alguma estratégia para tirar vantagens, para si ou para os seus. Como é o caso do uso e abuso das notícias falsas, por exemplo, que ajudam a formar uma falsa boa opinião sobre o mentiroso. Ou deformar caluniosamente algum seu adversário.
Podendo passar a vida toda despercebido, o mentiroso patológico geralmente se manifesta de forma deletéria, nociva, prejudicial a alguém. Ou a toda uma população. No caso de Adolf Hitler, quase destruiu o Mundo. Já o ex-presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, é um típico de mentiroso compulsivo, totalmente irresponsável, indiferente às consequências que a sua fala mentirosa possa vir a causar.
Trump deixou muitos admiradores mundo afora, pessoas que padecem da mesma psicopatia. É como diria o meu amigo Pêdim: “Pense num cabra mentiroso!”.
Esse tipo de comportamento já é muito bem estudado pela psiquiatria desde o século passado. Os psiquiatras o classificam com PP: Personalidade Psicopática. Segundo eles, a psiquiatria prende-se à frequência e à intensidade da mentira, o que pode fechar diagnóstico de uma PP.
Estudando as possíveis causas e consequências da personalidade psicopática, a psiquiatria muitas vezes a associa à oligofrenia. Pode ser congênita, devido ao fato de ter tido algum problema com o seu cérebro, durante a gravidez de sua mãe, por baixa oxigenação, talvez. Ou por desnutrição da mãe.
A personalidade psicopática também pode ser associada à hereditariedade, sendo relatados outros casos na família. A psiquiatria se preocupa também porque o portador de personalidade psicopática pode muitas vezes evoluir para o crime, como os assassinos em série.
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Não sabemos se esse é o caso do Grande Mentiroso. De repente me vem à mente as palavras do meu avô de Misericórdia, Josué Pedrosa: “Meu filho, quem mente rouba!”. Não sabemos ainda se o nosso mentiroso contumaz também rouba. Nem mesmo se é honesto. Só o tempo e o Ministério Público dirão.
Quando surgirem figuras como essa, e estiver ao nosso alcance, cabe à sociedade a tarefa de excluir esses tipos de doente e apelar para que a justiça os isolem para tratamento psiquiátrico.