COM A MORTE NA ALMA, por Francisco Barreto

Imagem meramente ilustrativa (Crédito: Senhora Terapia)

“Lembranças são lembranças, mesmo pobres; olha, pois, este jogo de exilado e vê se, entre as lembranças, te descobres”. Carlos Pena Filho

Nunca admiti, nem poderia, esquecer ou aniquilar as minhas doloridas lembranças de uma fase severa e brutal da minha juventude sob os coturnos militares. São cicatrizes irremovíveis.

E, a cada vez que afloram essas recordações, intensamente as vivo. Tenho a consciência de que o resgate delas não se cristalizaria enquanto memórias, mas como perversas imagens sempre recorrentes. E sei também, mesmo com o desencanto das más lembranças, que estas, quando compartilhadas, podem significar que desejei reeditar a amarga experiência de minha vida. E penso que, se alguém me guardar na memória, não terei ido embora sem deixar as marcas dos meus passos.

Já se profetizou – “quem fica na memória de alguém não morre”. E me guardará, se valer a pena.

Difícil é sempre editar a memória, quando se tem uma trajetória de fatos desabonadores. Fácil é buscar, e mergulhar no tempo, ainda que sofrido, e resgatar as lembranças honrosas que o coração nunca conseguirá arquivar.

É irônico, e lamentável, saber que as lembranças felizes raramente afloram. As más tendem a se perpetuar, como cicatrizes de fraturas expostas. São imagens de um passado desolador. Essas imagens negativas, vez por outra, são revividas, embora se escondam em ressentimentos indeléveis, porque exalam ferimentos, e dão asas à renegação de possíveis reprises como as que estamos vivendo.

Nestes tempos presentes nos aterrissam e nos assustam as dramáticas ameaças feitas por doentes que insistem na retomada dos ímpetos ditatoriais para sepultarem o Estado de Direito e a Democracia. Os que querem reinventar a maldade, os mesmos que advogam o cultivo de “ovos de serpentes” nos mostram que estamos diante de uma patologia que apregoa o sepultamento de uma sociedade atônita, e por vezes inconsciente.

Embora tenha decorrido mais de meio século a loucura, os desatinados, criminosamente e em grande número, insistem na infâmia ao conjugarem verbos que recitam o golpear instituições e pessoas como se faziam num monstruoso passado. Ditadura, prisões, torturas, mortes, exílios, cassações de direitos políticos, aniquilamento de instituições republicanas.

Não estamos mais diante de embates políticos e ideológicos entre direita e esquerda. Estamos asfixiados por atitudes que resvalam na vala comum de uma patologia do desequilíbrio mental coletiva que recorre e usa o ódio criminoso no exercício da maldade e da insanidade.

Retorna-se a reverberação de um maniqueísmo edificado à luz de graves e insanos desvios de personalidade que mitificam claros sinais de doença coletiva que os fazem abdicar de suas personalidades e consciência individual.

Com todas as ressalvas politicas e morais, parte da Nação brasileira agarrou-se com unhas e dentes para escapar do encilhamento da miséria humana. A nós, hoje, ainda não nos é permitido admitir que estamos a caminho do céu, sabemos apenas que procuramos nos distanciar do inferno. O tempo o dirá.

Aqui e agora, mesmo distantes e passadas as circunstâncias de uma tenebrosa e pretérita vida política, sabemos que o passado nunca desaparece. Guardamos sempre lembranças de eventos desoladores. A vida é feita de momentos bons e ruins. Os maus esmagam os bons. Somente a infância e a juventude, creio eu, são capazes de nos fazer reverberar antigos vestígios de felicidade. Recordações felizes alimentam a alma. as ruins machucam sempre o coração.

A miséria humana nos precipita a acreditar que no final de tudo poderemos ter a morte na alma política decretada pela desesperança e a maldade do ser humano.

Fernando Pessoa nos disse: “O meu passado é tudo quanto não consegui ser. Nem as sensações de momentos idos me são saudosas: o que se sente exige o momento; passado este, há um virar de página, e a história continua, mas não o texto”.

UM PRIMEIRO AMOR, por Babyne Gouvêa

Como lidar com o namoro dos filhos na adolescência

O local não podia ser mais propício para o início de uma paixão adolescente – um parque de diversões. A paisagem conduzida pelas rodas-gigantes, ostentando grandeza e um coletivo de cores e luzes, embalava os sonhos de uma menina-moça que se deliciava em receber em sua face o frescor de encantos inocentes.

Nessa paisagem lírica cruzou olhares com um jovem que parecia lhe procurar entre tantos outros rostos desconhecidos. Sentiu o seu coração disparar e enfrentou diversos sentimentos simultâneos, de prazer e de receios que nem ela sabia identificar.

Retornando à sua casa, não conseguiu dissimular o grau de contentamento estampado no semblante. A mãe, perspicaz em identificar sentimentos juvenis, procurou arrebatar-lhe confidências e com o seu jeitinho sedutor conseguiu ouvir da filha a evidência prevista.

Preocupações viriam, contudo. Vieram nas reações do pai e dos enciumados irmãos, que não admitiam a ideia da sua pequena – concepção assumida por eles – ter atingido a adolescência. Ameaças não intimidaram a jovem, resolvida a afrontar os desafios dando continuidade aos seus desejos, sem nada temer. Afinal, tinha a mãe aliada e confidente.

Foi difícil, mas foi possível retornar ao parque tentando rever aquele que lhe descobriu. As rodas-gigantes estavam ali servindo de testemunhas do encontro reluzente que sucederia.

A mocinha estava movida a expectativa e procurou entretenimentos tipicamente infantis, demarcando o seu limite infanto-juvenil. Enquanto sentia o vigor da alegria no alto de um dos brinquedos, visualizou aquele responsável por seus impulsos irrequietos.

Naquele instante, nada mais interessava a ela, apenas a certeza do olhar dele servia de motivação para a sua permanência ali. Desceu do brinquedo, mas não reencontrou quem tanto queria. Voltou desolada para casa. Tentou adormecer rapidamente para esquecer mais rápido ainda a enorme frustração que sentia.

Durante a noite, porém, uma suave música entoada por um violonista a despertou, num misto de sonho e realidade. Levantou-se um tanto trôpega de sono e, sorrateiramente, seguiu em direção ao som para se certificar sobre quem estava fazendo a serenata.

Identificou, entre as venezianas de uma janela da sala, o perfil moreno daquele que tinha lhe conquistado. Era ele regendo uma melodia para a sua pretensa namorada. De imediato ocorreu-lhe uma indagação: “Como ele soube onde moro?”. A ingenuidade não permitira, até então, perceber o interesse do rapaz nela, mesmo antes de ela saber.

No dia seguinte, a adolescente retorna ao parque com a graciosidade que lhe era natural e volta a circular exultante entre as dezenas de diversões, vestindo uma saia esvoaçante, fazendo movimentos suaves, imaturos, sem largar por um segundo sequer o pensamento fixo em encontrar aquele que seria o seu primeiro amor.

Entre um divertimento e outro, sem conter a ansiedade as mãos da mocinha começaram a suar, os pés gelaram – sinais de uma premonição – de que um cheiro amadeirado se acercava. Nesse momento, deu-se uma troca de pensamentos e vontades. Ela virou o rosto lateralmente e, de coração acelerado, viu-se na mira daqueles olhos negros que a seduziram de modo fulminante.

Ela e ele se aproximaram e com gestos tímidos de ambas as partes estranhas e novas palavras foram trocadas, enquanto o sentimento de atração brotava entre os dois. Sensações ardorosas de imediato tomaram conta dos enamorados.

Todo o entorno ganhou uma beleza exclusiva captada apenas pelos jovens protagonistas do romance que ali se instalava em suas vidas, marcando o começo de um namoro que de tão puro e encantador se fez único, belo e inesquecível.