CHEIRO DE LEITURA, por Babyne Gouvêa

Cada um com as suas manias. Tenho as minhas, e destaco uma pela qual sinto saudade: sentir o cheiro do jornal em papel. As mãos ficavam pretas mas o odor que exalava ao passar as páginas…humm, que prazer sentia.

Acompanhava meu pai à banca de jornais e fixava o olfato em cima deles. Primeiro era o cheiro, depois as manchetes na primeira folha.
Como conhecia os jornalistas que escreviam em alguns jornais e o dia que publicavam suas colunas, escolhia os que seriam comprados sem hesitar; com a concordância de quem ía pagar.

Já em casa começava o ritual da leitura. Meu pai decidia ser o primeiro a ler. Na lista de espera eu, como a caçula, era sempre a última. E o aroma acentuado do papel e/ou tinta da impressão ía se evaporando, à medida que passava por diversas mãos.

Quando chegava a minha vez, as folhas estavam fora de ordem e já não cheiravam tanto. Organizava o periódico e tentava dobrá-lo no estilo disposto na banca. Mas os amassos e o suor dos dedos dos leitores que me antecediam impediam a devida organização.

Dizia para mim mesma que um dia teria condições financeiras para comprar e ser a primeira a ler o dono do cheiro que tanto apreciava. Uma vez autossuficiente, passei a comprar os jornais do sudeste e os locais. Comparava os odores, e os do meu Estado eram melhores. Era explicável porque não passavam pelo desgaste do transporte que comprometia o aroma tão específico e agradável às minhas narinas.

O mesmo prazer sentido junto ao jornal se dá ao entrar numa livraria. Passeio entre as estantes e aspiro perfume no meu entorno. O cheiro do livro me fascina enquanto pego nele com cuidado, como preciosidade. Leio as suas partes introdutórias e avalio se me interessa. Em seguida devolvo o volume à prateleira ou adquiro para o meu deleite. O fato de permanecer neste ambiente me renova, e o exercício de ler e cheirar as páginas de um livro me fornece um crédito de leveza.

Seja numa livraria ou num local de venda de jornal – se é que ainda existe; confesso que desconheço -, uma coisa me irrita: ouvir alguém reclamando do preço. Isso denota falta de sensibilidade e conhecimento sobre o que propiciou o rico produto estar pronto e à disposição do leitor.

Leitura é essencial, de preferência que seja acompanhada de característico e aprazível aroma.

TRAJETÓRIA DE UM VISIONÁRIO, por Babyne Gouvêa

(Imagem: Urcamp)

Um jovem morador de uma grande cidade interiorana ambicionava desde criança ser prefeito. Cobiçava ver o seu município com bibliotecas nos diversos bairros, para auxiliar os habitantes ávidos por conhecimentos.

Essa ideia nasceu a partir de Dublin, que teve a oportunidade de conhecer por intermédio de leituras sobre a história da capital irlandesa. Essa cidade adota um sistema municipal de bibliotecas suficiente para atender às necessidades bibliográficas de sua população. Esse modelo de administração foi adotado antes do desenvolvimento econômico daquele país, na década de 80.

O jovem, quando aluno do ensino fundamental em escola pública,  ressentiu-se da ausência de um suporte de leitura. O despertar para a necessidade de bibliotecas surgiu nessa época de sua formação e a obstinação de ver a sua cidade suprida de bibliotecas continuou presente durante toda a sua trajetória de estudante.

Conseguiu entrar numa universidade pública, estudando com livros emprestados, cedidos generosamente por amigos dotados de situação financeira privilegiada. Fez a graduação em Ciências Políticas, com o propósito de reunir condições para administrar o seu município e afastá-lo dos índices alarmantes de analfabetismo em vários graus. Já graduado, candidatou-se a vereador com um slogan de campanha incentivando a leitura, mas não logrou êxito.

Foi aprovado num concurso público para o magistério, iniciando como docente do ensino fundamental. Imediatamente, colocou-se na posição do seu alunado recapitulando a sua própria experiência, diante da inexistência de apoios bibliográficos. Essa situação não desejava aos seus discípulos. O tempo passou, mas a conjuntura permaneceu a mesma.

Tomou a iniciativa de criar uma hemeroteca na escola, a partir de assinaturas de jornais, revistas e obras em série, com recursos financeiros próprios. Percebeu o interesse dos seus discentes pelo acervo que crescia rapidamente, já que eram coleções seriadas; essa demanda aumentou o seu entusiasmo, levando-o a conversar com alguns residentes do seu bairro e colegas professores.

O que de fato incentivaria os eleitores? Teria que ser algo ligado a livros e leitura. Iniciou um trabalho que lhe exigiu paciência e persistência, falando inicialmente com os alunos, seus grandes aliados e, posteriormente, com os pais. Em seguida, coordenou atividades de recreação, reunindo moradores da circunvizinhança da escola, com a intenção de atrair um bom número de pessoas para formar uma base de apoio à concretização do seu intento.

Convocou reuniões com os simpatizantes de sua candidatura e obteve críticas favoráveis à ideia da instalação de bibliotecas. Sentiu uma espécie de pontapé inicial; agora teria que identificar os formadores de opinião. Foi relativamente fácil apontar os líderes entre os apoiadores na escola, no seu bairro, nas entidades de classe e nos clubes recreativos.

Chegou o período das eleições municipais e ele se candidatou a uma vaga na Câmara de Vereadores. Dessa vez, conseguiu se eleger com razoável soma de votos. Ficou satisfeito com o perfil dos seus eleitores: intelectuais, escritores, jornalistas, educadores e até donas de casa, para a sua surpresa.

Durante o mandato trabalhou até a exaustão, com ideia fixa em seu objetivo – o de criar um sistema eficiente de bibliotecas.

A recompensa do seu empenho na Câmara foi o reconhecimento dos eleitores nas urnas, elegendo-o prefeito do município com uma representativa soma de votos. Formou o seu secretariado tomando por base a competência técnica para desenvolver o seu Plano de Governo. Os cargos das secretarias da Educação e Cultura foram devidamente preenchidos por especialistas, alinhados com a sua propositura administrativa.

As bibliotecas e salas de leitura foram instaladas nos bairros, contando com o apoio do empresariado local, e o sistema de bibliotecas ambulantes foi criado, atendendo os moradores do perímetro urbano e da periferia do município. A meta estava assim sendo atingida – tornar a leitura acessível a toda a população.

Implantou no Ensino Fundamental as disciplinas eletivas ‘Canto Orfeônico’, ‘Libras’ e ‘Braille’, procurando estender o aprendizado da leitura a grupos específicos. O resultado desse investimento foi favorável ao incremento de atividades sociais manifestadas em consultas à população.

Foram intensificados eventos artísticos e musicais e vários concursos na área da literatura foram realizados. Outras ações ocorreram por meio de projetos de cooperação técnica em parceria com vários âmbitos governamentais e diversos setores da sociedade civil.

O propósito das políticas públicas foi básico para a recondução do prefeito ao cargo. Em seu discurso de posse reiterou os benefícios nas áreas de educação e cultura como determinantes para o progresso da cidade sob a sua administração.

CARTA A UM ESCRITOR, por Babyne Gouvêa

Hildeberto Barbosa Filho, escritor (Foto: Substantivo Plural)

Professor Hildeberto,

Não sei se você me conhece, mas preciso lhe confessar que o seu texto ‘O Leitor Ideal’, de 12/06/21, deixou-me feliz e aliviada.

Sabe aquela sensação de estar plenamente sã? É o que está em mim depois de ler as suas citações sobre ‘Notas para uma definição do leitor ideal’, de Alberto Manguel.

Destaquei algumas delas onde me vejo. Sinceramente, Professor, não há presunção da minha parte. Só me sinto bem em me ver nelas.

“O leitor ideal não reconstrói uma história: ele a recria”. Essa premissa do Manguel é perfeita, é exatamente isso que ocorre comigo. As minhas fantasias tentam recriar o que li, transportando a narrativa para a minha experiência de vida. Vou fazendo complementações à leitura e também supressões, tentando me aproximar do protagonismo do enredo. Será que estou exagerando?

“O leitor ideal conhece a infelicidade”.
Concordo com você ao afirmar que o leitor ideal também conhece a felicidade; cita, inclusive, a frase ‘Ler é uma forma de felicidade’, de Jorge Luís Borges. Certíssimo.

Ao ler, transfiro o meu ser para a narrativa – sofro, fico feliz, sorrio;  deixo-me conduzir por meio do sentimento vestido de letras.

“Escrever nas margens é marca de um leitor ideal”. Outra citação oportuna que você faz do Manguel. Ah, professor, os meus livros são grifados, sublinho frases inteiras, destaco expressões, as setas são reprisadas quantas vezes necessárias, mas sempre usando lápis grafite. Tenho um zelo caprichado pelo livro em papel. No Kindle não há o perigo do dano.

“O leitor ideal quer chegar ao final do livro e ao mesmo tempo saber que o livro nunca acabará”. Você faz essa outra citação do Manguel e eu me encaixo direitinho.

Sabe que eu economizo a leitura quando o livro está muito bom? Serei mais clara – tenho receio que a história termine. Quando isso ocorre, bate uma vontade danada de dar continuidade, ler uma ‘parte II’. A partir daí, dou asas à imaginação e os pensamentos fluem…

Professor, concordo demais com o seu texto no Letra Lúdica. O livro não acaba, deixa saudade. Como você, também releio muitos escritores.

Como não reler os contos de Tchekhov? Os poemas de Pessoa ou de Bandeira?

Perdoe-me por ser um tanto repetitiva, mas não posso deixar de reiterar os meus agradecimentos por ter constatado a minha sanidade mental como leitora, graças ao seu texto.

Fraternalmente,

Babyne

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