Ascendino Leite morreu há mais de dez anos, mas não morreu o sonho dele de ver o Jaguaribe renascer como rio. Dele e de milhares que habitam João Pessoa desde os 60 do século passado, testemunhas da crescente agonia do hoje riacho prestes a morrer por sufocamento, feito paciente de covid em estado terminal.
Desfrutei certa proximidade com o aclamado escritor em 2007, se não me falha a memória pouca. Naquele ano, confiaram-me a coordenação do Conselho de Notáveis do velho Correio da Paraíba de guerra. Um colegiado de avaliação editorial no qual também luziam, além de Ascendino, estrelas como Sandra Moura, Luiz Augusto Crispim, Teotônio Neto e Afonso Pereira, entre outros luminares.
Nas reuniões quinzenais do órgão, invariavelmente Ascendino cobrava-me cobranças aos governos de todas as esferas. Cobranças que poderia fazer em socorro do Jaguaribe no espaço que me cabia. Era colunista do diário mais lido do Estado, à época líder de circulação e da força de opinião que até há pouco era uma das marcas do jornal impresso. Atendi. Escrevi artigos com fortes apelos em favor da causa. Em vão.
Ascendino, cidadão do mundo, das letras e do jornalismo, conhecia de leitura ou de ver de perto o que fizeram com rios urbanos na Europa, por exemplo. Sonhava algo parecido pro nosso Jaguaribe. Um rio desassoreado em toda a sua extensão, despoluído em todo o seu curso e leito, perenizado e volumoso o suficiente para servir, até, de via navegável para transportar gente e coisas.
Pois bem, a boa notícia é a nova e fortíssima chance de o Jaguaribe voltar a ser o rio dos sonhos do piancoense Ascendino e deste nativo da capital paraibana. A possibilidade vem do Programa João Pessoa Sustentável, que a prefeitura municipal, sob nova direção, garante fazer acontecer finalmente já a partir de abril próximo. Tudo graças ao apoio do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).
Esse apoio significa investir R$ 1,1 bilhão – metade bancada pelo governo municipal com recursos próprios – na melhoria da infraestrutura urbana, principalmente mediante recuperação de áreas degradadas da cidade. O Rio Jaguaribe foi incluído no grupo prioritário merecedor das primeiras doses da verba emprestada pela financeira internacional, segundo contrato negociado e fechado em gestões anteriores.
Negociado, fechado, mas muito pouco ou quase nada executado, o que teria exigido da nova gestão da Prefeitura da Capital razoável esforço para convencer o BID a desistir de cancelar o financiamento. Por inércia de aplicação. Mas isso é outra história, carente da apuração que permitirá concluí-la amanhã. Por hoje, importa mais lembrar Ascendino Leite e o sonho de que o Jaguaribe é mesmo um rio marcado pra renascer.