Nos anos 1960 as classes média e alta de João Pessoa careciam de opções de divertimento, noturnas ou diurnas, que permitissem o tipo mais apreciado de socialização da época: a paquera! Isso mesmo: a gostosa arte de flertar. Quem mais sentia falta eram os solteiros mais abastados.
À época existiam os clubes Astréa e Cabo Branco, que ofereciam diversões noturnas, porém voltadas para as famílias. Fora isso, resumia-se mais exatamente ao Jantar Dançante da boate do Clube Cabo Branco, em sua sede do bairro Miramar, pois o Astréa limitava-se mais às matinês dos domingos, que eram muito juvenis.
O Cabo Branco oferecia, também, as matinais com concursos de dança de iê-iê-iê, vencidos geralmente por Silvino Espínola e Mary Caldas.
Isso era voltado mais para o público jovem, adolescente, mesmo. As festas noturnas desses clubes, jantares dançantes incluídos, satisfaziam mais a necessidade dos casados. E alguns dançarinos inveterados, como Gilson Régis Toscano e Hilário Vieira.
Já os solteiros adultos jovens, os bravos e resistentes solteirões, como se viravam? A grande opção de diversão exclusiva para eles era o cabaré: Hosana, Normélia, Berta e outras matronas, com as suas portas abertas para os mais endinheirados. Mas eles precisavam de um local saudável, onde pudessem se encontrar e levar, por exemplo, a namorada.
Foi quando o jornalista, escritor, crítico de cinema e, principalmente, Agitador Cultural Wills Leal teve uma ideia brilhante: fundar um clube só de solteiros. E compartilhou com outros solteirões seus amigos: Gilson Melo, Napoleão Casado, Júlio Paulo Neto, Guilherme D’Ávila Lins, Tatá Monteiro, Roosevelt Curchatuz – o famoso Chucha; Heitor Santiago Filho, José Camelo.
Em maio de 1969, eles fundaram o Maravalha Praia Clube, na orla marítima de João Pessoa, mais exatamente em Tambaú, ao lado do edifício Cannes. Os três primeiros presidentes foram Heitor Santiago, José Camelo e Gilson Melo.
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O quadro inicial era de 43 sócios fundadores. Entre eles, além dos supracitados estavam Alberto Teixeira Filho, Aécio e Adauto Pereira, Antonio José Vasconcelos, Agamenon Falcão, Aylton Azevedo – o Bola; Caio Múcio Peixoto, Cleanto Pinto, Dr. Maurílio Almeida, José Gabínio, Max Zaeger, Eduardo Stukert e Marcos Massa, só para citar alguns deles.
Para associar-se foram estabelecidas luvas, mensalidade e todos os requisitos legais para o funcionamento de uma associação recreativa. Criaram um estatuto social bem prático onde a principal (e mais temida!) regra básica era simples: quem casasse seria expulso sumariamente. Sem direito a apelação!
Arthur Cantalice criou uma logomarca, que se baseava no azul do céu contrastando com o amarelo da areia da praia de Tambaú.
A partir de sua fundação, o Maravalha criou fama como o clube dos solteiros, como ambiente requintado e de bom gosto, tanto musical como gastronômico. A decoração, um tanto rústica, tinha como materiais básicos o tijolo aparente, a palha, a madeira e troncos de coqueiro. Um ambiente psicodélico, enfim.
Nas paredes muito bem decoradas com cartazes de filmes, pinturas e frases bem humoradas, destacava-se um aviso: “Faça do seu casamento uma arma: a vítima pode ser a sua sogra!”.
O clube era versátil, porque também boate, uma das primeiras de João Pessoa dotada de luz negra e luz estroboscópica. Com direito a sirene de ambulância.
A seleção musical, do cancioneiro brasileiro ao rock internacional, passando pela Bossa Nova e o Forró Pé-de-serra, ficava por conta do disc jockey Eduardo Sturkett. Tinha até ‘Je t’aime’, música proibida pela censura da ditadura.
Nas festas tradicionais o Maravalha promovia shows com música ao vivo, trazendo sempre uma atração nacional. Ao longo de sua existência, recebeu vários artistas e personalidades famosas como Jorge Amado, a Princesa Christiane de Orleans e Bragança, João do Vale, Marisa Rossi e Vanusa. Mas a visitante que deu mais trabalho, e causou maior frisson, foi a atriz Vera Fischer!
Realizou festas inesquecíveis, sempre com títulos muito criativos tipo “Dois Mil e Um Litros de Ron Montilla”, “Maravalha na Pilantragem”, “São João Maravalhano”, “O Maravalha Tá Assim de Gavião”, “O Maravalha Continua Assim de Gavião”, “Saudando o Homem na Lua”, “Eu Quero Uma Mulher” e “Continuo Querendo Outra Mulher”.
Criou um bloco que se destacava no carnaval do Clube Cabo Branco e fazia visitas diurnas etílicas a várias residências. Depois dos bailes, os sócios iam tomar o “Caldo do Rejuvenescimento” na casa de Gilson Melo, na Praia do Poço, seguido de uma esticada à ilha de Areia Vermelha “para pegar um bronze!”.
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Muitas eram as brincadeiras dos maravalhanos; imaginação não lhes faltava. Mas, provavelmente, a mais original era o ritual de bota-fora, a festa de desligamento do sócio que ia se casar.
Tudo feito de caráter solene, com muita seriedade, dividia-se em duas partes. A primeira, a despedida, quando se fazia uma longa oração em defesa do celibato, alertando o futuro ex-sócio para os constantes perigos do casamento.
Como o sócio não desistia, passavam para a segunda parte: a introdução ao mundo dos casados. O casal, atado pelas cinturas e vestindo avental, era obrigado a fazer uma série de obrigações caseiras, sob orientação dos maravalhanos. Depois, perfilavam-se com colheres de pau erguidas, em fila dupla, formando um corredor para o casal passar. Primeiro o noivo, depois a noiva. Ao chegar ao fim da fila, ela era apresentada pelo noivo como sua futura esposa.
Faziam, então, uma nova preleção sobre as mazelas do casamento e as vantagens de ser solteiro. Como o sócio continuasse decidido, então a madrinha do clube entregava ao casal um convite-permanente para frequentarem o Maravalha. A partir daí, o já ex-sócio somente poderia retornar ao clube com a esposa.
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Quem não fosse sócio só poderia frequentar o Maravalha na companhia de um associado. A condição é que levasse uma companhia feminina.
Entre os sócios havia intelectuais, industriais, comerciantes, oficiais do exército, gerentes de banco, magistrados, professores universitários, funcionários públicos, bancários graduados, entre muitos outros.
Diz o historiador Gilson Melo que o Maravalha foi frequentado por celebridades, tanto locais como visitantes: juízes, promotores, desembargadores, generais e outros oficiais, além do governador João Agripino e seus secretários. E também por muitas moças casadoiras.
Ainda segundo Gilson Melo, o clube sempre contou com colaboradores, como o galego Sindulfo Santiago, falecido há pouco, que doou os tijolos, e os artistas plásticos Breno Matos, Celene Sitônio, Raul Córdula e Flávio Tavares, que pintaram e fizeram decorações. Balduíno Lellis também ajudou nessa área
Posteriormente, à medida que os ex-solteiros iam saindo compulsoriamente, abriam espaço para os solteiros mais novos e endinheirados.
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Embora fosse uma agremiação exclusiva de solteiros, o Maravalha realizava almoços e jantares festivos, além da boate noturna. E era muito bem frequentado por alguns casais e outros ex-sócios. Destaque para Osvaldo e Zélia Jurema, Sindulfo de Assumpção Santiago, Helvety Cruz, Juarez e Nice Guedes, os pintores Raul Córdula, Archidy Picado e Artur Cantalice, o então Secretário de Comunicação Noaldo Dantas e o jornalista Saulo Barreto, entre muitos outros.
Ao longo de sua existência, o Maravalha manteve uma intensa atividade cultural, incluindo vernissages e lançamento de livros.
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O Maravalha teve um desdobramento interessante. E involuntário. Como rapazes mais jovens da sociedade, embora solteiros, não pudessem frequentar o clube, a saudosa comerciante Dona Creusa Pires criou um clube só para eles, o Cocada’s. Segundo o advogado Marcos Pires, filho da saudosa empresária e vereadora, muito tempo depois sua mãe confessou-lhe que fizera aquilo (financiou tudo, do aluguel casa ao bar e as instalações, inclusive a primeira luz negra da cidade) porque temia que ele e amigos da mesma idade, não tendo acesso ao Maravalha, “fossem para a rua fumar maconha”.
Josauro Paulo Neto foi o primeiro presidente do Cocada’s. Entre os sócios fundadores estavam Marcos Pires, além de Josauro, Josafá William e Ivan Santiago. Muitas histórias eles têm para contar…
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Anos depois, Wills Leal escreveu o livro “Eram Felizes e Sabiam”, onde registrou a história do Maravalha e os fatos mais pitorescos que ali aconteceram.
O Maravalha Praia Clube foi a concretização de um novo estilo de comportamento na sociedade paraibana, até então muito provinciana. Coincide a sua criação e afirmação com as mudanças profundas dos costumes e até mesmo de conceitos, como, por exemplo, sobre a virgindade.
Enquanto existiu, marcou de forma indelével a sua presença na sociedade pessoense.
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- Referências
Livro “Eram Felizes e Sabiam”, de Wills Leal
Gilson Melo, Historiador
Marcos Pires, Advogado