Há exatos 71 anos, no dia consagrado pela Igreja Católica a Santo Antônio, nascia David Trindade Filho, na cidade de Amargosa, no interior da Bahia. Seu pai, David Trindade, trabalhava, então, na agência local do Banco do Brasil. Quarto filho de David e Margot Trindade, Davizinho foi antecedido pelas irmãs Lia, Léa e Lae. Depois dele nasceu Dario.
Com o pai sendo transferido de agência em agência neste Nordeste, no dia 25 de janeiro de 1958 David veio morar em João Pessoa. Foi nessa data que nos conhecemos. Não foi um encontro amistoso: qual índios selvagens, recebemos David jogando pedras e caroços de mangas, abundantes na praça do Hospital Santa Isabel em frente às nossas casas. A amizade veio depois.
Dentro de uma família muito decente, pessoas finas, cultas e de bom-gosto, aos poucos nos aproximamos, a princípio como meninos. Depois, houve um interregno causado pela nossa diferença de idade. Por ser dois anos mais velho que ele, entrei na adolescência primeiro. Embora tão pequena a diferença, foi o suficiente para que eu me distanciasse.
Anos mais tarde, eu com 18 anos, David com 16, nos descobrimos. Fomos reapresentados pela música, gosto comum que nos reaproximou para o resto da vida. Desde então não nos afastamos mais. David aprendeu a tocar violão. Depois se revelou um excelente baixista, tocando contrabaixo no conjunto Diplomatas, formado por ele e mais três amigos. Vocês precisavam ouvi-lo tocar Mrs. Robinson na reinauguração do restaurante Cassino da Lagoa!
David tornou-se dono de uma cultura musical invejável. A sua coleção de LPs era imensa, rica e variada. De excelente gosto musical. Depois vieram os CDs, seguidos dos DVDs. Era a mais rica coleção de Beatles de João Pessoa.
Na nossa juventude nos divertimos à beça: serenatas, sinuca na AABB, acampamentos, viagens ao sertão. A Copa do Mundo de 1970 foi memorável na companhia dele. Depois nos casamos: ele com Fátima, em 1976; eu com Ilma, em 1977. Ele teve quatro filhos: Fernando, David Neto, Estevão e Lívia. Foi um pai extremado, fazendo de tudo o que podia e o que não podia pelos filhos.
Depois da morte do seu pai, David dedicou-se à sua mãe e a Dario, seu irmão especial. Sempre foi leal a todos da família. E aos amigos, também. Muito tarde sofreu vários reveses na vida, mas nunca foi de choramingar, nunca foi uma companhia amarga, apesar do nome de sua cidade natal. Umas pouquíssimas vezes divergimos de opinião, porém nada que justificasse uma ruptura na amizade. Pois nos conhecíamos tanto, sabíamos tanto um do outro, que relevávamos o que nos incomodasse.
David sempre foi uma pessoa prática, além de muito inteligente. Dominava todos os avanços da tecnologia, principalmente o computador. Era mestre na gravação de CDs e DVDs. A sua cultura musical não tinha limites.
Nas últimas duas décadas de vida, David revelou-se um exímio fotógrafo. Como sempre teve finesse, com o seu olhar clínico David passou a “escrever” poemas com a câmera.
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Depois de sobreviver a dois infartos do miocárdio, eis que foi acometido de uma trombose generalizada, levando embora justo o que ele tinha de melhor: a sua mente. Até que o destino achou que havia chegado a sua hora. Mas antes de partir ele realizou mais uma obra: revelou-nos que é possível encontrar a excelência dentro do SUS.
Ao longo da sua agonia, visitei-o quase diariamente no leito 5 daquela Unidade intensiva. Foi quando eu descobri que é possível se fazer uma medicina de excelência no Serviço Público. David me mostrou como trabalha uma equipe unida e competente, apesar das dificuldades enfrentadas pelas limitações do SUS.
Recebeu toda a assistência, possível e impossível. Nada lhe faltou: oxigênio, exames laboratoriais, medicamentos caríssimos, exames de elevada complexidade, assim como todos os tipos de antibióticos que lhe foram ministrados, na tentativa de salvá-lo.
Recebeu assistência médica, de enfermagem, odontológica, fisioterápica, psicológica, laboratorial. Seu leito era tratado com a máxima higiene possível. As equipes se sucediam, todas com o mesmo grau de competência, desde os médicos, bem representados pela Dra. Melissa, que nos prestava toda a atenção, dando todas as explicações, e pelo Dr. Fagner, que, como os seus colegas, nunca mediu esforços na luta contra a morte dos pacientes sob sua responsabilidade.
Assim como as equipes de enfermagem, muito bem representadas pela doce Jôzi e a elegante Chalismar. Não ficam por baixo as técnicas e os técnicos de enfermagem, todos muito competentes. E a equipe de limpeza, muito rigorosa com o asseio necessário para uma UTI. Pude observar que todos agem dessa forma com todos os pacientes que estiverem sob os seus cuidados, sem fazer distinção.
Durante o período, tivemos a oportunidade de observar o respeito e a responsabilidade dos porteiros e seguranças, todos muito bem educados e cordiais. Enfim, perdi um grande amigo. Mas ele deu a oportunidade de me apresentar um serviço de referência, dentro do serviço público: a UTI 2 do Hospital do Trauma Senador Humberto Lucena, de João Pessoa.