LOTAÇÃO, por Ana Lia Almeida

Imagem por mera ilustração (Foto: Domingos Peixoto/Agência O Globo)

Estou escapando, Janete… Na luta. Não gosto de reclamar. Quem muito lamenta, o coração não aguenta, é ou não é? Por exemplo, o bom de trabalhar dia de domingo é que a gente vai sentada. Quer dizer: tudo tem um lado bom e a gente precisa é ver por esse lado. Não ria não, que é verdade. Aí você me pegou, o lado bom dessa pandemia eu não sei qual é.

Menina, quando vamos sair dessa? Também, o povo todo no mundo pulando carnaval, se imprensando feito em ônibus lotado! Por isso fechou tudo novamente. Só não fecham o serviço de empregada, imagine só, eu, Rita, em casa no meu sofá assistindo Sessão da Tarde! Sonhar não custa nada, não é, ainda mais no sacolejo dessa lataria fedorenta, cheia de coronavírus.

Só quero ver se vão continuar nessa presepada de reduzir frota de ônibus, como se tivesse menos gente rodando, como se pobre pudesse ficar em casa. Porque essa história de romeófice não é para o nosso bico, a gente tem mais é que ganhar a vida na rua, infelizmente. Como pode, sem ônibus? Era para ter mais, não menos. Como disse o prefeito: “lugar de ônibus não é em garagem”. Aí está certo! Olhe, eu nem gosto daquele homem, mas com essa ele ganhou alguma moral comigo. Quem sabe agora essa frota aumenta um pouco e dá uma folguinha para nós. Todos os dias rezo para não pegar muito lotado, mas não tem jeito.

Você não vai acreditar: dia desses um sujeito estava do meu lado, aí na janela, onde você está, normal, tomando um vento a viagem inteira. Bonzinho todo. Pois quando esse homem foi descer começou a tossir, pigarrear, botou os olhos baixos, se fez de fraco, cambaleando, só para o pessoal abrir passagem. Estava muito, muito lotado. E ele no cofe-cofe, passando devagarinho. Quando chegou ali pelo meio do busú, aquela aglomeração, não passava nem vento. O rapaz começou a gritar: “Ó o corona, ó o corona”, fingindo espirro e tosse. Não deu outra, todo mundo abriu passagem na mesma hora, num instante ele desceu. É cada uma que o pessoal inventa, viu? Só assim anima o dia-a-dia imprensado da gente. Olha aí, o tal do lado bom, está vendo?

Pois eu vou indo, Janete, a próxima já é a minha parada. Lembranças ao pessoal todo da sua casa, quando as coisas melhorarem a gente organiza uma farofa na praia. Bom te ver. Um beijo de longe, que hoje em dia é assim.

  • Imagem acima por mera ilustração (Foto: Domingos Peixoto/Agência O Globo)

PAPAI NOEL ONLINE, por Ana Lia Almeida

(imagem do blogconverse.com, de Flávia Barbieri)

“Querido Papai Noel, esse ano eu quero um monte de presentes porque fui muito boazinha. Não fui no shopping, nem na praia, nem pra canto nenhum; eu também não quero nunca mais ir pras aulas online”.

Meu whatsapp agora está lotado de mensagens como essa. Como é que se responde a isso, meu Deus do céu? Não sei por que cargas d’água inventei de trabalhar de Papai Noel no meio da doidice dessa pandemia.

Bem que a psicóloga disse, no curso online da Escola de Papai Noel, que receberíamos pedidos estranhos e tínhamos de estar preparados para os desejos pouco convencionais das crianças esse ano.

Uma me pediu máscaras de presente, mais nada, disse que a dela estava frouxa e ela vivia com medo por causa disso. Várias pedem a cura para o coronavírus junto com os presentes. Teve um menino que foi direto ao assunto em sua carta de linha única: “Oi, Papai Noel, quero a vacina e um X-box”.

Pelo menos com as mensagens eu tenho algum tempo para pensar e posso pedir ajuda. Difícil mesmo é nas sessões online, quando as crianças pedem essas coisas e eu tenho que responder ali, na lata; ou então tenho de vê-las chorando por não ganhar um abraço. Ainda assim, prefiro esse contato do que o contato nenhum das lives ou das gravações do totem, horas e horas no estúdio fingindo interagir com as crianças.

O pior de tudo é que, mesmo com todo mundo morrendo de novo, o povo não para de lotar o shopping. Querem morrer comprando, agarrados aos produtos. Coisa mais esquisita esse tempo. E olha que eu já vi de tudo com esses 65 anos nas costas.

  • • Imagem que ilustra a crônica é do blogconverse.com, de Flávia Barbieri