E OS BURROS NÃO SE ENTENDERAM, por Jesus Fonseca

Imagem copiada de El País

No meu tempo de criança, quando minha família morava em Misericórdia, hoje Itaporanga, na Rua 5 de Agosto, havia quase em frente de nossa casa dois pés de ficus benjamina, conhecido mais como pé de figo. As árvores ficavam em frente à casa vizinha.

Naquela época, o Ficus ou Pé de Figo era a árvore que arborizava nossa cidade. Frondosa, propiciava muita sombra. Essas duas, que assistiam a nossa infância, distavam uns oito metros uma da outra, com suas copas entrelaçadas fornecendo-nos sombra até o meio da rua.

O terreno de terra batida, recebendo a sombra protetora, era o palco de nossas brincadeiras – batalha de caco de telha enterrado no chão, jogo de castanha, de bolinha de gude, amaré, peteca e muitos outros. Entretanto, a molecada se comprazia, às vezes, com outra, digamos assim, inusitada. Urinar num formigueiro! Perto do tronco de uma das árvores havia um cujos habitantes eram as destruidoras formigas de roça.

Durante o dia, se ninguém viesse incomodá-las, viam-se três ou quatro formiguinhas entrando e saindo daquele pequeno orifício na terra. Quando a meninada fazia sua traquinagem, urinando na entrada do formigueiro, num espaço curto de tempo, cinco segundos no máximo, um espetáculo impressionante acontecia! Centenas de formigas endemoniadas surgiam na boca do formigueiro e se espalhavam rapidamente, procurando picar o seu agressor.

A gritaria se fazia presente, cada um se afastando como podia das formigas embravecidas. Algumas vezes, um menino desprevenido sofria a sanha dos insetos. Gritos, choros e lamentos do desditado, risadas e gozações dos demais. E lá se foram os bons tempos de nossa 5 de Agosto. Não tínhamos a parafernália eletrônica de hoje, mas éramos felizes com nossos ”rudes” brinquedos, frutos de nossa imaginação.

Jamais meu cérebro me presentearia com o fruto destas recordações, se não fosse o desalento, a aflição enfurecida, em não saber o que fazer, daquela garotada, vendo seu espaço de lazer invadido por Otacílio de João Crizanto, como era conhecido, que aparentava ser pessoa de boa índole, risonho, brincalhão nos seus 22 ou 23 anos de idade. Morava no sítio Cajazeiras, propriedade dos Crizanto, daí o epíteto como era conhecido.

Vinha à cidade geralmente aos sábados, conduzindo, às vezes, um burro de carga, ocasião em que amarrava o animal num daqueles pés de figo, citados parágrafo acima. Devo dizer que, aos sábados e domingos, a meninada não se utilizava das sombras benfazejas das frondosas árvores, para seus folguedos semanais. Por que? Não sei explicar! Talvez em função da feira que acontecia naquele dia, lá em Misericórdia.

Contudo, me reporto aqui a um dia da semana, quando a molecada se comprazia com seus brinquedos embaixo das figueiras. Ignorando a criançada, Otacílio amarrou seu burro num dos pés de ‘figo’ e cheio de galhofa zombou dos meninos com chacotas – “cuidado o burro é brabo e é coiceiro!”.

Que fazer? Indefesos e privados maldosamente em suas brincadeiras, os meninos  resolveram dar o troco! Juntos, quatro ou cinco, passaram a urinar no bueiro das formigas e saírem em desabalada carreira para as calçadas em frente.

Segundos depois, o que se viu, foi um espetáculo dantesco! Centenas de formigas afloraram à boca do formigueiro em busca de seu agressor e o encontraram. O pobre do burro, atacado pelas terríveis cortadeiras, dava coice para tudo que era lado. Para cima, de lado, procurando se desvencilhar da corda que o segurava à arvore.

A garotada, nas calçadas em frente, se deleitava aos gritos com a cena.
Ouvindo a gritaria e o ronco do animal, Otacílio correu para solucionar o episódio. Ao tempo em que chegou próximo ao jegue, este conseguiu se soltar e lhe aplicou um tremendo coice saindo em desenfreada carreira, relinchando.
Restou a Otacílio, estatelado no chão com fortes dores, vociferar para garotada, a esta altura, silenciosa, talvez por medo, ante os impropérios do desditoso rapaz – “vocês não tem mãe, não, bando de ‘fi’ duma égua!”.