No dia em que a Constituição da República completou 28 anos, um grupo de procuradores da República escreveu e publicou ontem (5) carta aberta na qual pedem cautela a colegas para evitar que suas ações sirvam “a perseguições de qualquer natureza” e criticam, sem citar nomes, propostas do governo Temer que podem reformar os sistemas públicos de Saúde, de Educação e da Previdência e afetar direitos de minorias “sem o crivo das urnas”.
A manifestação dos procuradores, entre eles José Godoy e Sérgio Castro Pinto, que atuam no Ministério Público Federal (MPF) na Paraíba, traz ainda a assinatura do paraibano Luciano Mariz Maia, Subprocurador-Geral da República, e de Duciran Farena, atual procurador-regional dos Direitos Humanos em Recife (PE) e até o começo deste ano membro da equipe da Procuradoria da República em João Pessoa.
Em contraponto não explícito aos procuradores alinhados com a linha da força-tarefa da Operação Lava Jato, os autores e subscritores do manifesto defendem que a criminalidade e a corrupção devem ser enfrentadas “como prioridade máxima, mas permeada com a defesa dos direitos dos indivíduos, da sociedade e do próprio funcionamento da máquina pública”. Propõem que nesse enfrentamento, em vez de se entrincheirar num front essencialmente punitivo, o MPF aponte para “boas práticas na relação contratual do Estado com o setor privado e uma reforma política”.
Eis a Carta dos Procuradores, na íntegra
- Carta de 5 de Outubro de 2016: uma data para refletir sobre o Ministério Público
O Ministério Público é fruto de uma construção da Assembleia Nacional Constituinte de 1987-1988, a qual reuniu na mesma instituição o exercício de funções que, para muitos, seriam incompatíveis. Ele deve ser, ao mesmo tempo, agente da promoção do direito penal e dos direitos humanos, funções estas que a Constituição identifica como defesa dos direitos individuais indisponíveis, da ordem jurídica e do regime democrático. A responsabilidade pela defesa desses primados é a sua grande virtude e também o seu maior desafio, na medida em que às vezes eles parecem se contrapor.
Os membros do Ministério Público Federal que assinam esta Carta aproveitam esta data simbólica – aniversário da Constituição – para reafirmar que o mandato constitucional não nos permite defender quaisquer formas de violência, abusos e ilegalidades estatais, seja por parte dos sistemas de segurança pública ou de justiça. Sem dúvida, a criminalidade e a corrupção são dois graves fenômenos da realidade brasileira e merecem ser enfrentados como prioridade máxima, mas permeada com a defesa dos direitos dos indivíduos, da sociedade e do próprio funcionamento da máquina pública. A atuação nesses campos não pode ser apenas sob o viés punitivo, mas deve ter como objetivos finais a superação do quadro atual também por meio de medidas de reformas estruturais e, especialmente no caso da corrupção, busca de boas práticas na relação contratual do Estado com o setor privado e uma reforma política.
Finalmente, a história pede cautela, para evitar que ações motivadas em objetivos nobres e legítimos terminem servindo para perseguições de qualquer natureza. Não se pode perder de vista que a recente substituição da presidente eleita, independentemente de considerada legal e constitucional, foi uma medida política fortemente embasada em desdobramentos da atuação de órgãos do sistema de justiça. A responsabilidade institucional, neste caso, é ainda maior, pois contribuiu para alterar uma decisão manifestada em processo eleitoral. Tal fato precisa remeter o Ministério Público a um estado de redobrada atenção, tanto para com sua atuação, como em razão de anunciadas políticas que pretendem alterar o desenho do Estado brasileiro. Preocupa, em especial, o avanço de propostas de reformas no sistema público de saúde, na educação, na previdência social, nos direitos de minorias e comunidades tradicionais, as quais podem acabar sendo feitas sem o crivo das urnas. Decisões sobre direitos fundamentais, principalmente sociais, econômicos e culturais, pressupõem, mais do que nunca, discussão pública ampla, sob pena de ilegitimidade democrática.
Os signatários, portanto, convidam seus colegas e a sociedade a refletirmos juntos sobre o papel da instituição neste significativo momento da vida brasileira. E reafirmam sua convicção de que a missão do Ministério Público de defender o regime democrático e os direitos sociais e individuais indisponíveis iguala-se em importância e é plenamente compatível com a defesa da ordem jurídica em sentido estrito.
Álvaro Ricardo de Souza Cruz
Ana Paula Carvalho de Medeiros
Aurélio Virgílio Veiga Rios
Carolina Holn
Domingos Dresch da Silveira
Duciran Van Marsen Farena
Fabiano de Moraes
Edmundo Antônio Dias
Ela Wiecko
Eliana Pires Rocha
Eugênia Augusta Gonzaga
Eugênio Aragão
Helder Magno da Silva
Jorge Medeiros
José Godoy Bezerra de Souza
Julio José Araujo Júnior
Luciano Mariz Maia
Paulo Gilberto Cogo Leivas
Pedro Barbosa
Mara Oliveira
Mario Lúcio Avelar
Marlon Alberto Weichert
Osvaldo Heitor Junior
Raphael Luis Pereira Bevilaqua
Rodrigo Valdez de Oliveira
Sergio Rodrigo Pimentel de Castro Pinto
Sergio Suiama
Silmara Cristina Goulart
Wilson Rocha Fernandes Assis
(com o blog do Jota – jota.uol.com.br)
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