Ai de quem sofrer de rinite alérgica em tempos de Covid, como eu. Em público, as situações vexatórias que alergias proporcionam costumam ser bastante desagradáveis.
Estava em um supermercado, na minha primeira saída às compras depois de um longo período hibernada. Como esperado, um bom sentimento de liberdade tomou conta de mim. Tanto que nem percebi a proximidade de alguns caixotes empoeirados. De imediato, bateu a vontade de espirrar.
Corri para um lugar imaginando estar só, e espirrei. Estava de máscara PFF2, claro. Para minha surpresa, surgiu um cidadão que se encontrava no lado oposto da gôndola de laticínios, onde me aliviei. O ângulo onde me encontrava tornava impossível vê-lo.
Imaginem o que escutei. “Irresponsável”, foi o termo mais brando. Os pedidos de desculpas foram em vão. Expliquei que sofria de rinite alérgica e o que escutei em resposta não convém reproduzir aqui. Pediu para me afastar com gesto de quem enxota algo desprezível. Entendi o seu medo, mas não custava me ouvir.
Saí atormentada do local e jurei a mim mesma que voltaria ao sistema de delivery, até o último caso de Covid. Não pensei que um instante de liberdade me custasse tão caro.
Abro um parágrafo aqui para comentar como uma pessoa fica feia quando furiosa. Observei os sulcos vermelhos na sua testa e os olhos esbugalhados destilando ira. O cidadão já era fraquinho de feição, percebível mesmo de máscara. Imaginem raivoso.
Passados alguns dias, resolvi caminhar fora de casa, seguindo orientação médica. Escolhi o Parque Parahyba 2, onde aparentemente há número mais reduzido de pedestres. Outra vez fui tomada pela sensação de liberdade. Abri os braços, sentindo a brisa e, sem esconder o sorriso de contentamento, dei vazão ao prazer de estar ali bem viva e bastante disposta.
O entusiasmo me incentivou a dar umas carreiras, com intervalos de caminhadas. Estava indo muito bem até passar um caminhão com entulhos espalhando poeira. Pronto, foi suficiente para começar a sequência de espirros. Olhei de um lado pra outro e vi que ninguém se aproximava. Tranquilidade total.
Continuei caminhando. De repente, uma senhora surgiu do nada, atrás de mim. Fiquei firme, certa de que seria possível segurar outra vontade de espirrar. Ledo engano. Talvez sugestionada, o espirro começou a dar sinais.
Valha-me, Deus, nem aqui, a céu aberto, tenho o direito de ser alérgica? Pensei, concentrei-me e consegui conter a ameaça que estava me afligindo.
Ufa! Depois da tensão, corri lépida e fagueira. A liberdade tomou conta do meu corpo, literalmente. Deixou a minha mente completamente relaxada. Aproveitei a motivação para fazer exercícios nos aparelhos disponíveis no parque.
Eis que um cidadão, sósia de Humphrey Bogart, chegou para se exercitar. Entre o uso de um aparelho e outro, ele cuspia. Achei estranho. Afinal, aquele gesto não era compatível com um tipo hollywoodiano. Mas tem gente que não se desvencilha desse hábito e leva a público. Tive que respeitar.
Até aí, tudo bem. De repente, o parceiro de exercícios físicos começa a tossir. Hum, nada bom. Aquilo despertou em mim uma cisma e, simultaneamente, a alergia voltou a florescer. Um atchim saiu acelerado.
Ele olhou pra mim com cara de reprovação. Vi que não adiantaria qualquer explicação. Achei melhor usar a primeira pessoa do plural, nos envolvendo: “Estamos empatados”. Com um sorriso matreiro, ele mostrou-se cordato. Menos mal!
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