Confesso desconhecer o porquê de a mídia denominar de “Vacina de Vento” aquela em que o vacinador, inescrupulosamente, não injeta o conteúdo vacinal no músculo do braço do paciente.
A falha é que o criminoso vacinador não aspira a vacina para o interior da seringa, que logo fica apenas com o ar na parte compreendida entre o bico e o êmbolo da seringa. A seguir, injeta-o, em vez de vacina, na enganada e vulnerável vítima.
Não existe vento e sim ar atmosférico no interior de uma seringa. Recorrendo aos conhecimentos de Física ministrados no ensino médio, fica patente que a manchete “Vacina de Vento” não tem sustentação cientifica. Explico: no interior de uma seringa, cujo conteúdo é inexistente, ou seja, não foi colocado nela a vacina, inexiste vento e sim ar atmosférico.
Simples assim, como me ensinou o experiente professor Pelágio Nerício. Perguntado, ele se empolgou e começou a discorrer sobre os oito tipos de vento. Pra ser sincero, só me interessei pela paraibana brisa, notadamente por encontrá-la em João Pessoa.
Pelágio e os melhores dicionaristas concordam: “Vento é o ar atmosférico em movimento natural”. Logo, ensina o docente, a diferença entre vento e ar atmosférico é a movimentação da matéria. A diferença é mais de natureza física do que química. A citação da palavra ‘matéria’ ativou minhas conexões neuronais e lembrei-me de recorrer a um verdadeiro Professor de química, no caso José Carlos Godoi, pois, apesar de habilitado pelo Mec nesse campo do conhecimento, não me considero um professor de química.
Segundo o professor Godoi, a Química atesta que o ar e o vento são compostos da mesma matéria. Fisicamente, a diferença é a presença de movimento, presente no vento e ausente no ar atmosférico. E arrematou Godoi: “Logo, se um vento fosse introduzido numa seringa, imediatamente perderia o movimento, perderia sua identidade. Mudaria de vento para ar”. Assim, se essa matéria (que pesa 1,43g/L) fosse introduzida no músculo deltóide do paciente, seria sempre ar e nunca vento.
Conclui-se, portanto, que do ponto de vista científico – na química e na física – a expressão ‘vacina de vento’ é imprópria. O recomendável seria, indubitavelmente, ‘vacina de ar’. Mais precisamente, ar atmosférico.
VACINA DE VENTO OU VACINA AO VENTO?
Espero ter convencido o leitor de que cientificamente é impossível a existência de vento numa seringa. Quem insistir precisará de uma urgente assistência psiquiátrica (onde estaria o dr. Joao Leonardo Ribeiro Moraes?), pois configurar-se-ia um delírio patológico.
Só há uma maneira de manter o vocábulo “vento” no interior de uma seringa, usando a linguagem poética e os recursos do nosso vernáculo. Já dizia o fantástico Pinto do Monteiro, da cidade onde nasce o Rio Paraíba. Ele proclamava, orgulhoso: “Poeta é aquele que tira de onde não tem e bota onde não cabe”. Traduzindo: na prosa, tudo pode!
Mas nem precisa forçar a barra, usando a liberdade poética, para “salvar a existência de vento dentro da seringa”. Basta a mídia substituir ‘vacina de vento’ por ‘vacina ao vento’. Ou seja, uma simples saída preposicional. Mas diria o leitor: “Não seria trocar seis por meia dúzia?”.
Peço licença ao compositor pernambucano Accioly Neto e ao sanfoneiro monteirense Flávio José para argumentar a favor, tomando como fundamento a linda música “Espumas ao vento”. Basta o primeiro verso:
Sei que aí dentro ainda mora um pedacinho de mim
Um grande amor não se acaba assim
Feito espumas ao vento.
Vamos interpretá-lo à luz da temática da vacinação. ‘Um pedacinho de mim” seria a vacina anti-covid; “ainda mora”, habitar o corpo humano; e, “feito espuma de vento”, é mesmo que desaparecer, morrer, ou seja, ao vento, o que reforça a ideia de efemeridade. Logo, vacina ao vento sinalizaria para uma vacina que não ficou, que não foi injetada no organismo, que acabou, enfim, tal e qual diz o verso de Accioly Neto.
Concluindo, literariamente falando, “Vacina, ao vento!”, com virgula e ponto de exclamação, seria um nome cultural e possível candidata à substituta.
Mas a ciência é soberana. Os professores José Carlos Godói e Pelágio Nerício deram o respaldo à tese do autor de que a mídia troque o “Vacina de Vento” por “Vacina de Ar” e, como opção cultural, “Vacina, ao vento!”.
Aos professores do Colégio das Lourdinas de João Pessoa, Godói e Pelágio, e ao meu professor de psiquiatria João Leonardo, rendo as minhas homenagens.
Que os ventos soprem a nosso favor e todos sejam vacinados! Deus nos proteja.
- Eurípedes Mendonca é médico.
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Uma resposta para VACINAS DE VENTO? por Eurípedes Mendonça
Com um estilo divertidamente cartesiano, o nosso cronista faz uma análise bem humorada das dificuldades da vacinação em nosso Estado.
Muito boa, a crônica!