MINHA HISTÓRIA COM BIU RAMOS

Biu Ramos com os jornalistas Nonato Guedes e Gonzaga Rodrigues (Foto: Os Guedes)

Biu Ramos é jornalista por excelência e essência. Uso verbo no presente porque morte alguma seria capaz de lhe subtrair predicados tão naturais. Além do mais, ele é membro insubstituível do meu restrito clube de ídolos do jornalismo e da literatura.

E pensar que um dia ousei confrontá-lo, quando ele colunava em O Norte e o Correio me tinha como editor. Coisa pro comecinho dos 80, se a memória pouca não me trai. Biu, na contundência de sempre, por algum motivo deu uma traulitada daquelas no concorrente que ameaçava a liderança do à época todo poderoso carro-chefe dos Diários Associados na Paraíba.

Respondendo pelo jornal que me dera cabimento, escrevi editorial que o próprio Biu, na tréplica, qualificaria – e bem – de ‘furibundo’. Especialmente em razão do título infeliz da peça: ‘Linhas tortas’. Juro: não foi alusão às pernas de Garrincha do nosso craque do colunismo político. Irrefletidamente, apenas tomei emprestado de livro do Major Graça que estava relendo.

De qualquer modo, o troco de Biu deixou-me sem graça. Ele inferiu uma nada sutil referência ao seu problema físico. Fiquei muito mal por não ter atinado para o detalhe antes de intitular o texto. Arrependo-me até hoje não ter pedido desculpa. Somente assim ele saberia quem escreveu o editorial torto. Saberia ainda ter sido alguém que jamais poderia tratar de forma preconceituosa qualquer pessoa com deficiência. Até pelo simples fato de também ser uma.

Não fiquei apenas sem graça. Também não encontrei ânimo de esticar a corda. Seria inútil polemizar. Com ou sem razão, Biu era capaz de sustentar uma boa polêmica por dezenas de edições consecutivas. O próprio núcleo duro do Correio deve ter percebido a inutilidade da peleja. Tanto que algum tempo depois trouxe-o de volta à casa, para oferecer ao leitor o que havia de melhor na praça em matéria de opinião qualificada.

Claro que minha história com Biu não se resume a uma história besta feito essa. Não fui dos seus mais chegados, é verdade, mas me incluo entre as amizades que fizeram bom proveito da proximidade afetiva. Ele foi, por exemplo, um dos meus grandes eleitores quando inventei de disputar a presidência da Associação Paraibana de Imprensa (API) em 1987. Apoiou-me, mesmo tendo do outro lado o seu amigo-irmão Nonato Guedes, então presidente da entidade e apoiador declarado do saudoso Oduvaldo Batista, com quem concorri.

DEFENDENDO JA

Estou com um livro pronto para publicação. Cuida de histórias sobre relações de poder e poderosos na Paraíba. Ficção e realidade misturadas. Em um dos capítulos, uma mais do que gratificante colaboração de Biu Ramos. Que ele cometeu quando enviou carta à coluna que eu assinava no Correio no primeiro decênio do século em curso.

Reproduzo abaixo o que ele escreveu. Escreveu para rebater críticas e insinuações em torno do fato de João Agripino ter sido diretor da construtora Camargo Corrêa, que fez uma das maiores obras viárias da Paraíba ao tempo em que o velho JA de guerra nos governava. 

DIZ AÍ, BIU!

Devo lhe afirmar, meu caro Rubens, com a autoridade que me conferem cinquenta anos de exercício de jornalismo político, que, dos homens públicos da Paraíba, João Agripino foi, insofismavelmente, um paradigma de honradez, dignidade e espírito público, como poucos existiram na Paraíba, a exemplo de José Américo.

Depois que deixou o governo, Agripino ingressou na iniciativa privada indo ocupar uma diretoria no grupo Newton Rique, onde ficou por apenas seis meses, saindo para ser ministro do Tribunal de Contas da União, do qual foi presidente logo após o seu ingresso naquela corte.

Depois que se aposentou do TCU, Agripino foi convidado para uma vice-presidência do grupo Camargo Corrêa. Esta empresa havia executado a pavimentação asfáltica da BR-230, um dos principais marcos de seu governo, numa extensão de 750 km.

Agripino foi duramente censurado por alguns adversários por ter ingressado na Camargo Corrêa, insinuando-se que o emprego seria um prêmio pelas facilidades que teriam havido para execução da obra, esquecendo-se que outras empresas, de igual porte, também concorreram, entre elas a Gutierrez e a Metropolitana.

Os seus críticos também o acusaram de ter preterido empresas do Estado em favor de grupos do sul do país. Agripino, no entanto, não teve dificuldade em convencer a opinião pública de que não seria possível fazer uma estrada daquela dimensão com empresas de pequeno ou médio porte, sem capital de giro, sem equipamentos nem recursos financeiros para cumprir um organograma com prazos rigorosamente estabelecidos.

A Camargo Corrêa, durante o andamento dos trabalhos, chegou a acumular créditos de Cr$ 10 milhões, sem que tenha havido qualquer paralisação ou redução no ritmo das obras. Agripino foi convidado para integrar a equipe de executivos da Camargo Corrêa exatamente pela sua firmeza na fiscalização das obras e sua excepcional capacidade de avaliação dos trabalhos técnicos. Foi por méritos e não por favoritismo ou retribuição de qualquer natureza.

Só pra completar: apesar de ter ocupado os mais altos postos na vida pública e na iniciativa privada do país, João não deixou fortuna pessoal, conforme seu testamento publicado pela revista A Carta. Talvez tenha sido o único político brasileiro que teve o seu testamento divulgado publicamente.

Quando era governador, fez um empréstimo avalizado pelo seu ex-secretário Juarez Farias para comprar o anel de formatura do seu filho Gervásio. Saiu endividado do governo (Cr$ 300 mil) e chegou endividado ao Tribunal de Contas da União, onde se aposentou. Tudo isso está no meu livro ‘O Mago de Catolé’. É só conferir.

***

Lembra que confessei ter tirado proveito da amizade? Pois é…

  • Artigo publicado originalmente em 30 de agosto de 2018. Republicado por ser hoje (30) véspera do lançamento de ‘Biu Ramos: Timoneiro da Arca de Sonhos’, de Samuel Amaral, às 19h desta quinta-feira na Livraria União do Espaço Cultural, em João Pessoa

Jornalista lança na 5ª-feira biografia de Biu Ramos

Biu Ramos (Foto: Foto: Felipe Gesteira/Jornal da Paraíba)

O jornalista e escritor Samuel Amaral lança na quinta-feira (31), às 19h, na Livraria A União (Espaço Cultural, João Pessoa) o livro “Biu Ramos: o Timoneiro da Arca de Sonhos” (Editora A União, 2023). A biografia é resultado da dissertação de mestrado do autor, defendida em 2022 no Programa de Pós-Graduação em Jornalismo da Universidade Federal da Paraíba (PPJ-UFPB), sob orientação da também jornalista e Professora Doutora Joana Belarmino.

Severino Ramos Pedro da Silva, mais conhecido entre os leitores como Biu Ramos (1938-2018), foi um dos grandes nomes da história da imprensa, integrante da chamada “era de ouro” do jornalismo paraibano, com atuação marcante na segunda metade do século XX. Negro, de origem humilde e com uma deficiência congênita nos pés, Ramos enfrentou o racismo e uma série de preconceitos até firmar-se como um dos mais admirados textos do colunismo político do Estado, conquistando seu lugar por sua escrita impecável e atenção às questões sociais e políticas do seu tempo.

Ramos se destacou como um dos últimos polemistas da imprensa, com passagens pelos principais jornais do Estado, como Correio da Paraíba, O Norte, A União e O Momento. Também foi correspondente de importantes jornais nacionais, como o Jornal do Brasil e Folha de S. Paulo. Além disso, ocupou diversos cargos públicos, incluindo o de Secretário de Comunicação de João Pessoa, Procurador do Estado, Secretário de Cultural do Estado, diretor da Rádio Tabajara e do jornal A União, tendo enveredado pela carreira política ao se candidatar a deputado estadual em 1986.

Dividido em dez capítulos, 408 páginas, o livro é prefaciado pelo escritor e historiador Bruno Gaudêncio e apresentado pela professora, jornalista e escritora Joana Belarmino. A publicação também comemora o aniversário de Biu Ramos, que, se vivo estivesse, completaria 85 anos em agosto de 2023.

COMENTÁRIOS SOBRE A OBRA

Em “Biu Ramos: o timoneiro da Arca de sonhos”, Samuel Amaral apresenta uma ótima narrativa biográfica. Seu texto é bem construído, objetivo, claro e coerente, demonstrando uma pesquisa profunda que se baseou no rico acervo pessoal do próprio Biu Ramos. Além disso, o autor, habilmente, inclui depoimentos de pessoas que conviveram com o biografado, adicionando camadas de autenticidade e intimidade à narrativa. A precisão e minúcia de Amaral em seu processo de apuração são admiráveis, entregando ao leitor a complexidade que foi seu biografado (Bruno Gaudêncio – historiador e escritor, prefaciador do livro).

O primoroso trabalho da Editora A União entrega ao leitor não apenas a história do jornalista Biu Ramos, mas traz a lume, o nascimento do jornalista investigativo, do jovem e persistente escavador de memórias, Samuel Amaral Veras Bonifácio, que tem a sede pela recuperação do passado da profissão e quer dar a conhecer, através da sua narrativa, os nomes e as cenas desse tempo em que o jornal do dia seguinte fazia sentido e criava opinião na Paraíba (Joana Belarmino de Sousa – professora, jornalista e escritora).

Por várias décadas, Biu Ramos registrou, com sua “metralhadora datilográfica”, os principais acontecimentos e polêmicas na Paraíba. Sua narrativa fluida e apaixonada marcou época no jornalismo paraibano com estilo próprio, conquistando muitos admiradores e desafetos. Entretanto, sua contribuição ao jornalismo ainda não foi devidamente reconhecida pelas novas gerações. A obra de Samuel Amaral corrige esta lacuna na história do jornalismo local, com um texto fundamentado historicamente, envolvente e sofisticado, próprio do jornalismo literário (Glória Rabay – professora e jornalista).

As referências sobre a história do Jornalismo ganham uma obra valiosa: Biu Ramos: o timoneiro da Arca de Sonhos, do paraibano Samuel Amaral, jornalista, pesquisador, escritor. É uma leitura que incentiva o desejo de conhecer e se espraiar pelos caminhos e métodos dos/das jornalistas que constroem o arcabouço da história paraibana. Transitar pela narrativa de Samuel Amaral nos faz compreender a tessitura de acontecimentos políticos, socioeconômicos, vividos e narrados através de uma construção textual que deságua em uma linguagem jornalística clara, simples e objetiva. Biu Ramos fez história e Samuel Amaral registrou! (Suelly Maux – professora e jornalista)

A obra intitulada ‘Biu Ramos: o timoneiro da Arca de sonhos’, da autoria de Samuel Amaral, é uma ode à vida e obra de um dos mais significativos jornalistas e escritores paraibanos, Severino Ramos Pedro da Silva (1938-2018). Sob a perspectiva teórica de Pierre Bourdieu, Biu Ramos foi um profissional em seus estados sucessivos de movimento, capaz de imprimir seu estilo marcante na imprensa paraibana e no fazer literário memorial. Ler é deleite! (Bernardina Freire – professora e presidente da Academia Feminina de Letras e Artes da Paraíba).

  • Texto de divulgação gentilmente cedido por Samuel Amaral

CARNAÚBA, por Rubens Nóbrega

Casa da Memória de Dona Inês (prédio pintado de amarelo, em imagem copiada de destinoparaiba.pb.gov.br)

Demorei quase 60 anos para subir de novo a Serra de Dona Inês. Voltei lá no último dia 19, a convite do escritor Ramalho Leite. Ele me deu o cabimento de apresentar seu livro de memórias – ‘Era o que tinha a dizer’ – em memorável noite de lançamento na Casa da Memória da cidade.

Reapaixonei-me pelo lugar que a viagem tirou da parede de lembranças da minha infância. Lembranças imprecisas de um tempo que rememorei graças a vestígios de férias na Carnaúba, vasta terra inesense que pertenceu a Joca e a Severina Barbosa, pais de Maria Aparecida, minha adorada mãe.

Este neto não chamava um ou outro pelo nome que o povo de fora chamava. Ele era Padim Joca; ela, Mãe Ina. E do baixinho forte quase sempre carrancudo, plantador de agave e criador de gado, guardo bem a repreensão a qualquer algazarra de criança ou mesmo de adulto na sua presença.

“Homem de muito riso é homem de pouco siso”, ralhava. “Oxe, Joca, menino é assim mesmo”, rebatia minha avó, fazedora do queijo mais gostoso do universo. Adorava ainda mais o de manteiga, que ela esparramava até a borda dos pratinhos de ágata arrumados sobre a mesa do café da madrugada.

“Pera, menino… Come agora não… Vai queimar a boca”, alertava inutilmente. Esperar o quê? Bastava amornar um pouquinho. O guloso aqui não esperava, super ansioso para devorar aquele caldo grosso amarelinho, fumegante. Não esperava mesmo o esfriamento que daria consistência àquela delícia.

Após dois ou três minutos de sopros intensos, simultâneos a muitas mexidas com uma colher, engolia tudo avidamente. Mesmo de bucho já cheio do leite espumoso e quentinho que meu avô chiringava no copo grande de alumínio, forrado de açúcar, quando ordenhava uma holandesa no curral da fazenda.

Não deu tempo passar na Carnaúba no final de semana que passou. Ficou para uma próxima visita, que farei com mais tempo para conhecer mais de Dona Inês. Que, pelo pouco visto ou revivido, tem agora tudo para ser a bola da vez nos roteiros turísticos e rotas culturais do interior da Paraíba.

Atrativos e encantos não faltam, guiados por uma gestão aberta às boas políticas e práticas de educação, cultura e turismo. Para tanto, Dona Inês reuniu gente muito boa e competente para promover o que é bom e faz bem, lembrando-me bastante o desabrochar de Bananeiras, quase 20 anos atrás.

UMA NOVA FARSA HISTÓRICA? por José Mário Espínola

Al Capone (Imagem: www.history.com)

Já estamos todos cansados de ouvir que a história só se repete sob a forma de uma farsa. Sabemos que não é bem assim. Muitos fatos históricos se repetiram de forma muito semelhante, porém bem identificados com o presente. O mais recente foi a repetição do caso da prisão do Al Capone, acontecida em 1931.

Alphonse Gabriel Capone, ítalo-americano nascido em Nova Iorque em 1899, tornou-se um gangster muito temido, pois era um matador cruel, e quando ele próprio não matava tinha muitos assassinos que fizeram o trabalho a seu mando. Porém nunca pagou pelas muitas mortes que foi responsável.

Capone ingressou no crime aos 11 anos, em Nova Iorque, pelas mãos do gangster também ítalo-americano Johnny Torrio. Depois Torrio mudou-se para Chicago, convidado pelo gangster Big Jim Colosimo. Em 1920 o Congresso americano aprovou a Lei Seca, que durou até 1933. Surgia aí um bom filão, que renderia muitos milhões de dólares aos gângsteres. Porém Colosimo não quis entrar no comércio ilegal de bebidas alcoólicas, que eram contrabandeadas do Canadá.

Então Torrio planejou e executou o assassinato de Cosimo, e tornou-se o chefe da máfia de Chicago. Capone, então, foi levado por seu padrinho para Chicago, para trabalhar como segurança de um bordel. Em 1925 Johnny Torrio caiu numa cilada e sobreviveu com ferimentos graves. Então se afastou, deixando Capone como chefe.

Após tornar-se chefe da máfia de Chicago, Capone ganhou milhões de dólares com venda ilegal de bebidas alcoólicas, prostituição, jogo ilegal, agiotagem, cafetinagem e tráfico de drogas. Ele não cometia os crimes sozinho. Obedecendo as suas ordens, seus capangas invadiam territórios, cobravam proteção, abriam cassinos clandestinos, contrabandeavam bebidas alcoólicas na fronteira com o Canadá, e drogas vindo da fronteira com o México e dos principais portos dos Estados Unidos.

Capone foi preso em 1931, julgado e condenado por um motivo prosaico: sonegar o imposto de rendas. Pois nunca conseguiram provar os piores crimes que cometeu: assassinatos cruéis, geralmente de rivais.

Capone morreu no leito em casa, acometido de complicações das seqüelas da sífilis. Portanto morreu sem ser punido pela justiça dos homens por tantas mortes pelas quais foi responsabilizado. Se o foi pela justiça de Deus, há controvérsias.

***

Numa farsa com desfecho parecido com o da história de Al Capone, o messias de muitos brasileiros viveu a vida de um parlamentar medíocre, no porão do baixo-clero da Câmara Federal. Até que um dia foi escolhido para encarnar o bezerro de ouro de um golpe contra a democracia.

Forças não muito ocultas, da direita brasileira, incomodadas com as conquistas sociais das minorias do país, aproveitando o péssimo momento que a esquerda vivia, produto da incompetência administrativa com um panorama mundial desfavorável, organizaram um golpe em surdina.

Aglutinaram a extrema-direita, segmento importante das Forças Armadas, a elite brasileira, os evangélicos, boa parte do empresariado e o agro-negócio. Para essa operação dar certo, eram necessárias duas medidas: tirar de cena o principal candidato popular; e encontrar um candidato que tivesse grande apelo.

Alguns elementos do judiciário, que professam a mesma ideologia, encarregaram-se de tornar o candidato da esquerda inelegível. E elementos pertencentes às Forças Armadas prepararam o candidato da direita. Foi, então, escolhido o Inconfessável.

Hoje sabemos como a história aconteceu.

***

Esse falso messias presidiu o Brasil por quatro anos, realizando péssimo governo. Foi o pior mandatário que o Brasil já teve, depois de Pedro Álvares Cabral. E olha que Cabral nunca governou, apenas descobriu, tomou posse e foi simbora pras Índias. Portanto ele é hors concours em incompetência para administrar um país. Ele destacou-se por ações que prejudicaram milhões de brasileiros, inclusive causando mortes. Veremos algumas.

Fez de tudo para acabar com a saúde pública, até que conseguiu. Com ciúmes do seu primeiro ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, que estava realizando excelente trabalho profissional na contenção da doença no Brasil, ele forçou a demissão deste, e em seu lugar colocou um militar incompetente, porém capacho, subserviente.

Este cidadão, seguindo obedientemente as ordens do chefe, começou pelo desmantelamento do Programa Nacional de Imunização. O PNI, criado no governo militar, posteriormente foi valorizado e aperfeiçoado pelos governos civis que sucederam a ditadura. Até 2018 o PNI era a menina dos olhos do Ministério da Saúde. Era tão eficiente que se tornou modelo para as outras nações; era realmente o melhor do mundo.

A maior conseqüência, e mais imediata, foi a negação da vacina contra covid 19, que se tivesse sido adquirida e distribuída quando foi oferecida a ele, ainda em 2020, poderia ter evitado a morte de centenas de milhares de brasileiros.

O SUS foi totalmente sucateado, com prejuízo inestimável para a população que não tem plano de saúde, especialmente em programas como o da Farmácia Básica. Além da quebra do Ministério da Saúde, o cidadão ordenou a invasão da Amazônia, levando o crime e a poluição para a região, com a morte de muitos indígenas que lá habitavam.

Também provocou o desmantelamento do Ministério da Educação, causando o atraso de uma década para a educação do Brasil. E a sabotagem da Cultura e da Ciência. Em todos os ministérios deixou o mal-cheiro de alguma coisa errada.
Armou boa parte da população civil, tendo como conseqüência o aumento da violência, além do abastecimento de armas para o crime. Paralelo a tudo isso, deu ordens para realizar a contaminação ideológica das polícias militares, das Forças Armadas e da Polícia Rodoviária Federal. Tudo foi cumprido por seus sicários.

Pois bem, qual Al Capone, o nosso miliciano será preso por um motivo prosaico: o furto de jóias! É o que está se desenhando. Ele não pagará pelas mortes que provocou, por ação ou por omissão. A não ser que seja enviado à corte do Tribunal Penal de Haia. Mas, por enquanto o seu destino será outro.

***

De alguns pra cá. Por onde ando eu tenho a sensação de ouvir um côro crescente. É semelhante ao início de uma música de Chico Buarque. A bela canção Apesar de Você, de 1978, de Chico Buarque de Holanda, inicia com um côro crescente:

Amanhã, vai ser outro dia
Amanhã, vai ser outro dia
Amanhã, vai ser outro dia

Pois o momento me evoca essa canção, justamente no seu início, porém com outras palavras. Para onde eu vou, ouço o côro como num Maracanã lotado: 

Papuda!
Papuda!
PAPUDA!

Participação – Mangabacast

Acompanhem ao vivo às 20h.

https://youtube.com/live/I3Ruw4arWtY?feature=share

RAMALHO AINDA NÃO DISSE TUDO, por Rubens Nóbrega

O escritor Ramalho Leite

Agradeço de alma e coração o convite para estar aqui esta noite, para viver este momento. Agradeço especialmente ao escritor Ramalho Leite, que me dá a honrosa chance de apresentar, pela primeira vez, o livro de um autor consagrado. E logo um livro sucesso de público e crítica como esse ‘Era o que tinha a dizer’.

Confesso que não é fácil para mim vir aqui e falar em público, diante de assistência tão qualificada. Digo assim porque sou portador de crônica timidez que me acompanha por toda a vida. E é algo que só piora quando faltam ao orador uma estampa razoável e voz de boa dicção que ajudem a esconder naturais defeitos de oratória ou carência de conteúdo.

Mas não poderia dizer não, jamais diria não, a uma convocação de Ramalho Leite. E o faço tentando vencer todas as minhas inibições, mas contando com a indulgência de todos vocês que vindo aqui confirmam todas as minhas expectativas de quão bonita e acolhedora é Dona Inês, terra que visitei algumas vezes, ainda muito criança, quando vinha passar dias ou férias na fazenda Carnaúba, então propriedade de Seu Joca Barbosa e Dona Severina, meus avós maternos.

Bom, eis-me aqui escalando e forçando uma fluência e uma descontração que só desaparecem por completo quando me vejo só, diante de uma tela, de um teclado e cercado por quatro paredes. É exatamente nesse ambiente, entre quatro paredes, onde faço a segunda coisa que mais gosto, que é escrever. A primeira, lógico, é dormir.

Bem, neste ‘Era o que tinha a dizer’ o autor revela e expõe suas mais escolhidas memórias. Digo escolhidas porque, obviamente, nem todas as vivências e experiências de Ramalho poderiam ser acolhidas em apenas um volume. Teria que escrever uma trilogia, no mínimo, para comportar tudo o que esse multifacetado e criativo ser humano tem para contar.

Inclusive porque esse livro traz, em retrospectiva, a história da Paraíba e de sua gente nos últimos 70 anos. A obra reúne em suas páginas tanto as histórias dos ilustres como as histórias dos mais comuns dos mortais. Seu protagonista e coadjuvantes estão expostos em suas vidas públicas e privadas, em suas vertentes e variantes políticas, sociais e econômicas.

Ramalho experimentou todas as variações, humores e eventos do seu tempo. De um tempo que também é nosso, no papel de testemunhas ou figurantes, mas contemporâneos dele e daqueles que remanescem sobre a terra e debaixo do céu há tanto tempo quanto ele.

Daí por que, sem prejuízo de que venha a escrever os volumes dois, três ou mais da presumida série, este ‘Era o que tinha a dizer’ pode até não esgotar, mas já diz muito do homem e cidadão que atende pelo nome de Severino Ramalho Leite. Uma pessoa que botei na conta de amigo-irmão mais velho, a quem aprendi a admirar por sua inteligência, sua conhecida verve e reconhecida integridade moral.

No quesito da integridade, aliás, que soma seriedade à capacidade de trabalho em tudo a que se destina e se empenha, não há como não destacar a eficiência proativa com que Ramalho exerceu funções de Promotor de Justiça ou de Procurador do Estado. Não há como esquecer que também se destacou a serviço do público através de missões que cumpriu. Tanto com o talento de jornalista quanto com a habilidade de político que conquistou mandatos de deputado estadual e federal e postos de alta direção no Banco do Nordeste e no primeiro escalão do Governo da Paraíba.

Mas a versão escritor-barra-historiador é, sem dúvida, a melhor desse filho de Dona Eurídice e de Seu Arlindo. Prova maior é esse livro que me causa certa e boa inveja, particularmente por ter sido editado e revisado pelos queridos amigos em comum que são os inesquecíveis Juca Pontes e Martinho Moreira Franco.

Temos aqui, realmente, o melhor de Ramalho Leite. Quem ler ‘Era o que tinha a dizer’ vai se deparar com um texto primoroso de um memorialista cuidadoso, dono não apenas de uma memória prodigiosa, mas, sobretudo, de obra extremamente enriquecida por uma pesquisa criteriosa que dá brilho e consistência ao seu relato e nos fornece incríveis detalhes de uma história de vida admirável.

Tudo isso narrado com arte da melhor escrita, capaz de envolver o leitor em todas as emoções, alegrias e tristezas contadas por Ramalho, por ele vividas com todos aqueles que compõem seu entorno afetivo mais próximo e mais amado. E nesse universo, não tenham dúvidas, é onde impera a sua inseparável e insuperável Marta, que é, sem dúvida, a sua maior expressão e melhor referência. Dela própria e de Ramalho Leite.

  • Texto de apresentação do livro ‘Era o que tinha a dizer’, de Ramalho Leite, lançado na noite do sábado 19 de agosto do ano da graça de 2023, no Café Literário do Espaço da Memória da cidade de Dona Inês, Curimataú Paraibano, evento promovido pela Secretaria Municipal de Cultura

DE ESCOLA A PALÁCIO, por Frutuoso Chaves

Fotos: Antônio David (em álbum com textos do autor e de Gonzaga Rodrigues)

Um prédio histórico, no Centro de João Pessoa, a Capital paraibana, remete o visitante a um dos episódios mais tocantes de toda a longa história da cidade.

Inaugurado em 30 de março de 1919, com o paraibano Epitácio Pessoa no comando do País, o prédio foi feito para abrigar a Escola Normal então reclamada por mães e pais desejosos da graduação das filhas no curso que, tão logo concluído, a estas garantiria o emprego de professoras.

Diga-se que nas primeiras décadas do Século 20 era estreito o leque de profissões reservadas às mocinhas. As escolas profissionalizantes mal atendiam aos meninos mais pobres, aqueles em busca das artes gráficas, ou das funções de serralheiros e torneiros mecânicos. Os mais abastados, enquanto isso, corriam de oficinas e chãos de fábrica como o diabo da cruz. Era o tempo de uma classe média de nariz torcido para atividades das quais resultassem mãos sujas de graxa e esforço físico. Era, em tais circunstâncias, o tempo do bacharelismo.

Muito se passaria até a atração da garotada de ambos os sexos pelas Escolas Técnicas de hoje com seus computadores, laboratórios assépticos como salas cirúrgicas e cursos que vão da Engenharia às Ciências do Meio Ambiente.

Em inícios do Século passado, a Escola Normal construída a mando de Epitácio atendia, portanto, à aspiração das famílias com filhas aptas à matrícula no segundo grau. E havia certo charme nisso. Basta lembrar que o termo “escola normal” teve o primeiro uso na França que adotava da Alemanha o sistema de ensino pedagógico.

A erguida em João Pessoa seria palco de uma tragédia ocorrida em 22 de setembro de 1923: o assassinato de Sady Castor, aluno do Liceu Paraibano, pelo Guarda de número 33 então empenhado em cumprir a proibição da diretoria ao namoro das alunas. Sady ali fora ao encontro de Ágaba.

Os disparos que o abateram atingiriam, também, dada a revolta da cidade, o prestígio do governador Solon de Lucena. Este determinou a suspensão das aulas por 15 dias, tanto na Escola Normal quanto no Liceu. Mas a comoção popular estava, ainda, incompleta. Pouco tempo depois, Ágaba se mata.

O fato me vem à mente com o reencontro do álbum “De Escola a Palácio” que eu, o também jornalista Gonzaga Rodrigues e o fotógrafo Antonio David produzimos quando da restauração, em 1998, do prédio já há muito ocupado pelo Tribunal de Justiça. A obra encomendada pelo desembargador Raphael Carneiro Arnaud, então presidente da Casa, teve programação visual do saudoso Milton Nóbrega e editoração eletrônica de
Martinho Sampaio, dois craques em suas áreas.

Gonzaga – que nesse álbum reproduz a comovente história do jovem casal por ele ouvida do historiador Deusdedit Leitão – lembra que a retreta da então Praça Comendador Felizardo (atual Praça João Pessoa) passou a tocar a “Valsa de Ágaba”, com letra de Eudes Barros e música de Camilo Ribeiro. Comovente, não?

E ME VEM O LAMBE-LAMBE, por Frutuoso Chaves

Imagem de bafafa.com.br

Em 19 de agosto de 1839, lá se vão 184 anos, a Academia Francesa de Ciências fazia o anúncio mundial de um invento novo: o daguerreótipo. Louis Daguerre, com tal coisa, então inspiraria o desenvolvimento das máquinas fotográficas. Isso explica a escolha dessa data como Dia Mundial da Fotografia. Dela mesma, da fotografia, porquanto aos fotógrafos está consagrado o 8 de janeiro.

Mas é dos antigos fotógrafos das praças que sempre lembro nessas duas ocasiões. Eles se instalavam a céu aberto com suas câmaras, tripés e banquinhos. Também, com um pano estendido por trás do freguês, a fim de encobrir a paisagem ao fundo feita de carros, prédios e gente.

Mais atuaram no tempo em que os preços dos estúdios estavam além da capacidade de desembolso de muita gente. No tempo, ainda, em que as câmaras digitais, com seus recursos para selfies e vídeos, estavam longe da imaginação, até mesmo, dos amantes da ficção científica.

Foram muito requisitados para as fotos de documentos, aquelas, em 3 x 4, que se destinavam às carteiras de identidade e do trabalho, ou às fichas funcionais. Nesses casos, o paletó e a gravata estavam, ali, à disposição de qualquer um. E serviam a todos: gordos e magros, grandes e pequenos. Afinal, os ajustes de alfaiate seriam substituídos por cuidados no enquadramento, com cortes precisos na largura exata dos ombros e à altura do primeiro botão do cliente, logo acima do umbigo.

Atendiam por “lambe-lambe” e podiam, também, retratar casais, fossem de anciãos, ou namorados. Era quando o pano branco cedia vez a uma tela com paisagens. Praias com coqueiros e o Cristo Redentor foram a muitas paredes de casinhas nas roças e pés de serra habitadas por quem nunca viu o mar nem o Rio de Janeiro.

Conta-se que o apelido adveio do hábito de tocar as fotos com a língua durante a lavagem, a fim de avaliar a emulsão das substâncias utilizadas na revelação e fixação das imagens.

Até a década de 1960, era comum vê-los nas praças das capitais e cidades de porte médio com suas máquinas assemelhadas a caixotes de metal e madeira revestidos de couro cru e parcialmente cobertos por um saco preto com três aberturas onde enfiavam a cabeça e os braços na hora de bater e revelar cada retrato.

Eu não consigo pensar neles sem que me venham à mente um mundo melhor, mais calmo e uma vida mais bela e justa. Entendo que muitas pracinhas deste Brasil imenso deveriam conter estátuas suas, ou de suas máquinas. Por décadas, foram tão presentes e tão úteis a elas quanto os bancos e os jardins.