Um amante das artes excêntrico e investigativo resolveu visitar o Museu do Louvre num dia primaveril. Diferentemente de outros visitantes, procurou observar poucas obras de um determinado período artístico; assim, poderia aprofundar melhor o seu conhecimento, além de tentar desvendar um mistério – como seria a comunicação entre os autores e seus personagens?
Na busca por respostas, descobriu um ‘lugar de sombra’ dentro do museu, não detectável pelo sistema de segurança, e lá se escondeu. Não queria sair do Louvre quando todos os turistas ou nativos saíssem. A ideia era passar a noite e trabalhar curiosidades em torno de duas obras do movimento renascentista: a ‘Mona Lisa’ de Leonardo da Vinci e o ‘Retrato de Baldassare Castiglione’, de Rafael Sanzio.
Portas cerradas, enfim, com silêncio e baixa luminosidade nos amplos salões do museu as obras-primas daquele imenso e incalculável acervo adormeceram depois de um longo dia de exposição. Todas se recolheram, com exceção das duas expoentes do Renascimento, que se mantiveram espertas para tentar resolver uma rivalidade de cinco séculos.
A ‘Mona Lisa’, ícone do seu período, vangloriou-se por ter como autor um polímata italiano que se destacou como cientista, matemático, engenheiro, inventor, anatomista, pintor, escultor, arquiteto, botânico, poeta e músico. Um pouco intimidado, o ‘Retrato de Baldassare Castiglione’ traçou currículo mais resumido do seu pintor, também italiano, apontando-o como mestre da pintura e da arquitetura.
Soberba, Mona Lisa insinuou que o ‘rival’ inspirou-se nela por serem as poses muito parecidas, omitindo o fato das auras terem aspectos muito diferentes. O ‘Retrato de Baldassare’ rebate destacando ser bastante natural, espontâneo, enquanto a ‘Mona Lisa’ inspira mistério. A partir desse ponto, o debate assume tons e proporções que exigem mediação.
A ‘Vênus de Milo’, serena, de olhar enigmático, também insone e posicionada em local estratégico, escuta as vozes acirradas das duas obras renascentistas e procura despertar os respectivos tutores no meio da noite para que intervenham na discussão.
Embora não satisfeitos com chamado em horário tão inconveniente, pois estão cansados de tantas visitas, os pintores adotam uma postura conciliadora em favor da harmonia entre suas criações mais famosas.
Tanto Da Vinci quanto Rafael chamam a atenção da Mona Lisa e do Retrato para o humanismo, a simetria e o equilíbrio na composição de cada obra. São marcas e referências do gênero que os consagrou, a exemplo dos vivos olhos azuis de Baldassare, que transmitiriam um sentimento de bondade, e o olhar da musa, que parece seguir que se posiciona diante da tela em qualquer ângulo ou posição.
Rafael lembrou ainda que Baldassare Castiglione era conhecido por seu livro O Cortesão, no qual descreve a figura do perfeito cortesão renascentista. Por sua vez, Da Vinci reafirmou que jamais revelaria a identidade da mulher que lhe serviu de modelo.
Enaltecimentos mútuos foram trocados entre os artistas. Rafael disse ter homenageado a ‘Mona Lisa’ na qualidade célebre da pintura do seu ‘Retrato de Baldassare Castiglione’. Reconheceu ser a ‘Mona Lisa’ uma das obras de arte mais populares de todo o mundo e o impacto daquele quadro na História da Arte ao influenciar muitos outros artistas que a têm recriado ao longo dos séculos.
Satisfeitos por terem apaziguado os ânimos, os pintores retomaram o sono reparador, conscientes de que tinham dado condições às suas crias de se apresentarem como boas anfitriãs dos seus observadores, no dia seguinte.
O visitante escondido, feliz por ter alcançado seu objetivo, bem antes de deixar o museu começou a planejar uma nova investida. Passaria outra madrugada no Louvre, certo de testemunhar confabulações ou discussões das esculturas gregas.