“Hoje, Rita está de folga”, avisou a escritora Ana Lia Almeida aos leitores e editor deste blog. Compreensível demais. A autora da série ‘Rita na Luta’, de capítulos publicados aos domingos neste espaço, está concentrada nos preparativos para o lançamento do livro ‘Curtinhas da Quarentena’, previsto para o 7 de julho vindouro.
Enquanto Rita não vem, vamos cuidar de preencher a tremenda falta que ela faz publicando entrevista que a sua patroa – quer dizer, sua criadora – concedeu à equipe organizadora da Coletânea Mulherio das Letras Portugal/2021. “O enterro do baiacu”, conto de Ana Lia, faz parte.
“O pré-lançamento desta coletânea será no dia 29 deste mês, às 17h, pelo canal de YouTube da Editora In-Finita”, informa Ana Lia, lembrando que essa é a sua primeira entrevista como escritora. Publicada originalmente no blog Toca a Falar Disso, é certamente “a primeira de muitas”, como diz o bom e carinhoso jargão.
Vamos lá. Basta apertar aqui para abrir e ler as dez respostas de Ana Lia Almeida ao Mulherio das Letras. Garanto que o conteúdo é, como sempre, tão admirável quanto as crônicas generosa e regularmente cedidas pela talentosíssima escritora ao prazer da boa leitura de quem acessa o Rubão.
DEZ PERGUNTAS A ANA LIA ALMEIDA
O ASQUERÓIDE, por José Mário Espínola
Em 2018 o mundo prendeu a respiração com a notícia de que um asteróide de magníficas proporções poderia cair sobre o nosso planeta.
Vindo das profundezas do espaço sideral, a imensa montanha de granito pegaria a Terra desprevenida, pois demorou muito a ser percebida pelos telescópios do sistema mundial de monitoramento de corpos celestes.
Depois veio o alívio: o asteróide aproximou-se “apenas” 1 milhão de quilômetros da Terra e se afastou, perdendo-se no espaço.
Mas o Brasil não saiu incólume. Pois nesse mesmo ano foi atingido por um asqueróide. Vindo das profundezas da alma de brasileiros, mesmo aqueles que se acham esclarecidos, o tal corpo terrestre nos atingiu e espalhou pela nossa atmosfera fragmentos e excrementos, saturando o nosso ar de partículas impuras: gases tóxicos de ódio, boatos de todos os tipos – maliciosos, tendenciosos e mentirosos – por todo o território brasileiro.
Uma imensa nuvem de atraso cobriu o nosso céu, fazendo uma sombra medieval sobre o nosso solo, trazendo a destruição da nossa natureza, das nossas árvores, envenenando as nossas águas com a mentira, a desfaçatez.
Como nada é tão ruim que não possa piorar, conforme ensina o velho Murphy, no ano de 2020 instalou-se uma pandemia causada por um vírus letal chamado coronavírus, que trouxe prejuízo para todo o mundo.
A pandemia pegou-nos no pior momento, quando estávamos tentando sobreviver ao ataque do asqueróide.
Semelhante ao desastre ecológico do asteróide que atingiu a península de Yucatán há 65 milhões de anos atrás, e associado à pandemia que ceifa as nossas vidas, esse asqueróide mergulhou o Brasil no atraso e na incerteza. Basta dizer que a educação dos nossos jovens sofreu um retrocesso de duas décadas.
Pior ainda, o asqueróide impediu que a ciência combatesse a pandemia e atuou para que ela se agravasse, pois estimulou a população a desobedecer as recomendações de higiene, as medidas necessárias para impedir o contágio.
Como se não bastasse, omitiu-se na compra de oxigênio para tratar as pessoas acometidas da doença em fase aguda e disseminou a desconfiança contra a necessidade da vacinação.
Quando viu que não podia mais conter a ciência nem sabotar ainda mais as medidas sanitárias, no momento crucial protelou a aquisição das vacinas que poderiam ter salvado dezenas de milhares de vidas.
Mas, da mesma forma que a população começa a desenvolver resistência ao vírus, com a vacina que nos traz a liberdade, embora tardia, o povo já está começando a desenvolver imunidade contra o asqueróide, como mostram os estudos mais recentes.
A luz surgiu no fim do túnel e em 2022 o asqueróide vai ser empurrado de volta para as profundezas, qualquer que seja o antídoto a ser adotado.
Deixará muitas sequelas, não resta dúvida. Mas deixará o nosso povo vacinado contra esse tipo de doença social, para nunca mais se repetir.
A ESCOLHA DA VACINA, por Eurípedes Mendonça
No dia 10 de maio de 2021, o autor publicou neste Blog do Rubão o artigo intitulado “Recusa de Vacinação”. Nele foi discutida a questão “Autonomia X Beneficência”, quando um Posto de Vacinação imunizou anti-covid uma idosa contra a vontade dela. Entre os leitores, ocorreu um equilíbrio de opiniões a favor e contra a decisão compulsória.
O procurador da República Gessé Patriarcha enviou sua abalizada opinião ajuntando um fundamentado arrazoado com destaque para a Resolução do Conselho Federal de Medicina 2232/2019, que “Estabelece normas éticas para a recusa terapêutica por pacientes e objeção de consciência na relação médico-paciente”.
Já a médica Célia Madruga citou o artigo 3º, inciso III, alínea “d” da lei 13.979/2020, intitulada “Vacinação obrigatória. Veja como a lei brasileira entende a questão da covid”. (https:canaltech.com.br/saúde).
Por sua vez, leitor assíduo, o engenheiro civil Ovídio Catão enviou uma provocação bem fundamentada. Por sua pertinência, reproduzida a seguir:
– Ontem (7 de maio), encontrando um amigo, perguntei se havia tomado a vacina. Ele falou ‘tomei da boa’. Ao que minha esposa respondeu: ‘Tomei da outra boa’. Eu e Fátima tomamos vacinas distintas. Sei que o assunto pode ser polêmico demais. Mas será um bom tema para escrever sobre as probabilidades das diversas vacinas? Um assunto pouco comentado com seriedade. Fica como provocação minha sabendo da dúvida se isto ajudaria à população ou levaria à uma corrida por determinadas vacinas em detrimento de outras.
A união da objetividade da matemática – um dos pilares da Engenharia – e a subjetividade da ética explicam o seu interesse pelo dilema bioético: autonomia versus beneficência, especificamente quanto ao poder de escolha do vacinado. Pode alguém recusar a ‘vacina boa’ e só aceitar a ‘outra boa’? Aliás, Ovídio incorporou ao seu perfil a sensibilidade de julgador, de opinar sobre a subjetiva tomada de decisão ética dos seus pares, ao conciliar seu mister com a nobre missão de ex-conselheiro do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia da Paraíba.
Caetano Veloso imortalizou a dualidade subjetivo/objetivo na música “Como dois e dois”, ao ensinar: ‘Tudo em volta está deserto/ Tudo certo/ Tudo certo como dois e dois são cinco”.
A assistência ao binômio saúde /doença na pandemia da Covid-19 enseja vários desafios bioéticos, tais como:
1) qual a melhor prevenção?
2) há medicamentos profiláticos eficazes?
3) a “escolha de Sofia” nas UTIs ;
4) o acesso às vacinas;
5) ética na escolha das vacinas;
6) aquisição de vacinas pela iniciativa privada;
7) escolha de prioridades na vacinação;
8) vacinação obrigatória ou direito de não ser vacinado?
Antes da era Covid-19, a parcela da população economicamente privilegiada tinha o poder de escolha para acesso às mais essenciais vacinas prescritas pelos médicos no serviço público ou privado. Quem imaginaria os “reis” Roberto Carlos e Pelé submetendo-se às filas de espera como qualquer plebeu, para serem imunizados? Esse fato, caro Ovídio, responde em parte às tuas indagações: no momento, não há poder de escolha na vacinação anti-covid.
Outro fator limitante à liberdade de escolha da “vacina boa ou a outra boa” é que, na maioria absoluta dos casos, ao se chegar a um local de vacinação, só há apenas uma marca de vacina disponível. Excepcionalmente, quando há as duas, “a vacina boa e a outra boa”, o vacinável não tem sua autonomia respeitada. Foi o que aconteceu com o autor, na aplicação de sua primeira dose da vacina anti-covid.
Alerte-se que a vacina, a da anti-covid-19, não faria exceção, é um medicamento prescrito por médico. Por isso tem que ser aprovada pela Anvisa e ter um bulário. A embalagem das vacinas anti-covid, sobre a qualificação do prescritor em sua mensagem tarjada em vermelho, alerta: “Venda sob prescrição médica”. Logo, sendo um medicamento, segue as regras e fundamentos de qualquer outro fármaco como eficácia, segurança, interações medicamentosas, reações adversas e contraindicações.
Concluindo, sob a estrita lógica matemática fica difícil entender que a “melhor vacina é aquela da vez”. A melhor vacina é aquela que obedece aos princípios de um bom medicamento, acima citados, incluindo a comodidade e a maior adesão de uma dose única.
Mas, sem vacinação, não haverá erradicação da covid. Assim, fiel ao ditado de que “mais vale um pássaro na mão que dois voando”, o autor não titubeou e tomou a vacina possível.
Não foi a melhor, mas todas têm o selo de garantia e segurança da Anvisa. Pode confiar! Logo, não hesite! Tome a vacina anti-covid-19 disponível! E não esqueça da 2ª. dose, quando cabível.
• Eurípedes Mendonça é Médico
À LUZ A PRIMOGÊNITA, por Babyne Gouvêa
No final de uma madrugada de maio, ela resolveu nascer. Com movimentos desordenados e envolta na placenta, sinalizou a ansiedade de brotar pressionando as costas da mãe, prevenindo a chegada próxima. O aviso se intensificou, deixando contraído o ventre que lhe servia de abrigo. Ameaçou despontar ainda no veículo que a conduzia à maternidade. Resolveu aguardar, enfim, cooperando com aquela que lhe rogava para ter um pouco mais de paciência, para ambas terem mais conforto no momento de nascer. Ficou atestado, ali, que a obediência seria uma regra de vida.
Uma vez na maternidade, sentindo o ambiente mais propício ao surgimento, começou a aparecer, mas sem causar incômodos à mãe. Apenas alongou-se, pedindo passagem para sair de sua protegida bolha. Inicialmente, evidenciou a parte alta da cabeça; logo em seguida, percebendo favorável a receptividade, optou por sair bem apressadinha para conhecer o mundo, proporcionando à sua criadora um estado de prazer incomensurável. Tão logo se viu num ambiente estranho chorou, mas se inclinou com a ajuda de terceiros e se aconchegou no peito da mãe, besuntando-a com resíduos da placenta. O odor exalado seduziu ambas e os olhares se cruzaram, firmando compromisso sublime de eterna cumplicidade.
Entendeu as lágrimas emocionadas daquela que lhe tinha nos braços e fez gestos com os lábios manifestando aprovação. Saiu dos braços da sua protetora para os primeiros hábitos de higiene, voltando em seguida para sugar o colostro que era só seu. Enquanto mamava, tentava abrir os olhinhos, mas com certa dificuldade. Quando conseguiu, o olhar concentrou-se naquela que lhe alimentava, uma mãe recém-saída da adolescência. E nesse enlevo adormeceram, juntinhas e exaustas, certas de que teriam um longo caminho de convivência a trilhar.
A mãe, aprendendo a acomodar a sua bebê nos braços – tudo para ela era novo e atraente -, pegou nas mãos, nos pés, em todo o corpinho, verificando detalhadamente toda a formação daquela mantida dentro dela durante nove meses. O sentimento era de poderio, tinha conseguido gerar um ser humano, como símbolo magnânimo de amor.
A disposição e satisfação da parturiente eram contagiantes, atraindo as atenções da equipe de enfermagem que, movida à curiosidade, visitava o quarto para observar a adolescente – era assim denominada – amamentando a sua menina, e ouvir os mimos evocados pela mãe nesse momento esplêndido. O orgulho da criadora era visível, por ter sido capaz de conceber um ente completo que, ainda recém-nascido, já manifestava sinais de energia e sagacidade, sinais de um futuro próspero.
Com ânimo suficiente para voltar à sua casa, a genitora só pensava em apresentar o novo lar à sua filha. Acolhida em sua nova morada, as duas trocaram olhares coniventes, consolidando um vínculo de sentimento incondicional e infinito de pura amorosidade. De tão promissora, essa bela e pura experiência sequenciou e concluiu uma linhagem com mais três gestações, contemplando todas as expectativas de uma mãe plenamente realizada.
RECUSA DE VACINAÇÃO, por Eurípedes Mendonça
Circulou nas mídias sociais no dia 15 de março um vídeo no qual uma idosa aparentando 80 anos de idade após enfrentar uma fila de drive thru se recusa a tomar a vacina anti-Covid. Como o Posto de Vacinação deve proceder nesses casos?
As imagens ganharam repercussão pelos aspectos humorísticos: a idosa vacinada contra sua vontade fala um monte de impropérios. Mas o mais importante são as questões técnicas, bioéticas e jurídicas subjacentes. Durante o minuto de duração das imagens, percebe-se que:
1) A idosa é enganada ao ser dito que ela ia apenas tirar sangue para exame, não é perguntado a ela o motivo da recusa nem orientada a ajustar a máscara (indevidamente no queixo);
2) A vacinadora e o familiar e um circunstante riem da atitude da idosa;
3) A vacinadora em nenhum momento pergunta se o acompanhante é curador daquela senhora ou se ela foi considerada judicialmente incapaz;
4) Em nenhum momento, a vacinadora recorre a um superior hierárquico (enfermeira, por exemplo) para decidir a conduta mais adequada: aceitar ou não a negativa da pessoa, em respeito à autonomia individual, ou vaciná-la contra a vontade em nome de sua proteção pessoal e coletiva (em calamidade pública como a pandemia o interesse da comunidade predomina sobre o individual;
5) Considerando que a idosa vai ter que receber a 2ª dose, estratégias devem ser elaboradas para que a segunda etapa da vacinação seja a mais tranquila possível, sem o estresse e falhas da 1ª. dose.
Face ao inusitado do caso e ao dilema apresentado (Autonomia X Beneficência), foram convidadas sete pessoas a se manifestarem sobre o vídeo, sendo três médicos versados em bioética e ética médica; um jurista, dois professores e um militar. Resultado: houve consenso de que a idosa aparentava lucidez e reprovação às atitudes da vacinadora e do seu acompanhante. Para três pessoas, a vacinação forçada foi acertada em nome da segurança da comunidade em tempos de pandemia. Outros três se omitiram na questão “autonomia X beneficência”. Apenas um defendeu a autonomia da idosa.
Para ajudar o leitor a refletir sobre o tema, cite-se o caso clássico de recusa de tratamento quando testemunhas de Jeová não aceitam a prescrição de hemotransfusão. Neste dilema, a orientação bioética é respeitar a autonomia do paciente, exceto em caso de risco iminente de morte. A recusa de vacinação é um dilema ainda mais complexo, pois envolve o direito da coletividade, ou seja, a decisão poderá ter um impacto na saúde coletiva.
Outra discussão é a existência de uma campanha sistemática mundial contra a vacinação que também merece uma abordagem bioética. Enfatizo que a política pública do Brasil, vide Manual de Normas e Procedimentos de Vacinação do Ministério da Saúde (2014), é utilizar a “técnica do convencimento”. Logo é pró-vacinação.
Conclusão: independente da tomada de decisão (vacinar ou não), a vacinadora deveria ter empregado as técnicas de convencimento, tratar com respeito a idosa e reprimir o deboche perpetrado por terceiros. Outra providência seria compartilhar a decisão com algum membro da equipe, no caso o superior hierárquico presente (enfermeiro ou outro profissional da saúde) e averiguar a capacidade civil da vacinada e existência de curatela.
Espera-se que essas reflexões possam contribuir para facilitar a tomada de decisão por parte dos Postos de Vacinação na recorrência de casos de recusa de vacinação, até que os Comitês de Bioética ou a justiça pacifiquem a questão.
- Eurípedes Sebastião Mendonça de Souza é médico
QUEM TEM FILHO NÃO TEM SOSSEGO, por Ana Lia Almeida
Você viu o tamanho da carreata que fizeram para ela em Campina Grande? A menina é um sucesso! Como eu queria uma filha dessas, que virasse boneca e fizesse de tudo pra resolver meus problemas de saúde… Meus meninos só me dão aperreio. O mais novo anda se metendo com gente errada, dia desses quase a polícia leva. Estão só esperando ele ficar de maior. O mais velho você conhece, não é? Carlinhos.
Rita se prendeu naquela conversa desde que subiu no ônibus. Já dava pra escutar do primeiro degrau da escada, de onde ela lutava para se manter na fila de entrada, cheia de sacolas. Agora, já tendo passado pela roleta, podia ouvir melhor as duas mulheres do banco alto, logo após o cobrador. Acomodou-se ali mesmo, represando um pouco os passageiros que entravam no lotação. A turma passava acotovelando Rita um pouquinho, para descontar, mas ela nem ligava. A viagem era longa e uma boa conversa dos outros ajudava muito a passar o tempo.
Carlinhos está lá, na luta dele. Ah, ele entrega de tudo que tem no aplicativo, principalmente pizza. Pensou em sair por causa daquele aborrecimento, mas acabou ficando. Difícil demais achar trabalho, infelizmente não tem muito como escolher. Você não soube não? Carlinhos foi entregar uma pizza que veio errada. Nada a ver com ele, mas o cliente ficou zangado, jogou uma conversa troncha que ele não podia ir embora e tinha de devolver o dinheiro, terminou chamando o menino de macaco. Essa gente é assim mesmo, uns sebosos. Eu fico com ódio! Sei que Carlinhos terminou dando uns tapas no homem, se atrasando para a entrega seguinte e ainda descontaram da corrida do bichinho. Ele tentou explicar tudo à dona da pizzaria, mas ela não quis conversa. Disse que cliente tinha sempre razão e ficou por isso mesmo. E tem mais, ainda falou da gente aqui do “Norte”: um pessoal muito devagar e ruim de aprender as coisas; bom mesmo era de onde ela vinha, das bandas do Rio Grande do Sul. Foi o que eu disse a ele: veio fazer o quê aqui então, por que não volta pra lá? Mas deixa. Aqui se faz, aqui se paga. Não viu a Juliette, aí, milionária, com carreata e tudo?
Quem tem filho, não tem sossego. Eu já vivia com medo dessa moto de Carlinhos, para cima e para baixo em todo canto. Quando não é entrega de motoboy, é passeando com a namorada. Agora fico também com medo de ele se meter noutra confusão e perder o trabalho. Além do mais, fiquei meio sentida, com essa história, sabe. A gente cria um filho numa luta danada, passa os valores, aí vem um desgraçado chamar de macaco e uma mizera descontar o salário. Se eu pudesse, dava era uma pisa em tudinho. Eu sei que não resolve, mas quando mexe com filho a gente vira onça.
Era muito verdade, Rita pensou. Quando alguém mexia com Maria Clara, que também não lhe dava sossego, ela virava uma onça, mesmo. Levantou suas sacolas do chão sujo do transporte e, devagarinho, chegou no lugar que tinha vagado duas fileiras adiante. Já sentada, orgulhou-se do sonho de Clarinha ir para a faculdade. Sua filha era linda, inteligente e corajosa, que nem Juliette.
VACINAS DE VENTO? por Eurípedes Mendonça
Confesso desconhecer o porquê de a mídia denominar de “Vacina de Vento” aquela em que o vacinador, inescrupulosamente, não injeta o conteúdo vacinal no músculo do braço do paciente.
A falha é que o criminoso vacinador não aspira a vacina para o interior da seringa, que logo fica apenas com o ar na parte compreendida entre o bico e o êmbolo da seringa. A seguir, injeta-o, em vez de vacina, na enganada e vulnerável vítima.
Não existe vento e sim ar atmosférico no interior de uma seringa. Recorrendo aos conhecimentos de Física ministrados no ensino médio, fica patente que a manchete “Vacina de Vento” não tem sustentação cientifica. Explico: no interior de uma seringa, cujo conteúdo é inexistente, ou seja, não foi colocado nela a vacina, inexiste vento e sim ar atmosférico.
Simples assim, como me ensinou o experiente professor Pelágio Nerício. Perguntado, ele se empolgou e começou a discorrer sobre os oito tipos de vento. Pra ser sincero, só me interessei pela paraibana brisa, notadamente por encontrá-la em João Pessoa.
Pelágio e os melhores dicionaristas concordam: “Vento é o ar atmosférico em movimento natural”. Logo, ensina o docente, a diferença entre vento e ar atmosférico é a movimentação da matéria. A diferença é mais de natureza física do que química. A citação da palavra ‘matéria’ ativou minhas conexões neuronais e lembrei-me de recorrer a um verdadeiro Professor de química, no caso José Carlos Godoi, pois, apesar de habilitado pelo Mec nesse campo do conhecimento, não me considero um professor de química.
Segundo o professor Godoi, a Química atesta que o ar e o vento são compostos da mesma matéria. Fisicamente, a diferença é a presença de movimento, presente no vento e ausente no ar atmosférico. E arrematou Godoi: “Logo, se um vento fosse introduzido numa seringa, imediatamente perderia o movimento, perderia sua identidade. Mudaria de vento para ar”. Assim, se essa matéria (que pesa 1,43g/L) fosse introduzida no músculo deltóide do paciente, seria sempre ar e nunca vento.
Conclui-se, portanto, que do ponto de vista científico – na química e na física – a expressão ‘vacina de vento’ é imprópria. O recomendável seria, indubitavelmente, ‘vacina de ar’. Mais precisamente, ar atmosférico.
VACINA DE VENTO OU VACINA AO VENTO?
Espero ter convencido o leitor de que cientificamente é impossível a existência de vento numa seringa. Quem insistir precisará de uma urgente assistência psiquiátrica (onde estaria o dr. Joao Leonardo Ribeiro Moraes?), pois configurar-se-ia um delírio patológico.
Só há uma maneira de manter o vocábulo “vento” no interior de uma seringa, usando a linguagem poética e os recursos do nosso vernáculo. Já dizia o fantástico Pinto do Monteiro, da cidade onde nasce o Rio Paraíba. Ele proclamava, orgulhoso: “Poeta é aquele que tira de onde não tem e bota onde não cabe”. Traduzindo: na prosa, tudo pode!
Mas nem precisa forçar a barra, usando a liberdade poética, para “salvar a existência de vento dentro da seringa”. Basta a mídia substituir ‘vacina de vento’ por ‘vacina ao vento’. Ou seja, uma simples saída preposicional. Mas diria o leitor: “Não seria trocar seis por meia dúzia?”.
Peço licença ao compositor pernambucano Accioly Neto e ao sanfoneiro monteirense Flávio José para argumentar a favor, tomando como fundamento a linda música “Espumas ao vento”. Basta o primeiro verso:
Sei que aí dentro ainda mora um pedacinho de mim
Um grande amor não se acaba assim
Feito espumas ao vento.
Vamos interpretá-lo à luz da temática da vacinação. ‘Um pedacinho de mim” seria a vacina anti-covid; “ainda mora”, habitar o corpo humano; e, “feito espuma de vento”, é mesmo que desaparecer, morrer, ou seja, ao vento, o que reforça a ideia de efemeridade. Logo, vacina ao vento sinalizaria para uma vacina que não ficou, que não foi injetada no organismo, que acabou, enfim, tal e qual diz o verso de Accioly Neto.
Concluindo, literariamente falando, “Vacina, ao vento!”, com virgula e ponto de exclamação, seria um nome cultural e possível candidata à substituta.
Mas a ciência é soberana. Os professores José Carlos Godói e Pelágio Nerício deram o respaldo à tese do autor de que a mídia troque o “Vacina de Vento” por “Vacina de Ar” e, como opção cultural, “Vacina, ao vento!”.
Aos professores do Colégio das Lourdinas de João Pessoa, Godói e Pelágio, e ao meu professor de psiquiatria João Leonardo, rendo as minhas homenagens.
Que os ventos soprem a nosso favor e todos sejam vacinados! Deus nos proteja.
- Eurípedes Mendonca é médico.
COMPLICADA E PERFEITINHA, por Aderson Machado
É sabido de todos que a nossa Língua Portuguesa não é nada fácil. E o meu primeiro questionamento é: por que tantas pessoas se interessam em aprender outras línguas – mormente a inglesa -, se ainda não dominam a nossa língua materna?
Pior, percebo, nas redes sociais, um sem-número de postagens de professores de Inglês, sendo brasileiros, fazendo propaganda de seus cursos, e, nesses anúncios, é recorrente se constatar erros crassos de português! Quer dizer, esses professores podem até saber Inglês, mas não dominam a nossa própria língua, o que acho se tratar de um verdadeiro contrassenso, para ser generoso.
Deixando os professores de Inglês um pouco de lado, gostaria de falar algo sobre mim. Pois bem, nos meus tempos de ginasiano, eu tinha uma dificuldade enorme com relação à disciplina Português. Estudava, estudava e só passava de ano me arrastando, como se diz na gíria. E não era por não ter um bom professor. Muito pelo contrário.
Naquela época, estudava no Colégio Agrícola Vidal de Negreiros (CAVN), em Bananeiras, Paraíba, cujos professores eram da melhor qualidade, sendo o de Português, Vital de Almeida Santa Cruz (In memoriam), um deles. Além de ser um excelente professor, Vital era por demais exigente, rigoroso e metia medo em muitos alunos, inclusive neste pobre escriba.
É bom frisar que o professor Vital era mais focado nos assuntos gramaticais. E era aí onde residiam as minhas dificuldades. Com efeito, a tal da vírgula, crase, concordância, regência nominal e verbal, ortografia, sintaxe, tudo isso me deixava bugado!
Citei apenas esses tópicos porque os acho relevantes, principalmente para quem é jornalista, seja lá de que área for, bem como para escritores, oradores, conferencistas ou coisa que o valha.
Lendo jornais, livros, ouvindo rádio, vendo televisão e postagens de blogueiros despreparados, tenho observado erros absurdos. Assim, acho que esses profissionais deveriam ter um pouco mais de cuidado no momento de falar ou escrever, com a finalidade de obedecerem, na medida do possível, à norma culta do nosso idioma.
Não pretendo elencar aqui, em detalhes, os recorrentes erros cometidos por parte dos profissionais da imprensa ou por pessoas outras que se aventuram a escrever ou falar publicamente. Primeiro, porque nunca fui nem sou professor de português; segundo, porque não sou gramático, filólogo, lexicólogo ou coisa parecida. Portanto, tenho lá as minhas limitações com relação à língua materna, a exemplo da grande maioria dos brasileiros.
Sendo assim, quando me propus a escrever para um público mais abrangente, tive a preocupação de fazê-lo da forma mais correta possível. E, para que isso acontecesse, recorri ao pai dos burros, ou seja, ao velho dicionário, bem como aos grandes gramáticos, dentre eles o pernambucano Evanildo Bechara. A propósito, foi exatamente esse o autor da gramática indicada pelo meu professor Vital, no longínquo ano de 1967.
Quando comecei a escrever, percebi que tinha dificuldades com relação a muitos assuntos, mesmo já sendo detentor de curso superior. Mas havia uma certa justificativa a respeito: a minha primeira graduação foi na área técnica, enquanto Engenheiro Civil. Só após 16 anos é que concluí o Curso de Bacharel em Letras. Antes disso, já lia bastante e escrevia meus primeiros textos. Começara, portanto, meu interesse pela literatura.
Como disse, minhas maiores dificuldades no início dos meus escritos diziam respeito, principalmente, aos assuntos envolvendo crase, colocação correta da vírgula, concordância e regência nominal e verbal bem como grafia de certas e determinadas palavras.
Por fim, só para citar alguns exemplos, vou elencar alguns questionamentos que muitas pessoas não saberiam responder corretamente:
a) Você prefere carne do que peixe, ou você prefere carne a peixe?
b) Você faz apologia a alguém ou você faz apologia de alguém?
c) A falta favorece o Vasco ou a falta favorece ao Vasco?
d) Vou assistir o jogo ou vou assistir ao jogo?
Ao fim e ao cabo, muitas outras perguntas caberiam aqui, mas não vou fazê-las, pois, caso contrário, este texto ficaria interminável. É isso.