RECUSA DE VACINAÇÃO, por Eurípedes Mendonça

Circulou nas mídias sociais no dia 15 de março um vídeo no qual uma idosa aparentando 80 anos de idade após enfrentar uma fila de drive thru se recusa a tomar a vacina anti-Covid. Como o Posto de Vacinação deve proceder nesses casos?

As imagens ganharam repercussão pelos aspectos humorísticos: a idosa vacinada contra sua vontade fala um monte de impropérios. Mas o mais importante são as questões técnicas, bioéticas e jurídicas subjacentes. Durante o minuto de duração das imagens, percebe-se que:

1) A idosa é enganada ao ser dito que ela ia apenas tirar sangue para exame, não é perguntado a ela o motivo da recusa nem orientada a ajustar a máscara (indevidamente no queixo);

2) A vacinadora e o familiar e um circunstante riem da atitude da idosa;

3) A vacinadora em nenhum momento pergunta se o acompanhante é curador daquela senhora ou se ela foi considerada judicialmente incapaz;

4) Em nenhum momento, a vacinadora recorre a um superior hierárquico (enfermeira, por exemplo) para decidir a conduta mais adequada: aceitar ou não a negativa da pessoa, em respeito à autonomia individual, ou vaciná-la contra a vontade em nome de sua proteção pessoal e coletiva (em calamidade pública como a pandemia o interesse da comunidade predomina sobre o individual;

5) Considerando que a idosa vai ter que receber a 2ª dose, estratégias devem ser elaboradas para que a segunda etapa da vacinação seja a mais tranquila possível, sem o estresse e falhas da 1ª. dose.

Face ao inusitado do caso e ao dilema apresentado (Autonomia X Beneficência), foram convidadas sete pessoas a se manifestarem sobre o vídeo, sendo três médicos versados em bioética e ética médica; um jurista, dois professores e um militar. Resultado: houve consenso de que a idosa aparentava lucidez e reprovação às atitudes da vacinadora e do seu acompanhante. Para três pessoas, a vacinação forçada foi acertada em nome da segurança da comunidade em tempos de pandemia. Outros três se omitiram na questão “autonomia X beneficência”. Apenas um defendeu a autonomia da idosa.

Para ajudar o leitor a refletir sobre o tema, cite-se o caso clássico de recusa de tratamento quando testemunhas de Jeová não aceitam a prescrição de hemotransfusão. Neste dilema, a orientação bioética é respeitar a autonomia do paciente, exceto em caso de risco iminente de morte. A recusa de vacinação é um dilema ainda mais complexo, pois envolve o direito da coletividade, ou seja, a decisão poderá ter um impacto na saúde coletiva.

Outra discussão é a existência de uma campanha sistemática mundial contra a vacinação que também merece uma abordagem bioética. Enfatizo que a política pública do Brasil, vide Manual de Normas e Procedimentos de Vacinação do Ministério da Saúde (2014), é utilizar a “técnica do convencimento”. Logo é pró-vacinação.

Conclusão: independente da tomada de decisão (vacinar ou não), a vacinadora deveria ter empregado as técnicas de convencimento, tratar com respeito a idosa e reprimir o deboche perpetrado por terceiros. Outra providência seria compartilhar a decisão com algum membro da equipe, no caso o superior hierárquico presente (enfermeiro ou outro profissional da saúde) e averiguar a capacidade civil da vacinada e existência de curatela.

Espera-se que essas reflexões possam contribuir para facilitar a tomada de decisão por parte dos Postos de Vacinação na recorrência de casos de recusa de vacinação, até que os Comitês de Bioética ou a justiça pacifiquem a questão.

  • Eurípedes Sebastião Mendonça de Souza é médico
É BOM ESCLARECER
O Blog do Rubão publica anúncios Google, mas não controla esses anúncios nem esses anúncios controlam o Blog do Rubão.

Uma resposta para RECUSA DE VACINAÇÃO, por Eurípedes Mendonça

  1. Dando continuidade à saga Vacinação, o nosso cronista no estilo divertidamente cartesiano que lhe é peculiar, aborda o aspecto ético da vacinação, desta feita sobre a falta de respeito ao paciente em sua recusa de receber o imunizante.
    Mais uma boa crônica do Dr. Eurípedes.
    Que venham mais outras !