Dia de festa no buzú. O aniversariante em pé no meio do corredor, todo contente, arrodeado de um bocado de amigos identificados por chapeuzinhos de papel. Uma garotinha vinha sentada, carregando o bolo no colo; dois rapazes serviam o refrigerante que trouxeram no isopor a todo mundo do ônibus, e outro distribuía sacos de pipoca – uma festa completa. Já estava tudo preparado quando passaram pela parada em que o menino subiu e cantaram os parabéns assim que ele passou pela catraca, os passageiros todos acompanhando em coro.
Rita estava perto do motorista, um pouco distante do núcleo da comemoração, que se concentrava na metade do ônibus. Ambas as mãos ocupadas com o refrigerante e a pipoca, se segurando como podia nas barras de ferro, as ancas apoiadas no encosto do banco. Se ela queria bolo? Claro que sim. Tratou de comer ligeiro a pipoca para desocupar uma das mãos e receber logo o seu pedaço, que o bolo até era grande, mas o ônibus como sempre estava cheio e ninguém queria perder um lanchinho bom daqueles.
“Ah, eu adoro aniversário!”, comentou o rapaz que lhe passou o bolo. Uma senhora ali perto respondeu: “É porque você é novo. Já eu não gosto nadinha, que graça tem ficar mais velha todo ano? Prefiro me esconder nessa data e não dou conversa a ninguém, para não virem atrás de saber da minha idade que nem eu sei direito mais”. Rita achou graça no resmungado da senhora porque ela também andava perdendo as contas da própria idade, depois dos trinta havia dado para esquecer. E já que se esquecia mesmo, aproveitava geralmente para arredondar bastante para baixo; já ia pelos quarenta e sete, mas prestava conta, no máximo, dos quarenta e dois.
Pensava nisso tudo entre um gole e outro de refrigerante quando, num solavanco do ônibus, todo o líquido derramou-se no vestido da senhora resmungona. A mulher, mesmo reclamando, aceitou as desculpas de Rita e aproveitou para falar mal da carreata que parou o trânsito de repente, sacudindo todo mundo dentro do ônibus. “Esses vagabundos atrapalhando o trânsito, infernizando a vida do cidadão de bem. Maldito protesto! Coitado do Presidente, um homem tão bom!”
Rita procurou uma janela para ver melhor aquelas pessoas de máscara nos carros e nas ruas, segurando cartazes e bandeiras em defesa do SUS e da vacina, pelo aumento do auxílio emergencial, e, principalmente, contra o Presidente. A turma do aniversariante começou a apoiar a manifestação com palavras de ordem lançadas para a rua pelas janelas do ônibus. A senhora reclamona começou uma discussão com o garoto que servira os refrigerantes. A confusão foi aumentando, um passageiro deu um soco no outro e Rita achou melhor descer do ônibus.
Ainda se recuperando do susto, sentou-se no banco de uma praça e ficou um tempo vendo o protesto passar. Os carros enfeitados, frases escritas de batom sobre as vidraças, cartazes pregados nas portas, bandeiras tremulando ao vento. Motoqueiros, ciclistas, pessoas a pé em pequenos grupos. Três manifestantes passaram por ela caminhando e ofereceram-lhe uma máscara que ela aceitou com um sorriso. Ao dar-se conta de sorrir, reparou que perdera a sua máscara na confusão dentro do ônibus. “Fora Bolsonaro”, estava estampado na nova máscara de Rita, com a qual ela seguiu adiante em mais um dia de luta.
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Uma resposta para FESTA E LUTA, por Ana Lia Almeida
Estamos assistindo ao surgimento de novos cronistas, possibilitando a renovação na nossa literatura.
Isso se deve à multiplicação de portais voltados para a literatura, oferecendo a oportunidade para estes novéis escritores.
Esta de Ana Lia está excelente! Parabens para a autora. E ao Blog do Rubão, por estar oferecendo oportunidade a todos.