O fenômeno dos Dias Iguais, embora anterior à pandemia, parece ter se intensificado ao longo do ano de 2020. Trata-se de dormir e acordar preso aos mesmos acontecimentos, que se repetem quase sem variações perceptíveis. Duvidamos do calendário, pasmos, incrédulos de ter vivenciado dois dias diferentes. Quando damos por nós, o mês acabou sem explicações, parecendo impossível que todo esse tempo de 31 dias distintos entre si tenha sem passado.
A cozinha é a principal responsável pela estranha sensação, pois entre o café da manhã, o almoço e a janta, pouca coisa acontece de novo sobre a terra dentro de uma casa. Vejamos o caso do cuscuz: misturar um pouco d´água à massa amarela com uma pitada de sal, aguardar o descanso e deixar cozinhar por uns quinze minutos. Todo dia é o mesmo preparo, o que pode ser, logo de manhã cedo, fonte de confusão com o dia anterior.
Os jornais, com suas notícias de sempre, também em muito contribuem para a perturbação dos Dias Iguais. Variam muito pouco as péssimas notícias de um dia para o outro, embora de semana em semana tenhamos quase sempre um novo escândalo e uma nova média móvel no número de mortes, de modo que podemos passar a semana inteira praticamente presos em um dia só, considerando apenas a repetição do noticiário.
Não fosse um passarinho ou outro que aparece na janela, ora um bem-te-vi, ora um beija-flor nos lembrando que a vida segue teimosa, difícil seria acreditar que o tempo está passando de verdade.
Ana Lia Almeida é Cronista