BUMBA MEU BOI! por José Mário Espínola

Apresentação de bumba meu boi. (Foto: Wikimedia)

A profissão médica nos reserva muitos prazeres na vida, desde a alegria imensurável de poder restituir a vida a alguém dado por morto, durante um plantão de UTI, até a insubstituível prática ambulatorial.

O consultório é uma atividade realmente prazerosa. Lá é onde o médico tem a maior oportunidade de se relacionar com o seu paciente e praticar a medicina de forma espontânea, livre e natural.

Tudo isso pressupõe que o médico já tenha amadurecido o suficiente para superar o complexo de semideus do começo de nossa vida profissional.
Com o tempo, formamos uma ampla clientela, baseada na confiança mútua e identificação de fatores comuns. Um deles é a identidade de humor. Este é o caso do professor Dr. Humberto Melo.

O meu paciente (em ambos os sentidos) amigo Dr. Humberto Melo, homem dotado de fino humor, com freqüência me prestigia com algumas das suas histórias. E olha que de histórias ele entende como poucos, visto que é justamente um historiador! A mais recente segue abaixo.

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Em 1955, UDN e PSD, velhos partidos brasileiros que dominavam o cenário político nos anos 1950, embora rivais ferrenhos, uniram-se na Paraíba e lançaram o vice-governador Flávio Ribeiro Coutinho para disputar o governo do Estado.

Durante seu curto mandato, Dr. Flávio teve que administrar a difícil aliança entre as correntes que o apoiaram. Não foi fácil. Porém, sempre deu muita atenção aos prefeitos, desde os mais importantes até os mais humildes.

Durante a sua gestão à frente do governo Estado, Flávio Ribeiro nomeou o médico sanitarista Dr. Plínio Mário de Andrade Espínola.

Por motivos de saúde, o governador Flávio Ribeiro Coutinho só governou até 1958, tendo sido substituído por Pedro Moreno Gondim, seu vice-governador.

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Nesses anos de 1950, a rede viária do Estado era mínima e precária, e o transporte coletivo ainda era muito deficiente.

Nessa época, quem morasse em Misericórdia (hoje Itaporanga), por exemplo, e tivesse alguma coisa para resolver na Capital, tinha que tomar um ônibus até Patos e de lá um ônibus da empresa de viação Gaivota até João Pessoa. Passava o dia viajando, aqui chegando à tardinha. Dia seguinte, passava a manhã e a tarde resolvendo os problemas, e no terceiro dia retornava ao sertão, passando o dia viajando.

Certo dia, Abraão Diniz, prefeito de Misericórdia, precisou vir a João Pessoa para liberar verbas para o seu município, sempre assolado pela seca. Chegou anoitecendo. Apesar do cansaço, ainda alcançou a sessão da noite do Cine Astória, que ficava por trás do Palácio da Redenção.

No dia seguinte, embora não tenha sido agendado, foi prontamente atendido pelo governador, homem educadíssimo e seu correligionário na UDN. Concluído o despacho com o governador, Abraão Diniz pediu para ser recebido pelo Secretário de Saúde, Dr. Plínio Espínola.

O governador deu ordem para que Egídio Madruga, seu chefe de gabinete, localizasse Dr. Plínio e comunicasse a audiência com o prefeito. E ficaram tomando um cafezinho, conversando amenidades (se é que um político seja capaz disso).

Logo retornou Egídio Madruga, que comunicou que o Dr. Plínio estava na vizinha cidade do Recife tratando de interesses do Estado, só retornando ao final do dia.

Então, o governador dirigiu-se ao prefeito e disse: “Não tem problema, Seu Abraão, o senhor será o primeiro a ser atendido pelo Dr. Espínola logo pela manhã”.

Abraão pensou, pensou e respondeu: “Ah, governador, num vai dar não… Amanhã eu já tenho que estar sem falta em Misericórdia”.

– Por que, prefeito, o que tem de tão importante assim, lá na sua cidade? – quis saber o governador.

– É um compromisso ao qual eu não posso faltar – reforçou o prefeito, sem querer esticar a conversa.

– E que compromisso é esse, Abraão, posso saber?! – insistiu o governador.

Meio encabulado, Abraão Diniz finalmente esclareceu:

– É que amanhã à noite vai ter um reisado na cidade. E o boi sou eu!

José Mário Espínola
Vaqueiro-aprendiz

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