Pai não é só aquele que registra, mas ter o nome do genitor é só o mais básico dos direitos de um filho
Nos últimos seis anos e meio, na Paraíba, os cartórios emitiram 11.942 certidões de reconhecimento de paternidade. Assim, milhares de paraibanos concretizaram tardiamente um direito garantido ao nascer, mas, como diz o ditado: “antes tarde do que nunca”. O problema é que o número, apesar de alto, só representa 13,3% dos estudantes filhos de pais desconhecidos, que foram identificados no Censo Escolar 2011.
O censo apontava a existência de 89.489 alunos que não tinham o nome do pai nos registros de nascimento. No levantamento do ano passado (baseado nas matrículas de 2015), o número baixou para 75.568 estudantes. Vale considerar que nem todos os estudantes identificados em 2011 continuaram na escola em 2015 e também lembrar que nem todos os filhos de pais desconhecidos estavam matriculados em alguma sala de aula do Estado depois de 2011. Assim, o censo acaba sendo apenas uma amostragem de uma multidão de paraibanos “sem pais”.
“Terminei o ensino médio sem ter o nome do meu pai no meu registro de nascimento. Ele sempre esteve por perto, mas nasci de uma relação extraconjugal e não se tinha, na época, o entendimento de hoje: filho é filho, direito é direito… Quando completei 17 anos, ele me registrou, a despeito da pressão da esposa e filhos já adultos. Quando ele morreu, não exigi ‘herança’. Eu já tinha o mais importante: um pedaço de papel que era um pedaço da minha identidade”. (Carmelita da Silva – nome fictício, 45 anos, professora) .
É preciso fazer Justiça
Carmelita não foi um caso isolado. De fato, milhares de paraibanos ainda buscam esse reconhecimento tardio. Desde a Constituição de 1988, filhos são apenas filhos “havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, e terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação” (artigo 227, § 6º). Mas nunca foi simples. Então veio a Lei 8.560/1992 para regular a investigação de paternidade dos filhos tidos fora do casamento.
Não bastou! Então a Corregedoria Nacional de Justiça criou o Provimento 16/2010, que instituiu um conjunto de regras e procedimentos para agilizar o reconhecimento de paternidade. Dessa ação nasceu o Pai Presente, e, com base nos dados do Censo de 2011, segundo o CNJ, juízes de todo o País ficaram responsáveis por intimar as mães para que elas indicassem os nomes dos supostos pais, porque era um direito dos seus filhos obterem esse reconhecimento.
Continua complicado!
O Pai Presente fez mutirões e possibilitou o reconhecimento de milhares de filhos. De acordo com Ana Cananéa, secretária-administrativa e psicóloga da Comissão Estadual Judiciária de Adoção (Ceja) – órgão da Corregedoria Geral de Justiça da Paraíba, responsável pelo acompanhamento do projeto -, nem todas as quase 90 mil mães de filhos de pais desconhecidos em 2011 puderam ser contatadas e em alguns casos as mulheres não quiseram apontar os supostos pais dos seus filhos.
Ana Cananéa explicou que a situação não é fácil. Muitas vezes, o reconhecimento de paternidade implica em relações complicadas e as mulheres preferem que os filhos continuem ‘só tendo mães’, ignorando o direito deles ao reconhecimento e a todas as implicações desse ato, inclusive, para fins de herança.
“O reconhecimento não é só um papel. É preciso que haja o reconhecimento afetivo. Temos pensado ações e ideias para falar sobre isso aos pais. A Ceja entende que pais são aqueles que amam e dedicam sua vida a uma criança/adolescente, com afeto e atenção, cujo vínculo nem a lei, nem o sangue garantem, no entanto, abrir mão dessa paternidade, deixando de educar e fazer parte da vida de seus filhos, certamente, deixará uma lacuna em seu desenvolvimento”. (Ana Cananéa, Ceja/CGJ).
Segundo Ana, no início do Pai Presente, os mutirões foram necessários porque as pessoas não conheciam o projeto. Hoje, segundo ela, o projeto continua sendo executado por cada uma das 75 comarcas do Estado.
Reconhecimento é gratuito
O coronel Adalberto Paiva, gerente administrativo da Associação dos Notários e Registradores da Paraíba (Anoreg-PB) destacou que os reconhecimentos tardios de paternidade são feitos gratuitamente nos cartórios. O pai pode espontaneamente procurar um cartório de registro civil mais perto do domicílio para dar início ao processo de reconhecimento de paternidade do filho, sem necessidade da Justiça.
Mas, havendo dúvida com relação à paternidade, a mãe ou o filho se for maior de idade pode recorrer ao Ministério Público ou a Defensoria Pública para que seja aberta uma ação de investigação de paternidade, com a realização do exame de DNA. Tudo gratuito.
Dados da Anoreg e Ceja não batem
Os registros da Associação dos Notários e Registradores da Paraíba (Anoreg) apontam para quase 12 mil reconhecimentos entre 2011 e junho deste ano. A Anoreg afirma que todos os reconhecimentos passam pelos cartórios e estão no levantamento.
Já a Ceja tem dados maiores, com base nas informações encaminhadas pelas comarcas, que apontam para 16.406 reconhecimentos de crianças, jovens e adultos, entre 2011/2016. Ana Cananéa afirmou que iria verificar porque os dados da Ceja não coincidem com os informados pelos cartórios.
- Andréa Batista, jornalista
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