VIAJANDO POR CUBA E VENEZUELA, por Joaci Júnior

Andando pelas ruas da cidade, observo cada vez mais pessoas vivendo nas ruas, dormindo sob marquises, viadutos, árvores…

São mais de 33 milhões de famintos, na mais absoluta miséria, catando restos e ossos para não morrer de fome no maior produtor mundial de grãos e proteína animal.

O atual governo e sua facção de devotos seguidores costumam citar Cuba e Venezuela como exemplos da miséria alheia, inclusive sem observar os porquês diferentes de cada uma.

Cuba, uma pequena Ilha do Caribe, enfrenta bloqueios econômicos desde 1963. A Venezuela sofre inúmeras sanções econômicas há alguns anos, todas impostas pelos Estados Unidos.

O que existe de miséria nesses dois países decorre em muito dessas retaliações externas, portanto. No Brasil, as condições subumanas desses 33 milhões é resultado de séculos de desigualdades e injustiças sociais, agravadas nos últimos três anos e sete meses por um governo a serviço de uma minoria riquíssima, elitista, egoísta e gananciosa.

Assim, enquanto Cuba e Venezuela são vítimas do Imperialismo Capitalista Americano do Norte, o Brasil é vítima do entreguismo que, entre outros crimes de lesa-pátria, vende o patrimônio nacional a preço de banana, mas de banana dos tempos de baixa carestia.

É bom alguns repensarem, portanto, se é mesmo xingamento mandar os  lúcidos para Cuba e Venezuela. A gente pode viajar por esses países sem sair do Brasil, porque dá pra ver cá a miséria que existe lá. Só que, aqui, em escala super ampliada.

É preciso estancar a destruição do Estado Brasileiro. Temos uma chance imperdível de fazer isso este ano.

FOME, por Babyne Gouvêa

Foto: Agência Brasil

Difícil ir à rua e não se deparar com a pobreza. A carência é visível, fala alto, maltrata qualquer coração minimamente sensível. Entra pelos sete buracos da cabeça como um entorpecente forte, deixando a mente literalmente embriagada.

A imagem aqui descrita não envolve exageros ou demagogias, é simplesmente um fato incontestável. Quem duvidar deve fazer um giro pelos supermercados, feiras, semáforos e outros lugares públicos. Os necessitados estarão no entorno mendigando.

Saia preparado para ser abordado ou fitado por pessoas marcadas pela fome. A tez do faminto é esverdeada, a boca é seca com traços brancos como giz, os olhos esbugalhados e a consciência um tanto obnubilada. Essa imagem é a assimilada por mim.

Há dias assisto cenas de mães e filhos sentados nas calçadas sob sol ou chuva. Já conversei um pouco com eles, interessada em conhecê-los. Talvez para abrandar problema de consciência. Eu me alimento, eles não.

Numa oportunidade, uma das crianças, muito bonita, com presumíveis onze anos, olhou para dentro do porta-malas do meu carro – que abri para pegar algo para dar – e visualizou um bichinho de pelúcia. Era uma toalha. Teimou em ter razão. A confusão foi desfeita, mas ficou a  frustração. É um exemplo do mal que a fome provoca na mente. Imagina ver o que sonha.

O que fazer? Já escrevi sobre a angústia em presenciar gente buscando comida em caixas e caminhões de lixo. Doações solidárias são paliativos – aliviam os sintomas, mas não curam a dor da fome. Essas atitudes não bastam. É muito pouco.

Ações públicas, sem objetivos políticos, devem ser exigidas pela população em prol dos desassistidos. “A fome tem pressa, não pode esperar”, repetia Betinho. Prover os pobres de condições dignas de vida é emergencial, assim como não usá-los como moeda eleitoral é imperativo.

Conclamo os sensíveis a se mobilizarem em torno dessa causa. Após dez anos fora do Mapa da Fome, há três o Brasil voltou ao ‘Top 10’ da miséria humana. Mas, juntos, podemos enfrentar e superar esse flagelo humano.

Mais de 20 milhões de brasileiros não têm hoje o que comer nem com o quê comprar qualquer comida minimamente nutritiva.

A mendicância cresce a olhos vistos nas ruas de todo o país. A continuar do jeito que está, dobraremos o número de famintos até o final do decênio em curso.

Mais fome, mais miséria, mais violência. É o que nos espera, se não fizermos o que devemos e podemos fazer. E cada um sabe o que deve ser feito. No momento certo da escolha mais certa.

O OSSO NOSSO DE CADA DIA, por José Mário Espínola

Capa do jornal Extra de 29 de setembro de 2021

A cena é dantesca. Parece a pintura Juízo Final, de Hyeronimus Bosch. Ou O Triunfo da Morte, de Pieter Brügel. Ambos pintores flamengos, eles se caracterizaram por registrar o que há de pior na espécie humana, realidade ou fantasia. Mas não se trata de arte pictórica e sim de realidade tenebrosa. O que eu li em reportagem da Folha de S. Paulo é que um açougue de Santa Catarina estava praticando a desumana cobrança por ossos e restos de carnes.

A reportagem estampava a placa do açougue, que causou revolta geral: “Osso R$ 4,00 kg. Osso é vendido não é dado.” E é ilustrada por cena tenebrosa de um caminhão cheio de ossos. E outra mostrando disputas por esse rebotalho da carne, que alguns ainda podem comprar nos açougues, para comer. Privilégio de um número cada dia menor de brasileiros.

Chocado, enviei para um grupo de amigos enxadristas, dizendo que aquelas cenas chocantes não foram registradas no Haiti, na Venezuela, em Cuba ou Somália. Muito menos nas Ilhas Virgens. Que elas são cenas de horror do novo cotidiano no Brasil. Grande Mestre respondeu candidamente: “É o resultado do: ‘Fique em casa, a economia a gente vê depois’”.

Enviei para Querido Primo, que respondeu, indignado: “Economia a gente vê depois. O ‘depois’ chegou!”
Referia-se ao fato de governadores e autoridades estaduais e municipais de saúde terem feito logo no início da pandemia opção pelo distanciamento social. Sabemos que eles agiram assim por recomendação das entidades que se orientaram pela ciência e não pela ignorância.

Querido Primo anexou à sua resposta dezenas de reportagens da imprensa européia, que alertam para o fato de que o mundo entrou em recessão global. E arrematou:

– Isso aí (referindo-se às reportagens anexas) não é no Brasil. É no 1º mundo!

Pensei: eu acho que é capaz de eles terem razão… Será? Será que o que está acontecendo no Brasil é mesmo consequência do fenômeno global? Afinal de contas, o atual governo recebeu o Brasil com o dólar na casa dos 4 reais; hoje, anda por volta dos  R$ 5,50 ou mais, na cotação oficial. Êpa! Isso significa forte desvalorização do real.

A gasolina, que girava em torno de 3,80, já está batendo nos 7 reais. A inflação, que estava em torno dos 4%, já atinge os dois dígitos (10,25% ao ano!). A taxa Selic, que regula contratos, empréstimos bancários e cartões de crédito, havia caído para o recorde de 2% ao ano. Foi elevada pelo Copom e já está em 6,25%, com viés de aumento. Isso frustra financiamentos e investimentos, barrando qualquer tentativa de crescimento econômico.

Em janeiro de 2019, brasileiros sobrevivendo abaixo da linha de pobreza somavam 6,5% da população, 13 milhões de pessoas. Ao longo desses dois anos e 10 meses, os mais famintos já são 9,1%.  Significa 19 milhões de pessoas em condições sub-humanas, sem acesso algum ao mínimo de cidadania, com renda mensal de até 140 reais, o que daria pra comprar um bujão de gás e 3 quilos de osso.

Segundo o IBGE, a taxa de desemprego era 11,9% em janeiro de 2019. Agora está em 14,1%. São milhões de pessoas, jovens tentando entrar no mercado de trabalho em busca de algum futuro. Ou quarentões vendo se esvair uma nova chance de trabalho que lhes permita manter uma família. Os que podem correm para o mercado informal. Os que não podem correm para as ruas, desesperados, para mendigar.

Consequência de tudo isso, os alimentos, com destaque para a carne, tornaram-se inacessíveis a uma parcela muito significativa e crescente da população, sobrando-lhes apenas o osso. Nos açougues e supermercados, as filas estão mais curtas e ligeiras, pois diminui rapidamente o número de pessoas que ainda estão podendo comprar comida.

Por isso as ruas estão a cada dia mais cheias de zumbis vagabundeando, ora perambulando pela cidade, ora cercando os automóveis nos sinais dos cruzamentos das nossas principais avenidas, lavando para-brisas ou simplesmente rogando por qualquer modinha.

Mães esquálidas portando filhos famintos nos braços. Crianças e jovens sujos e mal vestidos. Mocinhas com as roupas manchadas pela menstruação, pois tiveram o acesso a absorventes higiênicos negado pelo presidente da República. O mesmo que comprou apoio no Congresso por 6 bilhões de reais.

Só faltavam nas esquinas os palhaços, marcianos, canibais, lírios, pirados, dançando dormindo de olhos abertos à sombra da alegoria do faraó embalsamado no Planalto, na bem retratada canção de João Bosco e Aldir Blanc. Mas eles já avisaram que estão chegando.

Por tudo isso, então, eu passo a achar que Grande Mestre e Querido Primo não têm razão, carecem de argumentação. O Brasil é que se deteriorou nitidamente ao longo de uma administração (?) desastrosa desde que assumiu (?) o governo federal. Mesmo detentor de maioria explícita adquirida no Congresso, para fazer o que quiser, o governo não tem competência nem para elaborar um projeto de lei decente que consiga aprovar.

O presidente nunca assumiu a administração do país, vivendo num eterno delírio de reeleger-se. Numa longa “viagem” de fazer inveja aos hippies dos anos 1960, sem pôr os pés no chão. A grande dúvida é: qual será o país que ele entregará no dia 1º de janeiro de 2023? O Brasil da carne ou o Brasil do osso?

_____________________

  • Fontes: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, Banco Central e Receita Federal

OS ABENÇOADOS, por Rubens Nóbrega

23-04-20 Entrega de alimentos a pessoas em situação de rua  foto- Alberto Machado  (4).JPG

Até março de 2020, a Asa preparava 850 refeições por dia. Hoje, serve mais de 4 mil (Foto: SecomPB)

“Ei, abençoado, me dê uma ajuda…”, pede o rapaz de presumíveis 20 e poucos anos que me suplica esmola de mão estendida. Mas, antes mesmo de dar algum trocado, dá mais vontade ainda de lhe dizer: “Não, não sou abençoado”.

Casa Banho Praia, na Rua Izidro Gomes, em Tambaú (Foto: Asa)

Abençoado é o pessoal da Ação Social Arquidiocesana (Asa), que todo santo dia serve mais de 4 mil refeições aos pobres e famintos que a gente vê cada vez em maior número nas calçadas, sob marquises ou semáforos das ruas de João Pessoa.

Casa Banho Centro, na Rua Duque de Caxias (Foto: Asa)

Abençoado é o funcionário ou voluntário que todo santo dia abre e mantém duas casas para oferecer – a quem vive ao relento – um lugar onde fazer necessidades, tomar água, tomar banho, lavar e trocar a roupa e até cortar cabelo.

Máquinas para lavar roupa de quem vive na rua (Foto: Asa)

Abençoado é quem, na mesma equipe, faz escuta espiritual, encaminha doente que precisa de hospital para o Hospital Padre Zé e dependente químico para a Fazenda Esperança, onde mora a chance de alguém se recuperar das drogas.

A Arquidiocese também oferece escuta social e espiritual (Foto: Asa)

Esses, sim, são abençoados. Porque fazem por onde dar solidariedade e o mínimo de dignidade aos desventurados que sofrem e sobrevivem nesta cidade e em quase todas as outras sob condições tão adversas, deploráveis, subumanas.

  • • Com informações da Asa (por Juliana, Assistente Social, e cônego Egídio, secretário executivo) 
  • A Ação Social Arquidiocesana da Igreja Católica na Paraíba conta com recursos arrecadados pela Campanha da Fraternidade e de convênio com a Secretaria de Desenvolvimento Humano do Governo do Estado (SEDH-PB)