DESATANDO OS NÓS, por Bethania Nóbrega

(Imagem: Hierophant)

A vida na sua imperfeição nos ensina que relacionamentos perfeitos não existem, mas toda história pode mudar e onde houver dor pode vir a existir amor através do perdão, que é o remédio que falta pra desatar muitos dos nós dessa vida.

Essa história fictícia que vou contar é entre um pai e um filho machucados com o que a vida lhes causou. Fala de sentimentos e mostra o quanto é importante a gente falar e não deixar que o tempo passe. Por que será que temos tanta dificuldade de falar de sentimentos pro outro?

Penso que, nessas coisas de relacionamento, “o coração tem razões que a própria razão desconhece”. Enfim, o tempo não volta, mas sempre dá pra tentar, a partir do perdão, o recomeço de uma nova história.

Desatando os nós

Estava tudo certo
Já foi, já passou
O tempo não traz
O tempo não é capaz
De se mostrar diferente
Do que existiu
Esse amor de agora
Não nos cabe
Ele se modifica ao sabor
Dos seus sentimentos
Não quero ser infantil
Não sou mais criança
Aceitar seus erros é fácil
Seus sentimentos não
Seus olhos não
Me enganam mais
Retorcidos e enxaguados
De mágoa que a vida lhe causou
E você me diz que a culpa é minha
Foram suas, as escolhas
Eu fiquei com as consequências
Que o destino me deixou
Não lutemos mais
Pois só o perdão
Pra desatar esse nó
Em nós

@bethania_nobrega

UMA PROPOSTA DECENTE

Imagem meramente ilustrativa reproduzida do YouTube

Seus filhos jamais desconfiaram que quase tiveram outro irmão ou irmã e por muito pouco não foram os mais novos de uma prole maior.

Faltou um tantinho de nada para o pai deles aceitar proposta quase irrecusável. Uma bonita colega de trabalho propôs terem um filho, mas a criança seria totalmente dela, afetiva e materialmente, do parto à formatura, produção independente total.

Tratado feito mero doador de sêmen, diante da proposta fez cara de chocado, quase ofendido. Fez mais: para dar autenticidade à sua aparente repulsa, disse à proponente que era radicalmente contra “gravidez de laboratório, por não ser coisa de Deus”.

Sandra, eis o nome da colega, surpreendeu-o mais uma vez. “Eu também sou contra, mas tem nada a ver com religião. Sou contra porque é muito caro. A gente faz de forma natural, mas sem envolvimento algum, viu? É somente sexo e amizade, nada mais”, explicou ela.

Explicação de efeito imediato e visível no semblante e terminações mais enervadas do possível reprodutor. Deu trabalho disfarçar a excitação; muito mais, manter-se fiel à postura calculada, de ficar quieto e sério para não dizer logo um sim turbinado por um “só se for agora!”.

Conseguiu balbuciar “vou pensar e dou resposta”. Finda a conversa, reservada e quase sussurrada no cafezinho na repartição, ele saiu dali e foi direto contar a Moreira, melhor amigo e vizinho de birô, que “estava a ponto de ganhar, sem apostar, na Mega-Sena”.

“Quem, aquela gostosa? Não, não é possível. Deixa de ser mentiroso, rapaz. Se ela souber…”, gozou Moreira, emendando: “Sério que ela te chamou pra fazer filho? E tu não fosse? Ou foi e deu aquela brochada?”. Realmente, mesmo em confidência, a história era inacreditável.  

Era tudo verdade, no entanto. Muito embora no íntimo o escolhido reconhecesse ser difícil alguém acreditar que ele fora eleito por aquela mulher atraente, bem sucedida e bem resolvida. Ainda mais assim, desobrigando-o de qualquer responsabilidade no pós-parto e além.

“Epa, peraí! Também tenho qualidades. Não sou um galã, é verdade. Muito pelo contrário. Mas tenho algum charme, sou confiável, inteligente, bom caráter…”. Passou o resto do dia moendo no juízo especulações do gênero. Queria se convencer de que não era descartável. 

De qualquer modo, tão logo reencontrasse Sandra, perguntaria, sem enrolar nem arrodear: “Por que eu?”. Reencontrou, perguntou. O que ela falou deixou-o com mais dúvidas: “Só quero ter com alguém que não venha me aperrear ou cobrar depois qualquer coisa, a mim ou a meu filho”.

Ele pensou, pensou, pensou… E não topou. Botou na cabeça que ela escondia algo, que mais tarde aquela relação acabaria em pensão alimentícia. Engano. Ela nada queria nem precisava. Ganhava o suficiente para criar o filho sozinha, educá-lo e dar ao mundo uma boa pessoa.

Daquele momento em diante, nunca mais se falaram e até se evitaram. Dois meses depois, apareceu barriga em Sandra. Mais seis, ela deu entrada na licença-gestante, emendou férias acumuladas e ainda pediu prorrogação por motivo de saúde dela ou do bebê.

Discretamente, ele acompanhou todo aquele trajeto. Soube do nascimento de um menino e na véspera de retorno dela ao trabalho, de um pedido que Sandra fizera – no que foi atendida – para ser transferida e lotada em outro órgão. Passaram-se dois anos. Semana passada…

Esbarram-se no corredor de um supermercado. Sandra empurrando um carrinho; ao lado, uma criança, empurrando outro. Cumprimentaram-se fraternalmente. “Esse aqui é o Felipe”, apresentou ela. Ele olhou com admiração para o garoto. “Lindo menino, lindo mesmo”, atestou.

Despediram-se. Ela foi em busca de detergentes: ele, direto para o caixa. Onde chegou ligeiro, quase deixando escapar pela boca e bem alto a conclusão – ou descoberta – que acabara de formar em sua mente. “Poxa, o moleque é a cara do Moreira!”.

CRIANÇA DIZ CADA UMA!

Acho que já contei essa. Digo acho porque a memória é pouca e os arquivos, desorganizados ou irremediavelmente apagados. Vou recontar, então, porque é história de filho. Pra gente, que é pai, sai nunca de cartaz.

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