Os clarins anunciam a chegada da vacina. Com ela, o próprio Carnaval. Não o cancelado, deste fevereiro, mas a sua essência, a vida pulsante que ele carrega debaixo das sombrinhas de frevo. Ouço de longe o baque solto dos maracatus. Minhas mãos já se dão em ciranda.
“Você vai mesmo se vacinar, moça?”. Estarrecida, quase não compreendo a dúvida.
Quero a vacina como quero a vida com suas prévias, sua apoteose, suas quartas-feiras de cinza. A vida desembestada que nem um dragão vermelho cuspindo labaredas, um elefante virado na folia, um calunga dançando à meia-noite.
Porque a vida, meu bem, é feito o Carnaval. Ela tem todo ano, mas é curta. Um tal de sobe e desce ladeira, num instante acaba.
Vou tomar, sim. Mal posso esperar por essa injeção de vida. Os clarins já anunciam.
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- Nota do Editor
- Com essa, Ana Lia Almeida encerra magnificamente a série Curtinhas da Quarentena, que a inscreveu entre os mais admiráveis talentos da literatura paraibana
- Imagem que ilustra a crônica foi copiada do Instagram do Bloco Eu Acho é Pouco