BRAVO, AMIGO LETO! por Francisco Barreto

Wellington Farias com a netinha Helena

Há um tempo na vida em que o afeto passa a ser o critério dela. De suas verdades em que o tempo, apenas, nos subordina a ser-mos alma e andarilhos de coração aberto em busca de um tempo de renascer e de prelúdios que evocam os sentimento mais nobres de uma dimensão amorosa sobre a vida e a morte. Os mortais caminhantes não sabem muito de seus caminhos, ao andar os fazem. Recorro ao grande poeta andaluz Antonio Machado.

Os amigos que deslizam no meu pensar são fontes que jorram a alegria de viver.

Na condição de ermitão que sou, despojado de qualquer penitencia, usufruo da vida e do seu termino, submergindo a um só tempo na paz, e no resgate das horas de remotas e lindas felicidades passadas que insistem em continuar vivas. Amores lindos e não findos.

E nesse vaguear, uma coisa após a outra no dizer cartesiano, sou um dependente que abraço da minha memória afetiva. A minha memória, se debruça sempre sobre as minhas enevoadas e inacabadas paixões i. E nela transitam igualmente os amigos e camaradas de priscas e recentes eras.

Hoje, e sempre o faço, e me digo presente à sombra de preciosas e fraternais amizades que vicejam como um belo e ardente flamboyant. Flamboyant com o seu agudo vermelho que resplandece sem patinar… no rouge carmim.

Aqui e agora, me preparei para vir ao seu encontro Welington Farias.

Aqui, estou Feliz e venho lhe abraçar e a sua família. Aporta-me prazer a reeditar a imagem de Helena, sua netinha.

À sua demanda, atendo o seu ato de benevolência, estou aqui lhe abraçando, e não declinaria desta sua evocação que me faz palmilhar um profundo prazer. Me concedeste uma extraordinária busca no tempo, e no espaço, e que me e se espraio respirando emoção, olhando, e sentindo as belas sinuosidades da sua terra querida.

Você Leto, me inspira emotivos sentimentos que derivam da sua simplicidade, de sua coragem, de seus predicados e virtualidades, inteligência, sensibilidade, e mais que isto, cultuar o exemplo de sua consciência critica sem lampejo a qualquer submissão.

Simples e digno lhe vejo como uma das flores de meus afetivos jardins.

Os seus dizeres enquanto “espião da alma popular” nos agraciou com a sua difícil e formidável trajetória. Como Neruda e seu cavalo voce, também deslizou nas suas paragens à la “recherche” de sua cristalizada e viva infância.

Está na memória dos humildes de sua terra. O seu passejar, o seu bornal e a sua cavalgada até o Engenho Canadá varando as veredas de Guabiraba, Baixa Verde, Martiniano, Poções, Belo Horizonte, e muito mais. Lembram-me do lamaçal que você entrecortava, e então apiedado você descia do seu dedicado Tarpã, o seu cavalo, que o conduzia com as suas firmes e generosas mãos abraçando seu bornal de utopias e saudades.

Tarpã que você assim o denominou, indo muito longe até a mitologia da Canção dos Nibelungos poema que narra como Siegfried matou um “cavalo furioso” um Tarpã dos Bosques. Homenageou seu cavalinho invocando a ancestralidade dos extintos equinos selvagens Equus ferus)) conhecido como cavalos de sangue quente das estepes euroasiáticas.

O seu companheiro cavalo Pampo com sinuosas e estrias brancas, galopando ofegante não esquecerá de seus gestos de delicadeza onde ele estiver. Trôpego, e agradecido lhe era pelos seus gestos de cumplicidade moldados na sua grandeza.

Não lhe nunca esquecerão os jovens que você os conduzia pelos ensinamentos e mãos no violão clássico onde reinava Villa Lobos, Segóvia, Baden e tantos outros. Aranjuez, certamente lhes chegava pela sua aguçada sensibilidade.

Que belos ensinamentos ! Ediificante surpresa quando me deparei com um dos seus alunos no jardim das Lararanjeiras dedilhando o gigante Villa Lobos e seu Ponteio da Bachiana No 7 em seu Primeiro Movimento. Surpreso fiquei contemplando a sua admirável façanha ao ser o Mestre de tantos jovens pobres de Serraria.

Leto, meus amigos, como um genial e gentil artista esculpiu na alma e no coração dos deserdados jovens: o cultivo da erudição musical de Heitor Villa Lobos. Por suas mãos, levou os humildes e jovens a migrar de seus calejados e ressequidos dedos a dedilharem acordes da nobres e infinitas musicas eruditas e clássicos populares..

Voce foi formidável. Voce ensinou aos pobres meninos irem muito além dos golpes das enxada e foice existia a grandeza das partituras musicais. Os jovens , pobres jovens, deslizaram nas suas utopias, que pela suas generosas mãos e paciência os levou e os libertou da escuridão. Sem ambições, como um legitimo humilde franciscano conseguiu o quase impossível iluminou a sua desditada terra com grandeza da cultura, da arte e do saber.

Leto é senhor de um estoicismo luminar. Lembro a grandeza do titã Prometheus que desafiou Zeus e que concedeu aos seres humanos o poder de pensar e raciocinar e lhes transmitiu os mais variados ofícios e aptidões. As chamas do Olimpo deu a luz aos homens.

Belo exemplo que chega até nós varando a penumbra da simplicidade e da sua resoluta incognoscibilidade.

Quantos de nós mortais e imortais conhecemos os meandros da grandeza e da generosidade do homenageado ! Quantos desta memorável Academia pela força dos gestos se dedicou a ter alguma proximidade com jovens e crianças lhes abrindo o olhar para a cultura, as artes, e o saber humano ?

Wellington Farias faz parte das incontáveis legiões de entes humanos que em todas épocas foram dedicados aos gestos mais sublimes da condição e da dignidade humana.

Welington não foi apenas um predecessor musicista. Se debruçou durante anos um leitor empedernido de todos os gêneros de literatura e, mais tornou-se um jornalista com refinado e preciso estilo critico ao se debruçar sobre pautas sociais, políticas e culturais na imprensa escrita, radiofônica e mais recentemente no universo virtual.

Foi e sempre será um jornalista profissional louvado pelos seus contemporâneos que sempre lhe destinaram distinguidas reverências pela simplicidade e a coragem com que enfrentou todos os embates de modo destemido.

Sempre no front das missões jornalísticas nunca hesitou fazer de peito aberto entrevistas com distinguidos ícones da política brasileira e local, do mundo cultural e artístico.

Com fervor e espírito arrebatado, encarou seu papel na imprensa derramando as suas emoções e opiniões com a verdade e a coragem de um pequeno grande homem.

Com a sua arguta e buliçosa inteligência, no rastro de sua consciência de seus limites culturais e intelectuais de um menino de interior, sempre se submeteu a exitosas conquistas, e por consequência, do alto de sua humildade e destemor é respeitado por seu desempenho como homem de imprensa.

Seus limites interioranos todos foram superados quando demonstrou que a prática é o critério da verdade. Isto lhe credita enorme respeito. Welington foi enormemente penalizado pela geografia de sua origem, mas seguiu ao pé da letra o ensinamento de Goethe : “Se limitar para Crescer.”

Soube se limitar para crescer. Ademais, sempre teve postura ética e moral, não deixando se seduzir pelas embriagantes e ilusórias luzes e benesses do poder. Comportamento raro no meio profissional em que milita.

Lembro-me de Tristão de Athaíde o grande mestre quando um disse nos escreveu “ é pavoroso para um homem da imprensa abordar pautas que denigrem a imagem da dignidade e da condição humano. Sofremos todos !”

Pobre e obscura Serraria, que nunca lhe destinou a menor das honrarias ao seu ilustre e (di)Leto filho. Parafraseando Bertolt Brecht, diria: “Há homens que lutam toda a vida e estes são imprescindíveis”.

Leto é um desses. Pobres e medíocres são os serrarienses que nunca o distinguiram. Logo ele que sempre teve uma desmedida paixão pela sua imerecida terra.

Hoje, vivo e audaz, encara com rara coragem enfrenta o duro desafio que a vida lhe impõe. Ao lado de sua preciosa família e de seus amigos, com os pés e as mãos numa luta sem tréguas se mantem incólume mentalmente sem renunciar a sua já e amplamente reconhecida coragem e vontade férrea de louvar a vida. Ele é exemplo formidável de ser humano que encanta a todos que o estimam e o conhecem.

E, se um dia sua queridinha neta Helena, desejar escrever ou falar do seu formidável Avô o diga que ele teve todos os seus dias, inicio e termino, dedicados à sua família, à sua terra,à sua conduta ética e moral, e que nós seus amigos sempre o tivemos no lado do peito esquerdo.

Bravo, amigo Leto!

(Saudação ao jornalista Wellington Farias por ocasião de homenagem que lhe foi prestada pela Confraria Sol das Letras na Academia Paraibana de Letras, em 28 de setembro de 2023)

TERRA DE NINGUÉM, por Frutuoso Chaves

Imagem copiada de imagocomunicacion.com/diga-33/

O reencontro casual com um amigo de infância a quem há muito eu não via levou-me ao rum que não posso tomar e aos salgadinhos proibidos por dois arengueiros: a mulher e o endocrinologista. Acontece que determinadas situações sempre justificarão as brigas em casa e no consultório médico. A de ontem foi uma delas.

Eu já me punha à procura do Uber depois da compra do livro recomendado por uma alma santa, dessas que não bebem nem arengam, quando uma voz do além gritou meu nome. Virei-me para ninguém. Não dei mais do que cinco passos e lá me veio novo chamado. Olhei em volta apenas para caras desconhecidas logo atinando que uma daquelas colunas do Shopping escondia um moleque. Assim, decidi não mais dar-lhe ouvido.

Foi quando aquela cara vermelha e redonda veio ao meu encontro com um sorriso de orelha a orelha. Os primeiros minutos de conversa na Praça da Alimentação nos recomendariam a mesa e a carta de bebidas no andar superior.

Os assuntos mais sérios surgiram quando já havíamos esgotado a bisbilhotice: o flagrante que deram naquele viúvo inconsolável numa das ruas mais suspeitas do Recife, a coragem do padre ao peitar o poderoso chefe político e o medo do sargento, homem por todos temido, quando do anúncio da invasão da pequena cidade por um bando de sem-terra, no auge das Ligas Camponesas. Houve exercícios de guerra na rua principal com meia dúzia de soldados a simular disparos, deitar, rolar e se esconder por trás dos troncos de fícus. O que então nos chegaria era um grupo numeroso de roceiros, enxadas nos ombros, para a convocação dos companheiros de infortúnio à luta pacífica por um pedaço de terra onde plantar e criar os filhos.

Meu amigo vinha de uma bateria de exames caríssimos. Lastimava o desaparecimento dos antigos médicos de família. “Lembra quando Dr. Manoel saía de Itambé, pasta na mão, para visitas domésticas à clientela de Itabaiana, Juripiranga e Pilar?”, perguntou-me com o olhar distante, talvez fito nas salas de estar da nossa infância. E nas de refeição, pois o bom homem não se negava aos convites para o almoço, ou o jantar.

Contou-me que, oito anos atrás, quase sem dinheiro, reviveu um pouco daquelas “consultas humanizadas” – termo por ele empregado – ao ser atendido por um médico de sotaque estrangeiro embarcado desde Cuba para as Unidades Básicas de Saúde deste Brasil sofrido e desigual. Consulta minuciosa, demorada. Aperta aqui, ausculta ali, perguntas e mais perguntas com as cadeiras lado a lado, sem a barreira da mesa e, por fim, a prescrição correta do remédio, a julgar por seu pronto restabelecimento.

Um assunto puxa o outro e lá veio a observação de que o Programa Mais Médico não foi feito para cubanos. Estes surgiram como alternativa aos nacionais quase sempre indispostos ao exercício da profissão nos redutos menores e mais remotos. “Não há quem tire filhos adolescentes nem mulher de médico das beiras de praia e shopping-centers”, riu meu amigo. Concordei com ele e, em benefício da conversa, acresci um testemunho pessoal.

Quando, pela primeira vez, exercia a Presidência do Tribunal de Contas da Paraíba, o conselheiro Arnóbio Viana instituiu o Programa Voluntário do Controle Externo. A sigla era um achado: “Você”. Assim, também, o lema: “Você é o Fiscal”.

Os tais voluntários eram pessoas de meia idade indicadas por Associações de Amigos de Bairros, Clubes de Mães e organizações como o Sesc. Treinados por equipes do Tribunal, eles anotavam problemas capazes de prejudicar, ainda mais, o já precário funcionamento dos Postos de Saúde Pública. O médico inexistente, ou faltoso, a enfermeira em período de férias e não substituída, a falta de medicamentos, áreas mal iluminadas e inseguras, sanitários em petição de miséria, tudo isso era repassado ao Tribunal que, aí sim, despachava auditores para a confirmação, ou não, das falhas apontadas pelos voluntários.

Os queixosos sempre estavam com a razão. Em todos os casos, os prefeitos eram então convocados para assinatura de um Termo de Ajustamento de Conduta ao cabo do qual tinham 30 dias para a solução dos problemas, sob pena de multa pessoal e da repercussão do desleixo no julgamento de suas gestões. Mas vi, algumas vezes, prefeitos de primeiro mandato, jovens e apreensivos, abrirem a pasta para mostrar ao presidente do TCE editais de concursos vazios. Ou seja, ninguém se interessava por essas vagas.

“Como eu vou levar minha família para um lugar onde nem mesmo existe uma habitação decente?” – ouvi, muitas vezes, pergunta desse tipo feita por juízes ao então presidente do Tribunal de Justiça Raphael Carneiro Arnaud, a quem também assessorei.

O velho Raphael tentava fazer com que cumprissem a Lei Orgânica da Magistratura que a todos obriga a residência na Comarca. O Programa “Casa do Juiz” foi a resposta dada aos reclamantes. Assim, mandou edificar mais de 40 moradias confortáveis, com jardins, boas cozinhas, salas amplas e quartos refrigerados. O sucessor deve ter feito outras tantas para aqueles juízes. Hoje em dia, não sei quantas dessas casas permanecem fechadas, a não ser por ocasião de despachos ou júris, uma vez por semana.

Falamos de médicos, juízes, mas, ainda, de promotores e delegados de polícia igualmente afastados do convívio diário com as populações às quais servem.

Eu e meu amigo conseguimos lembrar do delegado que nos viu crescer e de boa parte dos seus comandados. Estes sabiam nossos nomes e conheciam nossos pais tanto quanto disso sabiam as professoras do Grupo Escolar. Pessoalmente, devo a um juiz, o Dr. Mário Moura Rezende, o socorro na queimadura severa com leite quente. Ouviu meus gritos de menino pequeno e pediu que minha mãe mandasse alguém à procura de bicarbonato de sódio, clara de ovo e uma levedura da qual não lembro para que a mistura disso tudo, como no preparo de uma omelete, me fosse passado no peito, suavemente, com uma pena de galinha.

Revi o querido Dr. Mário, já desembargador, com a alma em festa, quando chegou ao Jornal O Norte, cuja Redação eu então dirigia, para a publicação de um artigo. Pois não é que ele falou do episódio do leite quente à equipe inteira. Que bela alma.

Conto isso aos parentes mais novos quando das minhas viagens ao interior e eles me olham com cara de inveja. Afinal, cresceram e habitam uma terra de ninguém. Ali, hoje em dia, até o padre tem certa itinerância. Bem o sabem os que têm a idade e as memórias que temos eu e meu amigo brincalhão. Foi um prazer esse encontro, querido.

AMIGO É PRA ESSAS DORES, por Babyne Gouvêa

Telefonia no Brasil em pleno crescimento.

(Imagem meramente ilustrativa. Crédito: Rafael Neddermeyer/Fotos Públicas/Agência Senado)

– Alô, amiga!
– Poxa, que surpresa!
– Está tudo bem com você?
– Eu é que pergunto, pelo tempo do sumiço…
– Bom, muita coisa aconteceu, surgiu, melhor dizendo…
– Mas a saúde está boa?
– Bem, boa mesmo não está, mas estou lutando…
– Humm, está me deixando preocupada…
– Vamos colocar o papo em dia…
– Está tergiversando?
– Não, você sabe que eu não gosto de falar sobre mim…
– Ué, mas em se tratando de saúde…
– Vamos papear sobre o que a gente gosta, você está sabendo do ABBA? Vai lançar um álbum depois de 40 anos, minha amiga…
– Uau!
– Sim, soube que vocês foram assistir ao show do Paul… Sei que já faz um tempinho.
– Sim, foi delirante, algo indescritível.
– Me fale, estou imaginando você cantando Hey Jude. Sempre gostou de cantar.
– Tá, mas e você?
– Eu? Eu cumpri a minha missão…
– Como é que é?
– Sim, it’s life. Meus filhos, netos e esposa estão muito bem…
– O que você quis dizer com isso?
– Estava resgatando as lembranças que são muitas. Lamentei muito a ida do Charlie Watts.
– Poxa, não só lamentei, mas lembrei logo de você que o preferia ao Ringo.
– Sem dúvida era melhor. De bateria eu entendo. Olha a modéstia…
– Sim, sei disso, nem discuto. Okay, agora fale de você.
– Lembra que você me disse “nunca é tarde para começar a ler Dostoiévski?” Dei início…
– Lembro sim, mas o que tem a me dizer sobre a sua saúde ou a falta dela?
– Tá bem, a você eu falo…

***

A ligação continuou entre palavras sofridas e risadas fingidas durante uma hora. A conversa seguiu entrecortada com hesitações pungentes e frequentes pausas.

Uma mistura de sentimentos se instalou. O bloqueio natural de raciocínio comprometeu a espontaneidade do contato por muito tempo aguardado. Com revelações lamentosas ambos manifestaram o emocional desestabilizado, mas firmes na convicção de que amigo é pra essas dores.