Não lembro que prefeito tratou de chumbar umas argolas de ferro no leito da Avenida José Lins do Rego, até a vizinhança da Praça João Pessoa, no Pilar da minha infância.
Mas lembro das queixas da Dona Guajarina, nossa vizinha, em decorrência de buracos feitos, antes disso, no calçamento da rua principal onde se enfiavam pinos metálicos. Essa coisa servia à amarração dos balanços e carrosséis daqueles antigos parques de diversão. Terminadas as festas de fim de ano, os donos dos brinquedos não cuidavam de tapar a buraqueira, o que insatisfazia a moça.
Naqueles idos, a moça carrancuda valia-se do parentesco com o poderoso chefe político local (de quem ganhara cargo vitalício na Prefeitura) para mandar e desmandar, o tempo inteiro, em todos e em tudo. E pode-se incluir na relação de seus subordinados uma sucessão de prefeitos.
As tais argolas foram ideia sua e, depois delas, parque nenhum fez mais buracos na rua. Perdão, na Avenida, com “a” maiúsculo, por mais que isso possa divertir os acostumados aos vastos espaços das grandes cidades do País, ou do mundo. Acontece que Pilar tem grandezas conferidas pelo coração. Perto desse aglomerado humano – que atravessou eras com medo das cheias do Rio Paraíba – Nova York é pinto. Quinta Avenida… Pois, sim.
Voltemos, porém, aos velhos parques. Egresso do Recife e das férias escolares, eu gostava de acordar nas madrugadas com o barulho da instalação de rodas gigantes, balanços e carrocéis. O raiar do sol trazia, não raramente, a surpresa de ruas embandeiradas. A noite, por sua vez, traria o vai e vem das pessoas advindas, no mais das vezes, dos sítios e pés de serra.
Ainda menino, eu ficava a contemplar o passeio das moças surgidas da zona rural. Andavam quilômetros descalças por trilhas e estradas de barro, mas punham os sapatos tão logo entravam na cidade. A operação seguinte consistia em ajeitar o penteado, passar batom e rouge vermelhos e esfregar na nuca, ou decote, com a ponta de um dedo, o conteúdo de um frasquinho minúsculo. Eu poderia jurar que o cheiro recendia da Praça do Leite ao Compra Fiado. “Extrato”, é como chamavam isso. Depois, punham-se em duplas, de braços dados, a caminhar entre o povaréu. Ao fim de cada percurso, davam meia volta, entrelaçavam os braços (agora trocados) e retomavam a caminhada. Impossível não percebê-las.
Mas era do Serviço de Som aquilo de que eu mais gostava. A coisa se resumia a uma casinha de tábuas com as cores do parque e área um pouco além de um metro quadrado (o suficiente para acomodar a aparelhagem, os discos e o discotecário), afora dois ou mais alto-falantes atados no alto de um mastro para irradiar músicas e dedicatórias. Algo do tipo: “Atenção, Marina. Assim como as flores abrem as pétalas para receber o orvalho da madrugada, abra seu coração para esta canção que Antonio agora lhe oferece”. E tome Nelson Gonçalves, tome Anísio Silva, tome Ângela Maria.
Ah, sim. Antes que a Hidrelétrica de Paulo Afonso trouxesse a eletricidade para as pequenas cidades do interior, os parques de diversão tinham seus giros garantidos por gente para tanto contratada. “Movidos a feijão”, dizia-se. O motor da luz, ligado e desligado por Seu Oscar, servia à iluminação das ruas, residências e casas de comércio. Também, é claro, em momentos festivos, às difusoras de músicas, algumas, pomposamente, com títulos e prefixos.
Mas, por que fui lembrar disso tudo? O que vou fazer com o restante do dia? Morrer de saudade? A passagem dos anos é uma bosta. Neste exato momento, sinto falta, até, da Dona Guajarina.
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