QUERO DE VOLTA, por Frutuoso Chaves

Cena de ‘Houve uma vez um verão’

Sem sono, nesta madrugada, ponho um vinho para gelar e trato de buscar, numa das minhas prateleiras, o belíssimo filme de Robert Mulligan “Houve uma vez um verão” (Summer of’42) rodado em 1971.

O enredo baseou-se em fatos realmente ocorridos. O roteirista Herman Raucher retratou aquilo que com ele mesmo aconteceu. Não é apenas um filme, é um poema, um cântico à juventude, com direção primorosa e trilha musical inesquecível, assinada por Michel Legrand.

Para quem disso não saiba, trata-se da descoberta do mundo e do amor por Hermie (Gary Grimes), o garoto de 15 anos que, nos idos de 1942, apaixona-se por Dorothy (Jennifer O’Neill). A moça, recém-casada, perdera o marido nos campos de guerra da Europa.

Que bela passagem aquela em que o menino Hermie é iniciado por Dorothy. O silêncio, numa das sequências sem fala mais longas da história do cinema, somente é quebrado pelo vai e vem das ondas do mar próximo e pelo arranhar da agulha que percorrera toda a extensão do disco posto na vitrola, pasme-se, com a reprodução do tema encantador. Nada de erotismo, apenas ternura, enternecimento.

Quando da primeira vez em que eu via este filme (e já o vi umas 15 vezes), notei no transcurso desta cena que na cadeira ao lado uma menina limpava as lágrimas. Estávamos no Municipal, o cinema do centro de João Pessoa abatido, inapelavelmente, pelo tempo e pelos novos costumes.

“Nunca mais soube dela”, comenta, saudoso, um Hermie de meia idade, narrador do próprio passado, antes dos créditos finais. Além da narração com voz adulta, nada mais dele aparece na bela fita. Que sacada saborosa: um homem adentrado nos anos a ressuscitar o menino que um dia foi.

A cena final é impagável. Manhã do dia seguinte, o garoto volta àquela casa de praia. O que ali encontra é uma carta na qual a moça reza para que a vida o poupe das grandes dores e, ainda, para que o futuro a ele reserve a exata compreensão daquilo que entre ambos ocorrera.

A Dorothy que, horas antes, havia levado um garoto à cama era uma jovem mulher aniquilada pela notícia da perda do marido, tão jovem quanto ela, num dos palcos da guerra. Hermie, que fora visitá-la na noite anterior, percebeu o telegrama doloroso, o cigarro a fumegar no cinzeiro, a garrafa de uísque pela metade e a agulha a arranhar o disco. A moça saía do banho já vestida quando ele repunha a música. Ambos, em lágrimas e silentes, se abraçaram. E iniciaram a dança lenta reproduzida no chão pela sombra esmaecida do casal. O que ela então via era a silhueta do bem-amado no piso da sala. Certamente, pensou em tê-lo pela última vez.

Li que, depois do lançamento de 1971, Raucher recebeu centenas de cartas de mulheres que se diziam “Dorothy”. A revelação de detalhes conhecidos apenas pelos dois permitiu-lhe a identificação da verdadeira. Ela contava, então, que havia casado outra vez, era avó e vivia feliz.

Uma curiosidade: a atriz, filha de Irene Freda (uma londrina) e do brasileiro com ascendência irlandesa Oscar Delgado O’Neill, nasceu em 1948 no Rio de Janeiro.

Mas, o que agora vem ao caso é o sumiço do meu filme. Não consigo achá-lo em canto nenhum. Mesmo depois de acordar a Patroa que está a ponto do divórcio.

Resta-me contentar com o vinho e outro bom filme: “Loucuras de Verão” (American Graffiti, do competentíssimo George Lucas). E, também, esperar que meu DVD esteja em mãos amigas. Eu o quero de volta. Quem o levou, se devolvê-lo, estará perdoado. Ou será perdoada? Vá lá saber…

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