Tal como suas antepassadas, a Google é uma empresa humana disposta a compendiar conhecimentos e avanços conceituais formando arquivos (no caso aqui, gigantesco) de dados. Criado por dois jovens estudantes norte-americanos durante os últimos dois anos do século XX, na Califórnia, essa empresa de informática beneficiou-se enormemente daquele sistema de comunicação interno, criado há 75 anos por professores estrangeiros (entre estes, cientistas como Albert Einstein e Niels Bohr) trazidos de uma Europa praticamente destruída pela Segunda Guerra Mundial.
Convertidos em moradores de campi universitários, a nata científica do Ocidente, exportada pelo nazifascismo para os EUA, seguiu seus estudos, apesar de espionada pelo FBI, que não tardou a se apropriar dos segredos daquele rápido arranjo feito entre eles para compartilharem com exclusividade os avanços teóricos e práticos de ciências naquele momento em processo em expansão, especialmente em ramos da Física e da Química, através de vários de seus desdobramentos, como eletromagnetismo, radioatividade, fissão nuclear etc. O tal arranjo que não foi outro senão aquele que resultou na primeira rede internética do mundo.
Anos depois, ali por volta de 1998, provavelmente sem fazer ideia das origens da própria ideia, aqueles dois jovens amigos e colegas de banco escolar, Larry Perin e Serguei Brin, com pouco mais de 20 anos cada, valendo-se da informática, começaram a seguir não os passos dos cientistas europeus, mas daqueles iniciados há 2.700 anos atrás por Assurbanipal, um rei assírio, último de uma dinastia formada por invasores da Mesopotâmia. Temos a seguir uma sucessão histórica de quatro antepassados do Google, na verdade dos fundadores do atual sistema de arquivo do conhecimento.
1. BIBLIOTECA DE NÍNIVE, fundada por ASSURBANIPAL, século VII a. C.
Apesar de localizada nas dependências do Palácio Imperial Assírio, essa biblioteca detém o primeiro registro histórico de um acervo documental para perpetuação da memória sobre eventos, conquistas, lutas, deuses e fazeres humanos, num espaço destinado ao compartilhamento de saberes tanto pela aristocracia intelectual quanto pela gente do povo. É certo que para tanto valeu-se seu idealizador de um vasto dispêndio documental distando pelo menos 3.000 anos no tempo anterior ao seu, representados por textos impressos em placas de argila (segundo escrita cuneiforme}, papiros e placas de cera, portando conhecimentos a respeito de Medicina, Religião, Matemática, Astrologia, Geografia e Leis. No que diz respeito aos textos pré-existentes ao Império Assírio, tratam-se dos famosos relatos sumerianos, no que hoje é o Iraque, região daqueles primeiros rascunhos formais de civilização conhecida.
2. BIBLIOTECA DE ALEXANDRIA. Fundada por PTOLOMEU II, 336 a.C.
Criada no Império Macedônico e regida por Ptolomeu II, a biblioteca era enorme e chegou a contar com meio milhão de documentos em seu período áureo. Em seu início formativo, os navios que atracavam no Porto de Alexandria, perto dali, eram obrigados a deixar cópias de seus mapas náuticos e cartas de navegação para serem incorporados pelo acervo da Biblioteca. Os documentos expostos nas gôndolas portavam de lugares diversos como Pérsia, Índia, Egito, Etiópia etc. etc. Mais de uma centena de pessoas trabalhavam diariamente ali, até que veio o primeiro incêndio.
Além dos suportes tradicionais, papiros, placas de cerâmica e de cera, a Biblioteca aderiu depois à produção do pergaminho, que era característico da Biblioteca de Pérgamo (considerada a segunda maior da antiguidade, pretendia concorrer com a de Alexandria), porém foi menor e teve vida mais curta. A introdução do pergaminho, feito de folha fina de pele de ovelha ou de cabra, ampliou a importância da Biblioteca de Pérgamo no mundo antigo. O uso do pergaminho reduziu a dependência ocidental em relação aos papiros egípcios, propiciando uma disseminação maior do conhecimento por toda a Europa e Ásia.
No ano 48 a.C., Júlio César, no encalço de seu arqui-inimigo Pompeu, aportou em Alexandria e foi confrontado pela frota egípcia. Ele ateou fogo nos navios egípcios e o fogo propagou-se pelo Porto, atingindo também a biblioteca, que depois foi reconstruída nos danos desse primeiro incêndio. Quatro séculos depois, o patriarca Teófilo decidiu transformar o Templo de Serapis, um anexo da biblioteca, em uma igreja cristã, e ordenou que o acervo ali que continha 10% das obras da biblioteca fosse queimado. Milhares de livros desapareceram no fogo. Esse foi o primeiro incêndio de livros em favor de preceitos religiosos, e que se tornariam, na Europa Medieval e católica, um combustível corriqueiro para queima de informações e conhecimentos culturais, ou seja, a retomada metódica de um velho recurso para a sempiterna vontade elitista de alienação e controle da massa. A biblioteca, porém, gozou de vida longeva – 600 anos.
3. NATURALIS HISTÓRIA, de PLÍNIO, O VELHO
Temos aí um compendio gigantesco escrito na Roma imperial, e versando sobre os conhecimentos acumulados pelo naturalista romano Caio Plinio Segundo, escrito durante um longo tempo para ser impresso e publicado entre 57 a.C. E 59 a.C. A coleção de 37 volumes inaugura o modo enciclopédico do conhecimento e abrange Matemática, Física, Geologia, Botânica, Antropologia, Fisiologia, Etnografia, Etnograria, Zoologia, Agricultura, Horticultura, Farmacologia, Mineralogia e Arte (pintura, desenho, escultura, marmoraria, fabrico de tintas etc). A “História Natural” tornou-se modelo para as enciclopédias posteriores e obras acadêmicas, como resultado de sua abrangência de assuntos, sua referência aos autores originais e seu índice no volume I. O novo suporte desta vez era o pergaminho impresso por carimbo de madeira e utilizável dos dois lados.
Durante sua vida, Plínio foi militar destacado para pontos diversos do Império Romano, onde (por ser amigo do imperador Vespasiano) exerceu cargos de controle um tanto burocráticos, o que lhe permitiu ler e escrever durante a vida inteira. sua imensa curiosidade o fez aproximar-se das lavas vulcânicas do Vesúvio, em 97 d.C., para estudar os componentes da lava, no que acabou sufocado pelos gases e fumaças exalados do magma, e assim falecendo quase ao mesmo tempo em que seu escrito mais famoso ia a público.
4. ENCICLOPÉDIA FRANCESA
Editada por Diderot e D’Alembert, foi publicada entre 1755 E 1772. Eles escreveram sobre filosofia, política, economia, artes, ciências, educação e o saber em geral.
A partir das ideias nascidas no século anterior (XVII) e escritos de filósofos como Rousseau, Montaigne e Voltaire, a visão de mundo iluminista preponderou sobre o cerceamento religioso e monárquico, de modo que, através de um grande número de colaboradores, pretendeu reunir as novas ideias sobre liberdade individual, comercial, industrial, de pensar, escrever e publicar. Alguns de seus colaboradores foram renomados como Turgot (economista), Buffon (naturalista), Condorcet (filósofo, matemático e político), Jacques Necker (economista e político suíço) e uma vasta produção de fisiocratas, como Mirabeau, assim como centenas de outros em diversos campos do conhecimento. Eles escreveram sobre filosofia, política, economia, artes, ciências, educação e o saber em geral. O enciclopedismo não só transformou as formas de acesso à informação como influenciou fortemente as ideias que redundaram na Revolução Francesa (1789) e mais tarde em revoltas antimonárquicas como a Comuna de Paris (1871).
Os inúmeros avanços nas técnicas modernas de impressão, a partir do século XV e da introdução do papel iniciado pelos chineses, favoreceram enormemente as inúmeras edições enciclopédicas que se seguiram, assim como a proliferação das bibliotecas pelas universidades do mundo. Elas, assim como o Google, depois da revolução digital do final do século XX, atestam não somente o poder como a necessidade dessa concentração de saberes bem como do acesso a esses arquivos.
- Alberto Lacet é Artista Plástico
O Blog do Rubão publica anúncios Google, mas não controla esses anúncios nem esses anúncios controlam o Blog do Rubão.
Uma resposta para GENEALOGIA GOOGLE, por Alberto Lacet
Texto erudito, muito bem escrito e atual. Leio no momento em que me chega a triste notícia da falência da Livraria Cultura, a melhor do Brasil.
Não sou do tempo dos papiros, porém adoro as páginas, e abomino a leitura digital.
Parabens, Alberto Lacet. Muito culto