O sol há de brilhar mais uma vez
A luz há de chegar aos corações
Do mal será queimada a semente
O amor será eterno novamente
(Nelson Cavaquinho)
As premissas teóricas de que é imprescindível para o alcance do bem estar social a subordinação ao crescimento econômico são sempre dominantes. Estas, em tese, é a de que a esta é condição sine qua non e, segundo os neoliberais, a única via lastreando os efeitos multiplicadores de empregos e rendas.
Essa concepção colide com o postulado conceitual de que o processo de desenvolvimento implica a redistribuição desconcentrada de riquezas e rendas. Colide porque a dinâmica da acumulação capitalista é determinada pelo suposto do binômio de causa e efeito: concentrar para crescer e crescer para concentrar.
As trajetórias do crescimento da produção e da produtividade, historicamente não foram nem serão as de maiores efeitos sociais. O crescimento econômico é fator inequívoco para a acumulação setorial de riquezas, ficando muito distante do imperativo central do desenvolvimento que é o da distribuição de riquezas e rendas.
É claro que a ampliação das bases da produção e produtividades decorrentes são importantes. Não se pode, entretanto, esperar que apenas o crescimento possa absorver partes significativas das dezenas de milhões de pessoas (cerca de 60 milhões) que hoje orbitam nos desempregos: friccional, aberto, disfarçado, além dos desalentados que transbordam nos setores informais da economia.
Quando escuto falar de modo renitente sobre a imprescindibilidade do crescimento da economia sinto frio deslizar na minha espinha. Admite-se equivocadamente que sem o crescimento, stricto senso, não há salvação, e que este é o mantra das vertentes neoliberais. Os adeptos desta rigidez conceitual admitem que o equilíbrio dito fiscal do cash flow do Estado não deve ser flexibilizado exceto para investimentos macroeconômicos cujos efeitos concorram para o crescimento econômico. E, por consequência, a elevação do PIB nacional.
Não é demais lembrar que a velocidade e o ritmo de crescimento do PIB são essencialmente tributários de regiões e setores produtivos agroexportadores e industriais “dinâmicos”, “competentes e avançados tecnologicamente”. Estes com matrizes e mercados externos, créditos e renúncias fiscais abundantes, e que certamente são responsáveis por um limitado nível de empregos e rendas geradas internamente. Estes setores dinâmicos se afirmam enquanto as extremidades do “iceberg” econômico nacional.
O Brasil de ontem, assim como o de hoje, divide-se em centros econômicos dinâmicos, polarizadores e irreversíveis, sendo do domínio do grande capital com grandes densidades tecnológicas, e o Resto. Este Resto inclui o Nordeste, o Norte amazônico e as periferias urbanas, inclusive as do Sudeste.
Crescer por quê, como, quanto? E sobremodo “para quem”? Hoje, tanto pior, porque o crescimento considera que a descentralização econômica ocorre limitadamente de modo restrito ao ímpeto concentracionista. Os maiores efeitos desta dinâmica seguem impulsionados por uma relação de alta densidade de capital/tecnologia poupadora de mão de obra. E, nos últimos anos, a expansão da produção submissa a uma intensa desnacionalização da produção ocorre com a apropriação pelas matrizes externas. Os seus efeitos socioeconômicos não são internalizados e já contribuíram em muito para a expansão das desigualdades interregionais. Este fenômeno já foi corretamente designado há décadas pelo notável economista Chico de Oliveira de “desenvolvimento desigual e combinado”.
A nervosa e ansiosa defesa da pressa em fazer crescer rapidamente o PIB brasileiro, que no ver neoliberal enfatiza o tão apregoado crescimento combinado com ajustes fiscais, é condição sine qua non para o alcance da estabilidade nacional. Já não se busca mais virtuoso Welfare State tão caro às formulações keynesianas. Pecam brutalmente. Hoje e sempre, as teses neoliberais não são mais keynisianas e se amparam nos mais variados e ortodoxos conceitos e desenfreados processos de crescimento econômico sem gerar externalidades positivas no mundo social, leia-se emprego e renda.
Isto porque as premissas econômicas dominantes se cingem apenas aos elevados ganhos do capital produtivo e ainda privilegiam de modo descontrolado e desferem ferinos ataques especulativos visíveis nas bolsas de valores, papeis e moedas via câmbio e desvalorizações monetárias que tornam o Brasil um atraente mercado de 1,99 real. Ou seja, existem volumosas carteiras externas repletas de moedas estrangeiras que compram títulos da dívida pública e ativos nacionais ganhando muito sem qualquer regulação por parte do Estado nacional. George Soros, ele mesmo um megaespeculador, há muito já advertiu para este grave problema.
Sempre se admitiu que os pregões na dinâmica das bolsas de valores é o espelho de verdades econômicas inexoráveis e que há um comando financeiro externo que compra e vende no país qualquer coisa, visto o imperativo da desvalorização cambial que deprime os ativos internos.
Lembro que por estes dias as variações das bolsas fizeram num único ataque a Petrobras perder mais de cem bilhões de reais resultando de manobras especulativas já que a empresa não estava sob pressão financeira e teve em 2021 expressiva rentabilidade. Ainda mais: a mesma Petrobras recentemente quis pagar bilhões em dividendos futuros. Foi brecada pelo Congresso Nacional.
Mais grave, ainda não se tem consagrado que a desvalorização cambial do real tem tido efeitos infames à conta da especulativa “dolarização” dos preços do consumo interno de bens e serviços. A economia e os mercados internos são inteiramente controlados, assim como a precificação pelos proprietários do capital externo. Me pergunto sempre: qual hoje a base econômica com matriz brasileira? Onde começa e onde termina a nossa economia ? Não se sabe mais, tamanha é a promiscuidade com globalidade internacional. No submundo financeiro e bancário, aí é que não se sabe mesmo.
Este governo e outros que perpetraram absurdas renúncias fiscais do IPI (cerca de 17%)…
i) Nos Governos do PT foram gravosas, como as da chamada “linha branca” (de bens de consumo duráveis numa de perda total de cerca de 350 bilhões reais); ii) a continuidade da renúncia de depósitos à conta da desoneração das folhas de pagamento trocando por uma fictícia expansão do emprego que nunca houve; iii) das renúncias e incentivos fiscais de 30% de impostos de exportação de commodities in natura de grãos e carnes à conta do agrobusiness que movimenta cerca de 55 bilhões anualmente. Daí a reverência dos segmentos ao bolsonarismo!
Esta renúncia possibilitou que o agronegócio passasse a recolher apenas 0,000003% do valor total das suas receitas em 2019 e a arrecadação rendeu apenas R$ 16,3 mi aos cofres públicos. A referida renúncia fiscal abrange ainda IPI/PIS/COFINS/ICMS. Bom lembrar que as taxas de juros às safras BB/BNDES são igualmente subsidiadas.
O agronegócio é um exemplo gritante. Negócio das Arábias. Este cresceu enormemente nos anos recentes, ocupou importantes espaços no mercado internacional, gerou poucos empregos pelas requeridas altas de densidade de tecnologias. Ademais, produziu efeitos desastrosos nos preços internos de suas commodities que passou a internalizar os seus sempre preços dolarizados. Tudo isto sob a custódia irresponsável de agentes financeiros públicos via renúncias fiscais e créditos subsidiados.
O país já não domina soberanamente as suas políticas macroeconômicas monetárias, cambiais, de comércio exterior, anti-inflacionárias atreladas a juros insuportáveis, de importação e exportação de bens e serviços, expansão e regulação da produção interna. Os balões de ensaios fazem parte dos incompetentes alquimistas públicos.
O que significa crescer em percentuais de cinco, dez por cento ou mais ao ano se os seus efeitos são internacionalizados? As reservas monetárias fictícias (cerca centenas de bilhões reais), embora sejam escrituradas e estocadas pelo Banco Central à conta de superávits comerciais dos saldos export/import.
O brutal encilhamento desta transição governamental é o de se posicionar corretamente entre a estabilidade de um projeto de Poder e conceber, executar políticas públicas prioritárias que reformem o Estado Brasileiro e vá muito além da crise político- institucional, da conjuntura econômica, fiscal, orçamentária etc. Isto demanda uma visão de curto e médio prazos de um Projeto para o Brasil.
Deixem o capital financeiro espernear. Eles sabem que sempre lucrarão nos momentos de alta e de baixa nas bolsas de valores. Estas não devem ser o norte para qualquer nação.
Luiz Inácio da Silva tem absoluta razão quando se preocupa com a brutal crise social e que a prioridade deve ser a de construir novas rotas para o Estado brasileiro longe dos frissons do capital financeiro. O fundamental é que se vá além das esmolas públicas chamadas de “bolsas”. É reduzir o histórico fosso que existe entre o crescimento e o progresso econômico e financeiro e os milhões de pobres e miseráveis famintos. Isto requer um ousado projeto sócio-economico para um Brasil democrático.
Esperemos que haja coragem e consciência públicas ao caminhar na direção de dizer basta ao incomensurável exílio dos pobres e dos miseráveis.
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